Autor: André Luís Alves de Melo (*)
No Brasil temos 91 tribunais judiciais e ainda queremos criar mais. No entanto, países ricos na Europa estão reduzindo a quantidade de tribunais em face da informatização e do foco em soluções extrajudiciais.
Por aqui pouco discutimos sobre isso, uma vez que o fortíssimo lobby é para criar mais tribunais. E o discurso é sempre de melhor atender à população, mas sempre criam mais órgãos jurídicos e nada melhora, exceto para os próprios operadores do Direito.
Em nosso país temos:
1 STF
4 Tribunais superiores (STJ, STM, TST e TSE)
5 Tribunais regionais federais
24 Tribunais regionais do trabalho
27 Tribunais regionais eleitorais
27 Tribunais de Justiça estaduais
3 Tribunais estaduais militares (RS, SP e MG)
Há forte interesse no mercado de trabalho, o que amplia com nas decisões repetitivas e dissonantes, pois aumenta o volume de processos judiciais, e o número de órgãos jurídicos, o que também permite promoções, remoções e nomeações em face da criação destes novos tribunais, pois até setores do Ministério Público e da advocacia pública acabam sendo beneficiados com mais cargos também.
Um dado importante é que visitando uma comarca perto de Roma, na Itália, e com aproximadamente 600 mil habitantes, foi dito pelo diretor do fórum da lá que um juiz tem apenas 800 processos no acervo, e isto já leva alguns a concluírem erradamente de que temos poucos juízes no Brasil. Mas, isto decorre do desejo de se criar mais cargos públicos no Brasil.
Nesta citada comarca italiana há apenas 17 juízes de carreira para 600 mil habitantes e lá julgam na área criminal, civil e trabalhista, tudo em um único prédio e um único tribunal para recurso. Ressalta-se que apenas existe sistema jurídico federal, apesar de haver províncias.
Para comprovar o absurdo do excesso de gastos com sistema jurídico no Brasil cito que em uma determinada cidade mineira há, em média:
— 28 juízes estaduais,
— 10 federais e
— 8 trabalhistas,
em prédios diferentes e com quatro tribunais diferentes (sem incluir o Militar).
Porém, cada vara judicial nesta comarca brasileira tem uma média um acervo de 4 mil processos. Além disso, tem despesas com os prédios do Ministério Público e com a estrutura administrativa.
Na Itália não há nem discussão sobre processo eletrônico, apenas os andamentos processuais estão na internet.
Lá o Ministério Público também fica em um prédio separado, mas é apenas um MP único (exceto o Antimáfia), mas a administração do MP e do Judiciário é conjunta.
Os concursos são feitos a cada três anos e há necessidade de frequentar uma escola de magistratura, como aluno e podendo ser reprovado. Durante a carreira é possível até mudar da função Judicial para a ministerial (e vice-versa), desde que não seja na mesma comarca, o que tem sido restringido nos últimos tempos, mas ainda é possível.
Nesta comarca italiana há também sete juízes leigos que trabalham com os 17 juízes togados nos julgamentos. Além deles temos os juízes de paz que são os responsáveis pelos juizados especiais, os quais julgam até furtos.
Aqui no Brasil temos 1,3 mil faculdades de Direito das 2,5 mil existentes no mundo e ainda alegamos que falta “assistência jurídica”. Apenas sete países do mundo têm a divisão em Judiciário Federal e Judiciário Estadual.
No Brasil é comum que haja conflitos de competência entre tribunais, o que aumenta o custo e tempo, principalmente pela falta de solução.
Temos praticamente um advogado para cada 1 mil habitantes, uma das maiores médias do mundo e ainda assim alegamos que há falta de “assistência jurídica“ e o Estado tem que criar uma carreira para Assistência Jurídica. Somos o único país do mundo que a Ordem dos Advogados pode impor uma tabela mínima de honorários obrigatórios (não apenas referenciais)
Em suma, pouco discutimos sobre como funciona o Direito em outros países, pois temos no Brasil um modelo que beneficia os bacharéis em Direito.
Todo este colapso de excesso de processos acaba beneficiando o meio jurídico e nada discutimos sobre a questão da falta de critérios para concessão de justiça gratuita.
No tocante aos Tribunais uma simples consulta ao volume de serviço dos TRTs constata-se que alguns podem ser unificados, pois têm pouco volume de serviço e isto geraria uma economia enorme na estrutura administrativa, sem prejuízo para o cidadão.
Também não faz o menor sentido existir dois TRTs, distantes apenas 100 km um do outro, como ocorre em São Paulo, principalmente pela informatização e uniformização de julgados. Um poderia ser apenas anexo do outro, o que não traria nenhum prejuízo aos jurisdicionados, mas reduziria despesa administrativa.
Em relação aos TRFs bastaria um redimensionamento da distribuição de Estados em cada jurisdição de tribunal regional para uma melhor adequação das regiões. No entanto, querem é criar mais tribunais. Ora, como julgam, em regra, matéria de Direito. Não faz sentido que o TRF “A” decida de forma diferente do TRF “B” acerca da interpretação de um artigo da Lei 8.112/90, pois não faz sentido que servidores federais do mesmo órgão tenham decisões judiciais diferentes para situações idênticas. Ademais, com a informatização pode-se enviar o recurso de qualquer lugar e as poucas sustentações orais podem ser feitas por vídeo-conferência.
O TRF da 1ª Região, por exemplo, alega quetem excesso de processos, mas em 10 anos editou apenas seis súmulas e nenhuma sobre previdenciário, um dos grandes problemas do excesso na área federal é a previdência social (leia aqui).
No tocante aos tribunais militares existem em pouquíssimos países e o volume de serviço no Brasil é pouco, se comparado com os demais. Mesmo assim, determinado tribunal militar conseguiu permitir a prescrição de 82% dos processos penais (leia aqui). Algo inacreditável e foi visto com naturalidade no meio jurídico.
No tocante às varas judiciais temos várias que deveriam ser extintas ou terem agregadas novas atribuições, pois há muitas recebendo menos de 20 processos novos mensalmente, mas pouco se fala disso. Em suma, o discurso de “excesso de serviço”, “mais verba” e “mais gente” precisa de uma auditoria externa para certificar os gargalos, e estes gastos desnecessários contribuem para a falta de verbas para áreas essenciais como educação e saúde.
Já em relação ao STJ e STF pouco se discute sobre a necessidade/possibilidade de se aumentar o número de ministros. A Constituição Federal permite que se aumente o número de ministros do STJ, mas pouco se discute sobre isto. Já com relação aos ministros do STF que atualmente são 11 e já foram 15 há necessidade de se alterar a Constituição Federal para se ampliar o número.
Com relação aos tribunais eleitorais não há muitos dados sobre gestão, pois resistem à prestação de Contas ao CNJ, o que inclusive levou no final do ano de 2015 ao fato de o CNJ editar uma Resolução ressaltando esta obrigação.
Poderíamos termos um único tribunal superior, em vez de quatro, o qual seria apenas dividido em ramos (Câmaras).
Há graves problemas de gestão no meio jurídico, pois as faculdades de Direito não dão atenção ao tema “gestão”. Além disso a banalização da justiça gratuita, sem critérios objetivos, gera o colapso, pois estimula as aventuras jurídicas. Em todos os países do mundo há critérios objetivos para conceder justiça gratuita, exceto no Brasil.
Por fim, precisamos é fechar tribunais e não criar mais tribunais e mais burocracia jurídica.
Autor: André Luís Alves de Melo é promotor de Justiça, mestre em Direito Público, professor universitário e doutorando pela PUC-SP.