Educação, trabalho e previdência social em tempos de crise econômica

Autor: Luiz Henrique Sormani Barbugiani (*)

 

A educação, o trabalho e a previdência social são os direitos sociais mais discutidos em momentos de crise econômica, contudo, as propostas de reformulação dessas garantias sociais para promoção do convívio harmônico em sociedade e o legítimo desenvolvimento de uma nação nem sempre avaliam o entrelaçamento desses direitos e suas múltiplas interconexões.

O artigo 6º da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional 90, de 2015, estabelece os direitos sociais da seguinte maneira:

6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Todos esses direitos encontram-se interligados, mas nos interessa abordar a educação, o trabalho e a previdência social, pois eles são objeto, na atualidade, de diversos projetos de lei ou de Emenda Constitucional, almejando dar competitividade internacional à nossa economia.

A educação é a base da construção de postos de trabalho que exigem conhecimentos de índole técnica ou, ainda, do vernáculo para manipular os maquinários mais simples.

O estímulo à educação é uma política perene que jamais pode ser abandonada ou desprezada, como se fosse algo sem importância no mundo dos negócios, pois de produto não se trata, mas sim de um verdadeiro instrumento, seja para que a atividade econômica do país se desenvolva, seja com o objetivo de aperfeiçoamento do indivíduo enquanto cidadão, membro da sociedade ou mesmo trabalhador.

Há propostas de redução do período dos cursos superiores ou a criação de tecnólogos ou, ainda, técnicos, para que mais indivíduos possam ser laureados e a demanda por profissionais seja atendida, estimulando a economia. Tudo deve ser pensado e planejado de maneira holística e não meramente circunstancial, sem preocupação com as intercorrências e as inúmeras variáveis que acompanham o problema.

A redução, por exemplo, de anos de estudo no ensino superior com a adequação das grades curriculares objetivando o aumento do número de pessoas com formação nas faculdades não deve ser uma política sem planejamento estratégico, pois todas as alterações na ordem social ensejam múltiplas consequências.

Num meio em que os índices de desemprego são elevados, a redução do período de formação implica o aumento de profissionais formados em curto espaço de tempo elevando, com essa circunstância, ainda mais o desemprego.

Como elemento adicional surge a grande oferta de profissionais no mercado, rebaixando a remuneração diante da pouca demanda sem estimulo para a abertura de empresas e negócios que absorvam a mão de obra capacitada em crescimento numérico.

Assim, uma política educacional efetiva deve se preocupar não só com o aumento de graduados em nível superior, de técnicos ou tecnólogos, mas, especialmente, com a abertura de postos de trabalho para absorver esse incremento, sob pena de intensificar a crise socioeconômica do país.

Não se deve olvidar também da qualidade do ensino que necessita promover a formação do indivíduo e não se restringir a entregar um diploma.

Além disso, nem mesmo é necessário o diploma de ensino superior ou de técnico ou, ainda, tecnólogo, para inúmeras profissões que merecem o resguardo do Estado e livre exercício enquanto oportunidade para realização dos cidadãos e equilíbrio da economia.

Após a educação, naturalmente, vem o trabalho e, depois de anos de atividade obreira, a aposentadoria.

A educação deve atender os anseios do trabalho preenchendo as vagas existentes e estimulando a abertura de novas ao acolher a evolução tecnológica e a necessidade do mercado.

A atividade laboral exercitada de maneira continua proporcionará, com o alcance dos requisitos próprios do benefício, a aposentadoria.

Se pensarmos os direitos sociais num encadeamento lógico, a ordem normal desses direitos em comento seria exatamente educação, trabalho e previdência social. Todavia, na equação social, os direitos mesclam-se e retroalimentam-se desordenadamente, sem um controle efetivo e preciso por parte do Estado.

A previdência social também é objeto de propostas de reformas, acompanhando as já implementadas recentemente na seara do trabalho, com a modificação de diversos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Deixando de lado as polêmicas suscitadas pela reforma laboral, há defesa, por vários segmentos da política, da necessidade de ampliação da idade mínima e dos anos de contribuição para viabilizar a concessão da aposentadoria sob o argumento de déficit do sistema previdenciário, agravado pelo aumento da expectativa de vida dos brasileiros.

A ampliação da expectativa de vida de fato aumenta, por vezes, o período de percepção de benefícios previdenciários, contudo, isso não deve ser encarado como algo prejudicial ao mercado. Se a idade mínima para aposentadoria e o período de contribuição é elevado, como consequência imediata, não ocorrerá a desocupação das vagas de trabalho de maneira voluntária devido à necessidade de aguardar a implementação da condição para a inatividade remunerada.

O aumento da expectativa de vida não implica nem determina a automática ampliação dos postos de trabalho, pois isso não se encontra numa relação de causa e efeito.

Ampliando-se o período de trabalho e da contribuição para a aposentadoria, o ciclo natural será, muito provavelmente, as pessoas permanecerem nos seus empregos, não liberando vagas para o mercado de trabalho. Isso, numa perspectiva em que o empregado mantenha o seu emprego, pois, na realidade, com o passar dos anos, a tendência dos empregadores é dispensar os trabalhadores mais antigos por diversos fatores, dentre eles, a maior remuneração. Com a ampliação do período de atividade também haverá mais pessoas (os empregados para se manterem no emprego e os recém-formados para alcançar o primeiro emprego) competindo por uma vaga de trabalho, com potencial redução da remuneração nessa disputa, atendendo os interesses do empresariado, mas não do substrato axiológico de um direito social, como o trabalho.

Assim, sem o incremento dos postos de trabalho, o cidadão permanecerá a mercê de um círculo vicioso infindável.

Sem a liberação das vagas pelas pessoas que não se aposentarão muito antes de seus 70 anos (24 anos de estudos como ideal, mais 44 ou 49 de contribuição), qualquer um terá dificuldades de ingressar no mercado de trabalho.

Da mesma forma, ocorrerá grandes dificuldades quando o trabalhador for dispensado antes de completar a idade mínima e o período de contribuição previdenciário, sendo substituído por um trabalhador mais jovem, ganhando efetivamente menos, pois não conseguirá, por certo, permanecer facilmente vinculado a um emprego formal depois dos 45 anos de idade e dificilmente completará os requisitos para a aposentadoria.

A previdência social não deve ser encarada, por conseguinte, como fonte de arrecadação de receita para o Estado, mas sim como um direito social, que almeja garantir ao trabalhador um conforto em sua velhice ou invalidez quando não poderá mais trabalhar e uma segurança social evitando conflitos e instabilidade nas relações sociais, atingindo adequados níveis de segurança pública e de estímulo à economia como um todo. Essa finalidade deve ser ponderada em qualquer projeto de reforma.

O regime previdenciário não foi criado para gerar lucro ou manter superávit, mas sim evitar prejuízos sociais. O equilíbrio econômico deve ser aperfeiçoado para que sua finalidade social seja atingida, sob pena de consequências nefastas à sociedade. É sempre bom lembrar que com a instituição originária do regime previdenciário, durante anos, recursos ingressaram no orçamento público sem a obrigatoriedade de pagamento de benefícios até que os primeiros contribuintes preenchessem os requisitos da aposentadoria. A alegação de déficit no sistema ou deriva de má administração dos recursos angariados por meio das contribuições previdenciárias ou de concessão de benefícios sem critério adequado, dentre outros desvios [1], sendo certo que, em nenhuma dessas hipóteses, o cidadão pode ser considerado o culpado ou mesmo ser penalizado por uma falha alheia à sua vontade.

As reformas em si não podem ser consideradas mal-intencionadas, uma vez que necessitam readequar a realidade, mas, por obviedade, os programas e as políticas de estímulo à economia não devem restringir crédito ou retrair o consumo da população, com a diminuição do poder aquisitivo e a redução de direitos sociais.

Os planos setoriais devem vir acompanhados de medidas de incentivo ao investimento e à movimentação da economia em caráter conjuntural e não exclusivamente circunstancial, atingindo apenas os mais vulneráveis nas relações sociais e jurídicas, sob pena do surgimento, em curto espaço de tempo, de propostas de revogação do Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de que a legislação tutelar prejudica os empresários, com indenizações por descumprimento das normas vigentes, desestimulando o crescimento da economia. Isso já ocorreu equivocadamente com a reforma trabalhista.

O custo de uma reparação ao direito dos hipossuficientes ou vulneráveis (tutelados por qualquer ramo jurídico) lesados por práticas abusivas não pode ser utilizado como empecilho ao crescimento econômico, pois o valor da dignidade humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Outros elementos inseridos em nosso sistema jurídico fruto de reformas dos regimes de garantias sociais apresentam reflexos na sociedade a curto, a médio e a longo prazo. Qualquer reforma deve ser cuidadosamente ponderada e estudada para não criar maiores malefícios do que aqueles que pretende formalmente evitar.

Um exemplo ilustrativo: o contrato de emprego intermitente recém-criado pela reforma trabalhista, apesar da divulgação de seu objetivo de acabar com a informalidade da relação de trabalho e viabilizar o acesso à aposentadoria, não retira o trabalhador da informalidade, uma vez que apenas dá uma aparência de perenidade a uma situação sazonal. Em sendo intermitente a prestação de serviços, tal fato não permitirá ao empregado contribuir mensalmente à previdência social, formalizando, portanto, uma contratação sem benefício previdenciário futuro diante da impossibilidade de cumprimento dos requisitos de contribuição ininterrupta. Se não trabalha, não ganha e, por isso, não poderá contribuir por não receber uma adequada remuneração.

A ausência de contribuição, por sua vez, além de impedir o benefício futuro, não permite auxiliar, na atualidade, com o custeio dos benefícios já concedidos a outros trabalhadores. Se há déficit no sistema previdenciário mostra-se incoerente criar uma figura jurídica em que o trabalhador não poderá se aposentar nem contribuirá com o regime, a ponto de se beneficiar com a aposentadoria, podendo ser absorvido, no futuro, por programas de assistência social com maiores gastos aos cofres públicos e sem contraprestação de contribuição.

Em momentos de crise econômica, as ideologias devem ser deixadas de lado e qualquer reforma necessita de planejamento baseado em dados técnicos e em projeções futuras de seus impactos, com o devido respeito aos princípios constitucionais, sem imediatismos ou contentamento de segmentos políticos específicos, ou seja, sem atentar ao bem-estar geral da sociedade. Ainda que, em sua origem, os programas sejam elaborados com acuidade técnica há necessidade de contínuo monitoramento para correção dos desvios, sem a possibilidade de se alegar ignorância dado o relevante impacto social de tais medidas.

Tudo o que fizermos agora, o futuro nos cobrará, por isso, é essencial uma responsabilidade efetiva nas decisões sempre em prol do bem-estar geral da população.

Outro exemplo da complexidade dessa situação é aferível quando tratamos da educação, em outra oportunidade, ocasião em que ressaltamos como valor relevante da sociedade a educação das crianças e dos adolescentes. Esse princípio deve ser preservado para o desenvolvimento de nosso país, objetivando obstar o abandono dos bancos escolares com o beneplácito das famílias.

Na época, assim nos expressamos:

“Como a educação em si não pode ser apartada de outros elementos que a condicionam e restringem, o trabalho infantil deve ser objeto de atenção social dos entes estatais com o objetivo de não só limitar a idade de início das atividades laborais, mas realmente de fiscalizar o meio laboral e, consequentemente, impedir a assunção de trabalho pelas crianças e adolescentes”[2].

Qualquer reforma educacional, trabalhista ou previdenciária deve se pautar por medidas que não incentivem o trabalho de crianças e adolescentes. Nesse caso, pergunta-se: o aumento do tempo de contribuição para alcançar benefícios previdenciários e a precarização das relações de trabalho com impacto negativo na remuneração do núcleo familiar respeitará essas balizas ou as famílias incentivarão seus filhos a trabalharem cada vez mais cedo para o sustento do meio familiar combalido pela crise econômica?

A resposta a essas indagações só o tempo nos dirá, mas esperamos que os atores principais dessas alterações se responsabilizem pelas consequências de suas ações, sejam elas quais forem. Temos esperança em alcançar os melhores resultados possíveis para o bem de nossa sociedade apesar desse quadro tão pouco promissor. Todavia, tudo dependerá de como e quando se implementará a reforma da reforma que, em pouco tempo, a sociedade exigirá.

O primeiro passo para auxiliar o desenvolvimento do país consiste em compreender a realidade que nos circunda. Recomendável, nesse momento, não propagar ideias pré-formatadas e propagandeadas sem ponderação lógico-sistemática, mas estudar os reais problemas e encontrar ou sugerir uma solução efetiva.

Cabe ao povo contribuir nessa empreitada e, nesse ponto, a educação sempre será um essencial aliado, sem o qual nenhuma batalha poderá ser vitoriosa no âmbito trabalhista ou previdenciário. Quem não souber a origem dos percalços dificilmente alcançará uma resposta adequada para os contornar.

Sem educação sequer é possível repassar os conhecimentos e experiências para as gerações futuras.

Boa sorte a todos nós brasileiros!

 

 

 

Autor: Luiz Henrique Sormani Barbugiani é doutor e mestre pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo. Membro pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior. Membro da Academia Brasileira de Direito do Estado.


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