Eleitor precisa se dar conta que voto não pode ser munição pra roleta russa

Walter Ciglioni

Quando um cidadão ainda se vê capaz de se revoltar com os abusos da classe política, a democracia, pra ele, ainda tem algum sentido. A revolta mantém acesa a chama da mudança. Mas pra onde um povo pode seguir se não apenas o que vê no retrovisor o envergonha, como o que se apresenta como possível futuro é motivo de piada?

Infelizmente, é nessa encruzilhada que a propaganda política tem colocado o eleitor brasileiro, exibindo candidatos que poderiam estar em qualquer concurso de miss ou de humorista — mas por ora se mostram alheios ao compromisso público que a vida política exige. O eleitor que se cuide. Porque, dependendo da decisão tomada, não poderá confiar naqueles que foram escolhidos pra cuidar de todos nós.

Há de se notar que, como eleitores, estamos mais conectados à informação. A internet nos municia em tempo real e a mobilização política nas redes sociais se tornou mais atrativa que a militância de rua. Mas ainda existe um Brasil profundo cujo voto passa muito ao largo da informação — deixa-se levar pela risonha e maquiada propaganda política, sobretudo da TV e do rádio, e ainda se vende por uma camiseta ou cesta básica. E mesmo os sujeitos mais bem informados, por irresponsabilidade, preguiça ou sob o argumento fácil do voto de protesto, podem ceder à perversa lógica do “quanto pior melhor” e catapultar aos postos de comando personagens politicamente obscuros.

Eis que a tentação do voto feliz é cuidadosamente plantada. Marqueteiros de bolsos salivantes se esmeram em fazer jingles e criar personagens que abram o sorriso — e por que não, a gargalhada? — do eleitor. Mudar o resultado desse esforço muito bem pago depende de nós. De escolhermos para as assembléias e governos estaduais, o Congresso e o Palácio do Planalto os candidatos que estiverem mais bem preparados pra serem empregados do povo – e não os que saíram melhor na foto, criaram a música mais popular ou nos fizeram rir mais.

Escolher um líder exige um segundo passo: cobrar o acordo assumido, em troca da confiança que depositamos nele. Por isso o voto não pode ser munição pra roleta russa. Em nossa missão eleitoral, o disparo impensado pode premiar a incompetência e fazer explodir a tragédia coletiva.

Nas campanhas de entidades do Judiciário brasileiro das quais participei nos últimos 20 anos, aprendi que a grandeza de um líder tem como base o compromisso. Os que o honraram são, hoje, respeitados, inspiram orgulho e admiração. Foram cobrados pelo que prometeram e corresponderam ao desafio.

No Executivo e no Legislativo, não temos essa tradição de cobrança que há em entidades associativas e sindicais. Vale outra lógica perversa: a do coração que, para não sofrer, se recusa a ver, não se envolve, não exige. E assim vai escrevendo seu ensaio sobre a cegueira.

Não foi essa a escrita que meus pais me legaram, tampouco a que desejo para o Brasil dos eleitores de hoje e amanhã. Não posso ensinar à minha filha menos do que me foi ensinado. Mas receio que, quando ela for eleitora, os bons líderes já não tenham mais voz para um povo que se esqueceu de refletir. Que sejamos um barco à deriva, empurrado pela inércia de não sabermos votar.

Enquanto o eleitor não enxergar a fundo os dirigentes pra chamar de seus, enquanto não cobrar o acordo assumido e responder a ele, mais uma vez, com o voto, terá o povo o líder que sua própria falta de compromisso merecer. Rir diante da urna em 3 de outubro não vai ter graça nenhuma quando o futuro vier cobrar de nós a fatura da irresponsabilidade.

Walter Ciglioni é vice-presidente da Associação Paulista de Imprensa (API).

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