Por Antonio César Siqueira
A corregedora geral de Justiça, ministra Eliana Calmon, afirmou, em entrevista à imprensa, na terça-feira (27/9), com o título “Justiça sofre com bandidos de toga’”, que o exame dos limites de atuação do Conselho Nacional de Justiça, a cargo do Supremo Tribunal Federal, seria “o primeiro passo para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”. Ela também indagou: “Sabe o dia em que eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um tribunal fechado, refratário a qualquer ação do CNJ”.
Além dessas declarações, a corregedora vem demonstrando toda sua contrariedade com a atuação do Supremo Tribunal Federal quando ele suspende os efeitos de decisões do CNJ, ou as anula. Pois bem. Ao acusar genericamente a magistratura nacional de convivência com “bandidos de toga”, ela imputa a toda uma classe, que merece o respeito da população, a pecha que caberia apenas a muito poucos.
O mais grave nessa postura da corregedora é que, ao condenar sumariamente os juízes brasileiros, ela se esquece de que identificar as exceções e investigá-las é a função precípua mais importante de seu cargo. Exercê-la com eficácia, critério e isenção é uma responsabilidade que, de fato, atende às expectativas e aos interesses maiores da sociedade. Contudo, ela não age assim. A arrogância de se achar acima do bem e do mal, sem respeito ao próprio Supremo Tribunal Federal, arvorando-se em único modelo de moralidade, faz com que suas ações mostrem-se desastradas e inoperantes.
Todas as liminares concedidas pelo STF contra decisões do conselho, sob a firme e sóbria liderança do ministro Antonio Cezar Peluso, tiveram como base a inobservância de uma ou mais garantias constitucionais: ampla defesa; devido processo legal; contraditório ou justa causa.
Essas garantias, que todos os brasileiros conhecem e cultuam, foram insculpidas na Constituição Federal de 1988 exatamente para evitar o arbítrio e as condenações de exceção, tão comuns nos tempos da ditadura, e que são, obrigatoriamente, aplicáveis a todos os processos penais ou administrativospunitivos.
São essas simples e importantes garantias que, na opinião da corregedora, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, vemteimando em aplicar, deitando por terra as condenações sumárias do CNJ. Que bom que seja assim. A democracia agradece.
A magistratura brasileira jamais compactuará com desvios funcionais. Isto é inexorável e óbvio. No entanto, os juízes, como todos os demais cidadãos, têm o direito sagrado de serem processados com observância dos preceitos constitucionais.
Infelizmente, observamos que as falhas na atuação da corregedora não se limitam ao desdém quanto aos preceitos da Carta Magna. Ao afirmar, usando comparação de incrível mau gosto, que não vai inspecionar o Tribunal de SãoPaulo por ele ser refratário às normas do CNJ, ela confessa publicamente que não cumprirá seu dever legal. Assim, é o caso de lhe perguntar: não há nada de errado e a inspeção é desnecessária, ou não está cumprindo aquilo que deveria fazer?
Enfim, arrogância no desrespeito ao Supremo Tribunal Federal e descaso com suas atribuições demonstram que a corregedora faria um grande favor à nação brasileira se adotasse como lema de sua atuação o juramento que fez ao ingressar na magistratura: cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis, pugnando pelo prestígio da Justiça.
Antonio César Siqueira é desembargador e presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj)