Por Luiz Roberto Sabbato
O decano da família completa 94 anos em 2011. É militar reformado e seu pai era desembargador do estado do Pará. Quando ainda na ativa, confessava o filho ao pai que o regime militar pelo qual passava o Brasil o incomodava. Causava-lhe repugnância o constrangimento dos idealistas. Obtemperava o velho juiz que a ditadura mais severa não estava na disciplina rigorosa dos militares. Podia estar no desmando da aristocracia quando subsidiada por meios legais de proteção, mas inconciliáveis com a liberdade e com a dignidade do ser humano. De temperança a temperança dizia o magistrado ao militar que, fosse do poder ao Judiciário, o autoritarismo seria insuportável.
O Estado de 25 de agosto de 2008 colheu a preocupação do senador Garibaldi Alves ao afirmar que o Supremo se sentia “no direito de não apenas interpretar a lei, mas de fazer a lei”. A relação entre os três poderes não era de tensão, mas de “extrema-unção”, dizia o parlamentar. “Ou o Legislativo se levanta e reage, ou se invade a competência dele”.
Foi o próprio Congresso Nacional, porém, que deu início ao despotismo da oligarquia que há uma década manda e desmanda no país. Tomado o Executivo, era preciso ganhar o Legislativo, tarefa confiada aos protagonistas do “mensalão”. Isso concluído, era preciso ganhar o Judiciário, tarefa operacionalizada com inspiração nos “politburos” da extinta União Soviética, deslocando a administração de um dos poderes do Estado ao grupo oligárquico que passou a controlá-lo. Assim nascia o Conselho Nacional de Justiça, a exemplo de outros da mesma origem que se disseminaram no país, só não logrando instalar-se, por obstinada resistência da Imprensa, o Conselho Federal de Jornalismo.
O mais alto órgão do Judiciário da nação passou a ter o comando da nova instituição. E ele mesmo afirmou-lhe a constitucionalidade, pese a cláusula pétrea da Constituição Federal proclamando a independência dos poderes entre si (artigo 2º). Na França, o controle externo do Judiciário só foi possível porque a própria Carta Magna daquele país, em seu artigo 65, só institui o Executivo e o Legislativo como poderes. Não o Judiciário.
Surgia, então, a primeira lei, o decreto judicial amordaçando quem ousasse interpretar a Constituição Brasileira de forma diversa da entendida pelo segmento oligárquico encarregado de dar a última palavra.
Seguiram-se outras “leis” para o desconforto de quem não participa da roda dos amigos do rei.
“Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”, diz a Constituição Federal no artigo 5º, inciso LXVII. Mas há “lei” em contrário: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” (STF, Súmula Vinculante 25). Concordo que a prisão de quem compra automóvel e não paga é medida excessiva. Mas para extirpar o excesso é necessário mudar a Constituição.
“A República Federativa do Brasil” tem como fundamento “a dignidade da pessoa humana” (artigo 1º, inciso IV), não a expondo, certamente, às tentações dos estupefacientes. Hoje a “Marcha da Maconha”. Amanhã poderá ser a “Marcha do Nazismo”.
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (artigo 226, parágrafo 3º). É justo que a união fática e societária entre dois homens ou entre duas mulheres mereça proteção do Estado, mas a Constituição não autoriza que seja de tal forma reconhecida, como se heterossexual fosse, para ser obrigatoriamente inscrita em cartório de registro civil com força de casamento.
A independência e a harmonia entre os poderes (artigo 1º), enfim, não permitiria desautorizar a manifestação técnica do Judiciário, recomendando a extradição de Cesare Battisti por ter cometido nada menos que um crime comum. À nação pareceu que a ordem em contrário foi de descriminalizar o homicídio, tal como acontece com a maconha.
Alerta, senhores parlamentares.
O silêncio dos bons não resistirá às bravatas dos maus e a reação tardia não deterá a continuidade do domínio oligárquico por décadas. Já se passou uma, e outras várias virão.
“Quanto maior o número de representantes do clero e da burguesia reacionárias que tivermos sucesso em fuzilar nessa ocasião, melhor, porque a essa audiência é necessário ensinar, precisamente agora, a lição de jamais ousar pensar em resistência, pelo motivo que for, por várias décadas” (Carta de 19 de março de 1922, original arquivado no Instituto Lênin de Londres e cópia arquivada no congresso inglês – Library of Congress).