Em defesa da pesquisa no ensino jurídico

Guilherme Wagner Ribeiro
professor de Direito Constitucional da Fundação Educacional Monsenhor Messias

O ensino jurídico no Brasil não tem tradição de pesquisa. A pesquisa em direito estava associada à pós-graduação e à atividades de alguns professores, sobretudo das universidades públicas. Basta lembrar, ainda, que as entidades de financiamento apenas na década passada incluíram o direito como área de pesquisa merecedora de aplicação de recursos públicos.

Nos últimos anos, contudo, busca-se a ruptura com esta postura, a partir, notadamente, de duas perspectivas que se complementam: primeira, o crescimento da percepção de que, para a compreensão do fenômeno jurídico em nossa sociedade complexa, é indispensável o manuseio de dados que, nem sempre, podem ser captados na superfície da realidade, devendo ser interpretados de forma crítica na busca de solução para os problemas colocados pela dinâmica social. Não se compreende, por exemplo, as razões do fracasso do sistema carcerário se se limitar à leitura dos clássicos e manuais que abordam a matéria – embora indispensáveis -, ou se se basear no senso comum. Discutindo a reforma do Poder Judiciário, Fran Figueiredo afirma que, “infelizmente, tem-se observado uma lacuna no que concerne à existência de pesquisas no Brasil sobre a estrutura e o funcionamento desse Poder”(1).

A segunda perspectiva reside na concepção de que o eixo central da formação do profissional do direito deve ser o de sua autonomia intelectual e, neste sentido, a capacidade de produção de conhecimento científico rigoroso é indispensável. A pesquisa deve ser trazida, assim, para o núcleo das atividades acadêmicas do ensino jurídico. Daí a inclusão da metodologia de pesquisa logo nos primeiros períodos, como ponto de partida de uma postura que deve acompanhar o aluno durante todo o curso.

Um passo importante para esta ruptura é a exigência de se elaborar monografia de final de curso, instituída pela Portaria nº 1886, do MEC, expedida em 1994, que fixa as diretrizes do ensino jurídico. Contudo, trata-se de um passo inicial, de um mínimo com o qual não podemos nos contentar. É preciso, repita-se, tornar a pesquisa um eixo fundamental na formação profissional. É preciso formar bacharéis com uma forte base teórica, mas, sobretudo, capazes de aprender rapidamente, em virtude seja das mudanças do direito, seja da necessidade de ocupar novos espaços de trabalho.

Dentro deste propósito, uma base teórica consistente é fundamental. A pesquisa, como questionamento reconstrutivo, não parte do nada, do vazio. “É difícil mover-se no vácuo e instituir um discursos ab initio…”, observa Umberto Eco(2). Para se questionar, por exemplo, a posição da doutrina ou dos Poderes sobre a reedição de medida provisória, é preciso dominar alguns conceitos básicos, como o princípio da Separação de Poderes, noções do processo legislativo, direito comparado etc. Reside aí uma das funções do ensino: fornecer aos alunos os elementos essenciais para que possam elaborar as questões a serem aprofundadas em iniciação científica, monografia ou estudos individuais ou coletivos. O conhecimento apresentado pelo professor é, pois, ponto de partida ou de passagem, mas, jamais, ponto de chegada, um fim em si mesmo.

A qualidade do aluno não se revela tanto na capacidade de responder as perguntas do professor, mas, sobretudo, na de elaborar as suas próprias perguntas, dúvidas e questões. Contudo, não se elaboram questões que ajudem a avançar o conhecimento sobre determinada matéria se não houver desejo, se o aluno não for curioso e se tem uma postura passiva de vir à Faculdade receber o conhecimento do professor, como se fosse um recipiente. Daí um certo estranhamento nos causa a postura de alguns estudantes que adiam a definição do objeto ou do tema de sua monografia.

De qualquer forma, para a elaboração do projeto de monografia ou de iniciação científica, é preciso conhecer um pouco mais sobre o assunto, ler a bibliografia básica, alguns artigos de revista especializada, possibilitando o amadurecimento da questão. Daí a sugestão: por que não aproveitar um pouco das férias, quando a cabeça está mais fresca e descansada, para fazer umas leituras ?!?!?

Notas

1.FIGUEIREDO, Fran. A reforma do Poder Judiciário. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, pg. 38.

2.ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977, pg. 12.

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