Em nome da pressa

Uma onda avassaladora de pressa encobre com o seu manto opressor as camadas da nossa rotina. O relógio transformou-se em um ditador implacável. Ninguém mais se dá ao luxo de alforriar-se da pressa, porque o tempo é o nosso Senhor.

A pressa vai nos aniquilar. Paradoxalmente, urge ter pressa para acabar com a pressa porque senão ela vai apressar o nosso fim.

Tudo se faz com pressa: um olho na tarefa; o outro, nas horas, minutos, segundos …

A pressa não é um valor. Não é um ente. Ontologicamente, não existe. Mas ela está em todos os cantos, embrenha-se pelas frestas das portas do recanto mais íntimo da nossa humanidade. Tem um ciclo vital próprio que se impõe como medida de todas as coisas. Seu ritmo sincopado compete com o coração e o final da história é taquicárdico.

A pressa é inimiga da humanidade. Ou terminamos com ela; ou ela vai nos levar ao abismo. É uma praga que precisa ser combatida porque está em jogo a viabilidade da vida humana no planeta.

O ser humano não tem vocação biológica para a pressa. A pressa mata porque é uma doença. É herpética e cancerígena. É sedutora na sua promessa, mas diabolicamente cruel na cobrança de seus juros. Ela encanta, ilude, escraviza e mata…

Pressa de ter pressa … isto é autofagia!

Uma sociedade apressada é inimiga da tolerância, porque mais impetuosa que reflexiva. Não sabe tolerar; suporta. Não conhece o tempo senão pelo grau de ansiedade dos horários da agenda. Ela é uma ladra também, porque está nos roubando a própria sensibilidade, última carta que temos em mãos capaz de nos religar com Deus.

Iludindo a humanidade, a pressa nos dá a sensação de economia do tempo, porém o tempo que se abre logo é fechado pela pressa do acúmulo. E, de repente, a vida se transforma em um conjunto de atividades apressadas: dorme com pressa de acordar; acorda com pressa de trabalhar; trabalha com pressa de ir para casa …

Não há poesia na pressa. No mundo apressado, não há arte e tampouco música clássica. Não há leitura. A cultura da pressa enlata as idéias, robotiza inteligências, engessa talentos e petrifica inspirações. Uma civilização apressada não deixará um legado de pressa; mas uma lenta e caudalosa história de atropelos e tragédias.

Na pressa da vida, vivemos com pressa inconsciente de morrer e a dor que legamos tem pressa de ser sepultada porque afinal de contas no dia seguinte todo mundo tem que chegar cedo no trabalho …

A pressa não é inimiga da perfeição; ela é inimiga da própria Vida. Por isso, eu pesco …

Fábio Trad, advogado e professor de direito.

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