Autor: Claudio Carneiro (*)
Conforme dados da Associação Comercial de São Paulo, o valor pago pelos brasileiros em tributos já alcançou mais de R$ 1,4 trilhão em setembro de 2016. A informação é extraída do chamado “Impostômetro”, que é um painel eletrônico que calcula a arrecadação em tempo real instalado na sede da referida associação e que completou em 2015 uma década de existência.
Apesar das cifras serem bastante significativas, a arrecadação proporcionalmente ao mesmo período no ano anterior foi ligeiramente menor. Vale ressaltar que, segundo o mesmo painel, a receita arrecadada ultrapassou a marca de R$ 2 trilhões em 2015.
Não se discute a necessidade de um país economicamente forte manter-se através da sua receita pública, pois para que o Brasil consiga cumprir, de forma digna, com seus deveres constitucionais como, por exemplo, a saúde, a educação, o transporte, segurança, entre outros, faz-se necessário dinheiro no “cofre”. Contudo, visto de outro ângulo, essa receita pública, por ser constituída eminentemente pela arrecadação de tributos, acaba sendo suportada pelos contribuintes brasileiros, ou seja, pessoas físicas e jurídicas.
Dados comprovam o crescimento significativo da carga tributária, chegando em 2015 ao percentual de 36% per capita do Produto Interno Bruto (PIB),representando em torno de 160 dias trabalhados por ano para se pagar tributos no Brasil.
A questão se agrava ainda mais se nos aprofundarmos na dinâmica dos tributos indiretos como IPI e ICMS, que são repassados ao consumo compondo o preço final do produto. A repercussão tributária (nome técnico atribuído a esse fenômeno tributário) sobre o consumo proporciona uma injustiça fiscal, na medida em que não respeita a capacidade contributiva do contribuinte, pois um simples “cafezinho” tem embutido em seu preço vários tributos, pouco importando a capacidade econômica de quem o adquire.
O objetivo da ferramenta apelidada de “impostômetro” é tentar conscientizar o cidadão sobre a alta carga tributária e incentivá-lo a cobrar dos governos, serviços públicos compatíveis com o que se paga de tributos. O valor anteriormente citado que ultrapassa a casa do trilhão abrange o total de impostos, taxas e contribuições pagas pela população brasileira nos três níveis de governo (municipal, estadual e federal) desde 1º de janeiro de 2016.
Os elementos até aqui apontados, permitem afirmar,a priori, que as pessoas físicas e jurídicas são as principais “vítimas” de um momento de “voracidade fiscal” que massacra os contribuintes. Deve-se ainda acrescentar o fato de que o Brasil é um país de dimensões continentais, e, por isso, a desigualdade regional passou a ser um tema que ainda assusta, pois existem regiões bastante desenvolvidas (com uma centralização cada vez maior na região Sudeste) e outras com pouco desenvolvimento.
Além disso, precisamos atentar também para itens que influenciam, direta ou indiretamente, o crescimento econômico do país como, por exemplo, o índice de desemprego, o avanço tecnológico, o investimento em políticas públicas. Contudo,infelizmente, a desigualdade regional e social ainda é uma realidade.
Existem alguns dados interessantes que merecem ser analisados de modo comparativo. Muitos brasileiros acreditam que nosso país possui uma das alíquotas mais altas do mundo no que se refere ao imposto de renda de pessoa física. Contudo, na Suécia a maior alíquota do referido imposto é 52,8%, enquanto que no Brasil o teto está em 27,5%. Diga-se de passagem, um patamar baixo se comparado ao de nações desenvolvidas e, até mesmo, de países vizinhos como o Chile (45%).
Ocorre que essa comparação não pode ser feita de forma tão simplista, e também não pode aniquilar nosso direito de questionar o quanto pagamos de tributos, sobretudo, o imposto de renda que representa a maior arrecadação do país. Isto porque, os brasileiros contribuem excessivamente com outros tipos de impostos, ou seja, há três bases para tributação: renda, patrimônio e consumo. A maioria das pessoas não se dá conta dos tributos embutidos nos preços de todos os produtos que são comprados.
A título de exemplo, em relação às compras em um supermercado, se não fosse a elevada carga tributária repercutida (inserida na composição do preço final), poderíamos levar dois carrinhos de compras ao invés de um só. Assim, o que deve ser questionado é a contraprestação do Estado em serviços públicos de qualidade que sejam compatíveis com o que é arrecadado.
A busca do aumento de arrecadação parece não ter fim. Em 2016, foi instituído o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, mais conhecido como Lei da Repatriação. Apesar da divulgação de que tal medida seria para regularizar a remessa indevida de dinheiro para fora do país, percebe-se também um nítido viés arrecadatório. Essa legislação passou a permitir que recursos de pessoas físicas ou jurídicas constantes no exterior, sem terem sido declarados oficialmente ou declarados com omissão ou incorreção, possam ser regularizados desde que tenham origem lícita. Nesse caso, incidirá imposto de renda com alíquota de 15%, vigente em 31 de dezembro de 2014 e multa de 100% deste valor, totalizando 30% sobre o total regularizado.
Outro ponto relevante que agrava o problema, é que apesar da altíssima carga tributária, muitas empresas não fazem um planejamento fiscal e, com isso,deixam de avaliar se estão recolhendo os tributos da forma mais adequada, ou seja, estão pagando mais do que o devido, pois deixam de optar pelo melhor Regime Tributário a cada ano.
Assim, a revisão das informações antes de serem declaradas ao Fisco, bem como a observância fiel e precisa de toda a legislação em vigor, é indispensável para garantir a boa administração da sociedade empresarial, evitando, de forma eficaz e lícita, possíveis penalidades fiscais que podem atingir o patrimônio da sociedade e até mesmo, em alguns casos, o patrimônio pessoal dos sócios. Vale dizer que, a regra do Direito Empresarial que limita a responsabilidade patrimonial da sociedade até o limite do capital integralizado não se aplica de forma absoluta no Direito Tributário, o que pode trazer grandes transtornos, sobretudo, para os administradores.
Diante desse quadro jurídico-contábil desfavorável para o empresariado brasileiro, já que o aumento é inevitável, é de suma importância adotar procedimentos de conformidade tributária que chamamos de compliance fiscal, pois o governo brasileiro está se aprimorando, cada vez mais, para fiscalizar, identificar situações de evasão de receita e aplicar sanções administrativas e penais.
Diversos são os procedimentos para minimizar tais riscos que, a título de exemplo, podemos citar, entre outros: implementação de ferramentas tecnológicas avançadas; (re)análise do enquadramento tributário da sociedade e das bases fiscais apuradas, em especial quanto aos tributos lançados por homologação; contabilização de eventos que possam causar reflexos de natureza penal e administrativa fiscal; estabelecer reservas de contingenciamento para processos administrativos e judiciais; antecipar inconsistências de escrituração de forma a prevenir riscos, ainda que efetuados nas várias plataformas disponibilizadas pelo Fisco; verificar a possibilidade de recuperação fiscal e compensação tributária; observância da aplicação das alíquotas corretas, em especial no que se refere à tributos importantes comoo ICMS; conferência de notas fiscais para evitar autuações por creditamento indevido.
Voltando ao critério comparativo, nos Estados Unidos a alíquota máxima do imposto de renda é de 46,1%, mas a carga tributária total é em torno de 29,6% do PIB. O Brasil é a maior carga tributária da América Latina e está entre os percentuais mais altos do mundo, ou seja, no mesmo patamar da Alemanha e Canadá, onde o retorno para a população dos impostos pagos por meio de investimentos em educação e saúde é digno.
Se compararmos a evolução crescente da tributação no país, em 1999, diante da crise fiscal e cambial de grandes proporções que assolava o país, a carga era de 27% do PIB. Em 2016, com um quadro econômico semelhante, a carga é de 36% e o governo ainda discute o aumento de tributos.
Entre tais medidas, especula-se recriar a tão criticada CPMF e aumentar a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). Contudo, a criação de alguns, ou aumento de outros tributos, nesse exato momento serão fatores decisivos para aumentar a recessão e, ainda, poderão provocar reflexos na inflação.
A situação econômica brasileira atual é preocupante e parece que ainda viveremos meses de contenção e instabilidade. Em que pesem as divergências de especialistas que se mostram ora pessimistas ora otimistas, o fato é que estamos, mais uma vez, em um momento de crise. É importante destacar que a crise no campo político, ao nosso sentir, foi um dos fortes instrumentos de instabilidade no país que agravou o problema.
Tanto é verdade que durante alguns meses, a crise político-econômica brasileira povoou as mídias internacionais, sendo destaque nos principais jornais e revistas internacionais. Hoje, por conta disso, o Brasil está sendo monitorado pelo ambiente econômico mundial. A guisa de ilustração, há algum tempo, a revista britânica The Economist dedicou a principal reportagem de sua edição para a América Latina para uma análise sobre a economia brasileira e o panorama político do país. Na capa, uma passista de escola de samba devidamente fantasiada, se afunda em um atoleiro, coberta por gosma verde e com expressão de desapontamento.
Os reflexos de uma crise econômica podem ser devastadores, podendo gerar o aumento da taxa de desemprego, a redução do faturamento das empresas, a redução do produto interno bruto, a desvalorização da moeda e o aumento das taxas de juros. Nesse sentido, o Brasil já está sentindo esses impactos, basta observar, entre tantos outros exemplos, a estagnação do segmento imobiliário. Os investimentos de riscos passaram a ser perigosos sob o ponto de vista financeiro.
Segundo a The Economist, a estagnação registrada em 2013 se tornou uma recessão prolongada, enquanto a inflação está corroendo aos poucos o poder de compra dos salários dos brasileiros. Acelerando esse cenário, a desvalorização do real em relação ao dólar, agrava a situação de empresas que têm dívidas em moeda estrangeira e prejudica o comércio exterior.
O governo atual que se instaurou após uma desgastante batalha política que culminou no impeachment da presidente Dilma Rousseff afirma procurar gerenciar a crise cortando gastos públicos. Ocorre que para que haja o equilíbrio orçamentário, deve-se trabalhar com o binômio receita/despesa, por isso, o Ministro da Fazenda vem estudando a melhor forma de implementar ajustes fiscais sem comprometer a governabilidade. Parece-nos, com todo o respeito às autoridades responsáveis pela condução da economia no país, que as mudanças ainda estão tímidas ou pelo menos não estão rendendo os frutos necessários para desafogar o país de forma acelerada.
O Brasil vive um momento nefasto que foi desencadeado pela descoberta de grandes esquemas de corrupção que coincidiu com uma crise econômica e política. Esses ingredientes provocaram um profundo descrédito para com as autoridades públicas nacionais, em especial com a classe política. Grande parte da população vem se sentindo ultrajada em sua dignidade por ver tantas mazelas que não param de surgir – é um verdadeiro efeito dominó!
A crise econômica abate ainda mais as camadas da sociedade menos favorecidas, que lutam diariamente para manter uma condição razoável de vida ou,talvez, até mesmo de sobrevivência. Esses motivos, associados a tantos outros fazem com que a sociedade fique indignada de pagar tributos, pois é levada a crer que esse dinheiro servirá para alimentar ainda mais os cofres dos “ladrões” do tesouro público. Mudar esse sentimento para se falar em aumento de carga tributária exigirá um forte trabalho de conscientização da sociedade e, em especial, um verdadeiro resgate de credibilidade pela classe governante e política.
Ressalte-se que, infelizmente, esse cenário não é uma exclusividade do governo federal, mas também em vários estados e municípios. Salários de servidores atrasados, obras paralisadas, contratos suspensos por falta de pagamentos, serviços públicos interrompidos e a decretação de estado de calamidade, não contribuem em nada para que o resgate da credibilidade junto à população seja concretizado.
Diante de todo esse contexto, o cenário não é bom e infelizmente todos nós pagaremos esse preço, sejam pessoas jurídicas ou físicas. É hora de ser mais cauteloso e menos emotivo!
O fato é que, enquanto não houver a redução das alíquotas dos principais tributos, a carga tributária brasileira vai continuar a crescer. A pluralidade de tributos e, consequentemente das múltiplas incidências tributária fazem com que a arrecadação tributária cresça em uma proporção maior que o PIB.
Em síntese, o chamado mundo moderno tem passado por muitas mudanças. No Brasil, o combate à corrupção e o aumento da carga tributária dão o tom desse cenário no país. Escândalos que envolveram grandes empresas e seus respectivos diretores acenderam a luz amarela que passou a exigir uma atenção mais rígida em determinadas áreas, entre elas a fiscal.
Contudo, essas alterações não ocorreram abruptamente de uma hora para outra, pois desde a vigência da Constituição de 1988 já foram editadas mais de trezentas mil leis tributárias e, se considerarmos também todos os atos administrativos normativos editados pela Receita Federal do Brasil e demais Fazendas estaduais e municipais, somam mais de três milhões de normas tributárias. Essa quantidade alarmante, associada à velocidade com que são alteradas, torna bastante difícil a tarefa de se adequar à legislação fiscal.
O que se deve cobrar dos nossos governantes, não é o percentual relativo a este ou aquele tributo, como se faz com o imposto de renda, ou ainda, o percentual da carga tributária de um país, mas sim, em que e como o dinheiro é aplicado.
Enfim, o que a sociedade busca no Brasil é que a tributação seja compatível com as políticas públicas de saúde, de educação, de transporte público adequado, segurança, etc.
Já que o Brasil é comparado aos países de primeiro mundo no que se refere à carga tributária, então que seja também igualado na qualidade de serviços públicos. Dessa forma, acredita-se que não haveria insatisfação sobre o pagamento de tributos!
Autor: Claudio Carneiro é advogado Tributarista, sócio do Carneiro & Oliveira Advogados, pós-doutorando pela Universidade de Lisboa e mestre e Doutor em Direito. Também é membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ. Professor do Curso de Mestrado e Doutorado da Universidade Autônoma de Lisboa e do Curso de Mestrado da Faculdade Guanambi (BA). Diretor Financeiro do Instituto Brasileiro de Compliance e presidente da OAB-Barra da Tijuca.