Empate em decisões favoráveis e contrárias autoriza uso do infringente

Silvio Garrido

O recurso de embargos infringentes, que o atual projeto de reforma do CPC visa a extirpar do sistema brasileiro, reúne características bem sui generis, as quais demandam inúmeras análises.

Concebido como o recurso a ser interposto em julgados não unânimes pelo CPC de 73 (na verdade, já era previsto em legislações processuais anteriores), os embargos infringentes sofreram sensível restrição à sua hipótese de cabimento com as alterações promovidas pela Lei 10.352/2001. De cabível para todos os julgados não unânimes, os embargos infringentes passaram a ser admitidos apenas nos casos em que o julgamento não unânime se dá no sentido de reformar a decisão de mérito proferida pelo juízo a quo ou no sentido de julgar procedente a ação rescisória.

Aqui entrou em cena a chamada regra do empate dos embargos infringentes, a fim de propiciar que o caso sempre fosse decidido com base em uma maioria de fato. Existindo uma decisão de mérito no sentido, por exemplo, da procedência da lide, a reforma dessa decisão em julgado não unânime (2×1) deixa o “jogo” empatado. O autor tem a seu favor dois votos (do juízo de primeiro grau e do desembargador vencido no julgamento da apelação) e contra si também dois votos (dos desembargadores que saíram vencedores no julgamento da apelação). Neste caso, cabível os embargos infringentes para chamar o restante da Câmara para decidir a lide, pondo fim ao pseudo-empate. Diz-se pseudo porque eventual ausência de recurso de embargos infringentes fará com que prevaleça, como não poderia deixar de ser, o voto vencedor a conclusão do julgado no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo. No caso do exemplo, pela improcedência da lide.

Nesta regra, se o julgado por maioria mantém a sentença de mérito antes proferida, não há que se falar em empate. No caso do exemplo, mantida a procedência por maioria, o autor teria em seu favor três votos, enquanto o réu apenas um. Inexistiria, portanto, o pseudo-empate. De igual forma se fosse a situação inversa e a lide fosse improcedente.

Parece inexistir dúvidas quanto às hipóteses de cabimento quando se depara com sentença definitiva, aquela que decide a lide em seu mérito, conhecendo do pedido formulado pelo autor, acolhendo-o ou desacolhendo-o.

Agora, que se dizer se em vez de julgar procedente e/ou improcedente a inicial, o Juízo a quo tivesse entendido pela extinção da lide? Eventual julgamento pelo provimento da apelação do autor e procedência da lide (artigo 515, §3º, CPC) que se desse por maioria de votos autorizaria o manejo dos infringentes? Em outras palavras, poderia sentença terminativa reformada por maioria autorizar o uso dos embargos infringentes?

Entende-se que sim. Ora, embora a sentença do Juízo de primeiro grau tenha sido terminativa, ou seja, sem o pronunciamento quanto ao mérito da questio, é certo que, de uma forma ou de outra, acabou por negar o pedido formulado pelo autor. Eventual provimento em julgado não unânime da apelação do autor que viesse a declarar procedente sua pretensão, conforme autorizado pelo artigo 515, § 3º, CPC, desafiaria, sim, o recurso de embargos infringentes. Recorrendo-se ao didático exemplo da regra futebolística, estaria o réu deste processo diante de duas decisões contrárias (dos desembargadores que prevaleceram no julgamento da apelação do autor) e dois favoráveis, do juiz que entendeu como não cabível a pretensão do autor e do desembargador que restou vencido, que entendeu ou pela manutenção da sentença ou pelo desacolhimento da pretensão deduzida na inicial.

Desta forma, não há como se negar que o réu deste nosso exemplo poderia sim manejar o recurso de embargos infringentes. Nesse sentido, inclusive, recentíssima a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, nos autos do Recurso Especial 1.194.166/RS.

Não nos parece adequado, com a devida vênia aos que entendem de forma diversa, que se defenda o não cabimento dos embargos infringentes nestes casos. O ponto é que a vontade do legislador foi evitar, justamente, que a causa fosse decidida sem que se estabelecesse uma plena maioria. E, por assim ser, aderimos à corrente que entende cabível o infringente em casos como o aqui retratado.

Silvio Garrido é advogado atuante no contencioso, coordenador da Área de Direito Público do Leite, Tosto e Barros.

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