Antonio Baptista Gonçalves e Patricia Machado Teixeira
Pela segunda vez, em menos de seis meses, a maior metrópole do país é refém do Primeiro Comando da Capital (PCC) numa onda de violência a policiais, cidadãos e suspeitos que resultaram em muitas mortes. Organização esta que demonstra uma plenitude empresarial digna de fazer inveja às maiores corporações nacionais.
Ao mesmo tempo o governo estadual demonstra toda a sua incapacidade negocial e estrutural. Não adianta culpar o governador, porque este é apenas uma peça da grande engrenagem. A grande culpa também não é do sistema prisional, mas sim do governo federal. A pena de um condenado é composta de três erres: ressocialização, reparação e recuperação.
É de conhecimento público que nos dias atuais nenhum dos três erres se faz capaz de cumprir nas penitenciárias, exatamente por isso surgiu o PCC. O preso dispõe de um grande tempo útil ocioso que não é revertido em nada para a sociedade, mas permite aos presos se organizarem internamente, montando uma verdadeira indústria do crime.
O Código criminal do Império, datado de 1830, já dispunha, em seu artigo 48, que as penas de prisão deveriam ser cumpridas em presídios com maior comodidade e segurança, e em estabelecimento prisional de maior proximidade do local de sua residência. Tal artigo está em total consonância com o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário e também com as diretrizes da ONU.
É dever do Estado garantir ao privado de liberdade as condições necessárias à sua inserção ao convívio social, mantendo, para esse fim, profissionais devidamente habilitados ou firmando convênios com entidades da sociedade civil organizada e demais esferas do poder público.
Os três regramentos citados tratam da humanidade do condenado com o fornecimento de uma infra-estrutura mínima necessária à mantenedura de qualquer indivíduo. Com o passar do tempo, os governos simplesmente esqueceram dos direitos humanos fundamentais. Ao mesmo tempo, esperava que os presos nunca se rebelassem.
O castelo de cartas ruiu em maio de 2006.
Em busca de tais direitos humanos, como saúde, educação e segurança, os presos perceberam que sozinhos não teriam força e condições para pleitear ou conquistar, ou até mesmo impor tais direitos. Então começaram a formar grupos dentro dos presídios e se organizar de dentro para fora.
Os criminosos de maior periculosidade se reuniram e criaram uma organização criminosa recrutando os presos de acordo com uma hierarquia criminal, qual seja, os mais perigosos tem os mais elevados cargos. Com o passar do tempo essa estrutura se expandiu tanto que hoje cria uma falsa ilusão de que o PCC é a única organização criminosa do Brasil.
Tal afirmação é uma grande falácia. As demais organizações não têm a mesma exposição pela simples falta de organização. O que não significa existirem comandos vermelhos, etc. Tanto que, algumas vezes essas organizações até se pactuam no intuito de atingirem um fim comum, que não conseguiriam separadas.
O futuro parece ainda mais negro. Sem solução? Diríamos sem visão dos governantes, isso sim. Os Estados Unidos, nação dotada de atividades agressivas no que tange a medidas prisionais, teve uma postura de muita vanguarda. E uniu um sistema ressocializatório com uma reintegração social e um aproveitamento financeiro do preso para com a sociedade norte-americana.
Apesar dos Estados serem autônomos e terem penas próprias em legislações também específicas, existe um movimento de privatização dos presídios. E, por incrível que possa parecer, o possível grande mau negócio resulta hoje na terceira maior renda da economia privada do país.
No Brasil, já existe a implementação, ainda que tímida, deste modelo nos Estados do Ceará —em Cariri—, na Bahia —em Valença— e no Paraná —em Guarapuara.
Os benefícios são infinitamente maiores que os problemas. Inicialmente inibe a possibilidade de rebeliões. Os presos têm a possibilidade de terem acesso ao estudo, a um serviço médico privado e a um aperfeiçoamento profissional, sem qualquer ônus para o Estado.
Em contrapartida, a iniciativa privada recebe uma mão-de-obra barateada, que carece de especialização, mas que pode fazer uma alta produção, além da concentração exacerbada, por total falta de outra atividade.
Além disso, o preso tem o maior benefício: a redução de sua pena, pois a cada três dias de trabalho, há a minoração de um dia de pena cumprida.
Tal modelo de privatização remonta muita reclamação social pelo entendimento de que os presos recebem um privilégio “indevido”, porque têm redução de pena, aperfeiçoamento profissional e melhorias da condição de vida.
Pensamentos como estes refletem a dinâmica de que o preso deve ser condenado infinitamente, que não existe qualquer possibilidade de expiação de seus crimes. Se não for condenado por mais de 30 anos, que não se preocupe, a sociedade arcará com a disposição de atribuir-lhe uma morte social.
Pior do que isso é a falência do Estado no gasto com o próprio preso. Valores superiores a R$ 1.000 (um mil reais) por mês. Sem retorno e com aumento da criminalidade. A inserção da iniciativa privada propiciará uma possibilidade de investimento estatal em segurança e em infra-estrutura.
A própria Constituição Federal não impede à implantação de mudanças na administração dos serviços prisionais, muito menos que seja dada ao preso a possibilidade de desenvolver, durante o seu encarceramento, atividade produtiva, desde que presentes as exigências morais e normativas estabelecidas pela sociedade.
Outrossim, a própria Lei de Execução Penal admite o trabalho terceirizado do preso, como reza o artigo 36, ao autorizar o trabalho externo até para os presos em regime fechado em serviços ou obras públicas feitas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas às cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.
Também existe a possibilidade de desligamento de agentes corruptos ou incompetentes competindo aos governadores nomearem diretores, os vice-diretores e os chefes de segurança, e também a fiscalização do trabalho da empresa terceirizada.
O sistema atual é capenga, falido e inaplicável. Não contenta o preso, a população e muito menos os agentes carcerários, que agora temem constantemente pela própria vida. A culpa não é apenas do preso, mas sim do conjunto. E para um sistema doente a cura é a privatização, num sistema de parceria através de licitação. O Estado ganha, a empresa ganha, o preso tem suas pretensões atendidas e a cidade respira.