Empresa não pode ser gerida como a família

por Anna Luiza Boranga e Beatriz Padovan Pacheco

Quando se fala em sucessão familiar logo nos vem à mente a questão que se segue: como garantir a continuidade do negócio? Serão os herdeiros capazes de manter os investimentos e aumentar os lucros?

Sabemos que o perfil do empreendedor dificilmente é encontrado de forma completa nos seus sucessores. Por outro lado, a pressão em dar continuidade ao negócio já existente e de sucesso aparentemente garantido é muito mais fácil e cômoda do que partir para novos empreendimentos.

Trata-se de uma questão não apenas interessante como extremamente importante no que se refere às empresas brasileiras, na sua grande maioria originada de empreendedores individuais.

Empresas nacionais, em sua grande maioria, nascem e se desenvolvem sob a forma de empresas familiares, sendo que vários têm herdeiros que se sentem efetivamente “sucessores” do negócio.

Via de regra, uma empresa familiar se caracteriza por ter o controle em mãos de uma ou mais famílias: pais, irmãos, filhos, sobrinhos, netos e agregados em geral. A maioria dos familiares nela trabalha e participa da gestão, ou pior, possui cargo como forma de perceber a mesada com o título de “remuneração”.

Em vista disso, estatisticamente o que se nota é que grande parte das empresas familiares com essas características acaba por desaparecer, boa parte não sobrevive à segunda geração e apenas um pequeno número sobrevive à terceira geração.

Vale dizer que constatamos que, quanto menor for o nível de profissionalização de uma empresa familiar, tanto maior será seu risco de sucumbir e desaparecer.

Como reduzir ou eliminar o risco de sucumbir?

Com a maioria dos familiares participando do quadro organizacional, todo o emocional e o racional de uma família se transpõe e contrapõe à estrutura empresarial da organização, gerando uma grande carga emocional na tomada de decisões e, por conseqüência, falta de objetividade e disciplina e conflito de interesses.

Esses elementos todos agregados conduzem, certamente, ao risco de divisão e exposição de conflitos, fraquezas e divergências tanto para o público interno (funcionários e colaboradores) quanto para os concorrentes, já que as emoções passam a ser demonstradas abertamente. De um modo simplista, pode-se dizer que a “roupa suja” passa a ser lavada na empresa e não em casa.

Outro aspecto a ser considerado é a questão do gerenciamento financeiro. Invariavelmente confunde-se o caixa da empresa com as finanças pessoais, causando distorções e danos prejudiciais à saúde da organização.

A sobreposição entre os princípios familiares e empresariais

Os princípios familiares são por definição conflitantes com os princípios empresariais. Na estrutura familiar o que se busca é a satisfação das necessidades pessoais de seus membros, enquanto que em uma estrutura empresarial o foco é atingir metas relativas a conquista de mercado e lucro.

Além disso, a estrutura familiar congrega rivalidades, diferenças pessoais de gerações e entre sexos, sendo comum a aglutinação de grupos rivais, o que resulta na ausência de negociações construtivas.

Por outro lado, uma estrutura empresarial congrega a seleção efetiva de pessoal, com avaliação sistemática, treinamento e desenvolvimento dirigidos à atividade fim e, por conseqüência, a compreensão dos objetivos e metas e a equidade.

Assim, é comum identificar em empresas familiares a sobreposição de papéis, o favoritismo, o excesso de controle, de confiança e de segredos, envolvendo tanto os diversos grupos familiares quanto os profissionais que com eles trabalham mais diretamente. Como resultado, tem-se a ausência de qualquer conceito de governança corporativa, com uma mentalidade totalmente distorcida e não direcionada a resultados efetivos, do ponto de vista empresarial.

A conseqüência é a dificuldade crescente para atrair profissionais e talentos, de manter um nível adequado de investimentos no negócio, a dilapidação indireta do patrimônio e a perda da visão estratégica. A miopia toma conta dos sucessores que não conseguem mais vislumbrar um futuro para esta organização nos moldes pretendidos por seu fundador. A falta do perfil empreendedor é nítida e faz-se notar nos mais variados níveis da hierarquia familiar. Os primeiros sinais de enfraquecimento surgem, para júbilo da concorrência.

Em busca de uma alternativa de sobrevivência

É perfeitamente possível uma empresa familiar sobreviver como tal, desde que se estruture no sentido de buscar uma clara definição entre os valores familiares e os empresariais, objetivando uma nítida separação entre família e empresa. Com isso, haverá a delimitação da propriedade, da família e da gestão, implicando no convencimento da necessidade de se implementar a institucionalização, adotando sistemas de governança e o planejamento de formação da sucessão dos líderes.

O primeiro e mais importante aspecto será detectar, dentre seus integrantes, quais poderão ocupar cargos funcionais e quais as funções que deverão ser ocupadas por terceiros. A proposta de profissionalização da empresa já deve partir de uma ampla reestruturação de cargos, funções e atividades, definições de planejamento estratégico e treinamento.

Como resultado, passará a ser dada ênfase à constante formação de profissionais e de seus sucessores, nos mais diversos níveis, estabelecendo o respeito, a justiça e a lealdade no trato com os colaboradores em geral.

Ao final, haverá uma empresa revigorada e apta a enfrentar o mercado, uma vez que a sua institucionalização permitirá a rápida tomada de decisões, a excelência em sistemas e processos de administração, consolidando, assim, o senso de responsabilidade social e não da responsabilidade familiar.

Revista Consultor Jurídico

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