Autores: Rodrigo Seiko Takano e Murilo Caldeira Germiniani (*)
Nos últimos anos, a utilização de incentivos atrelados a ações por sociedades brasileiras no âmbito das relações de trabalho cresceu, impulsionada, principalmente, pela melhor percepção do mercado de capitais brasileiro.
De fato, cada vez mais, multinacionais com filiais brasileiras têm oferecido aos seus empregados e administradores locais a possibilidade de serem beneficiários de incentivos globais atrelados à performance das ações da sociedade matriz estrangeira, tais como stock options, phantom shares, restricted stock units, etc..
A concessão desses incentivos globais a empregados e administradores brasileiros, entretanto, merece especial atenção dos departamentos de Recursos Humanos, haja vista que, antes de serem implementados, os planos que regulam tais incentivos precisam ser, muitas vezes, adaptados à luz da legislação trabalhista brasileira.
Dentre os pontos que merecem maior atenção estão as regras aplicáveis em caso de rescisão do contrato de trabalho: o que acontece com os direitos do beneficiário caso ele peça demissão ou seja dispensado sem justa causa? Usualmente, os planos que regulam tais incentivos estabelecem que, caso a relação de emprego seja rescindia por iniciativa do empregado (pedido de demissão) ou por iniciativa da empresa sem justa causa durante o período de carência, o beneficiário perderá o direito ao exercício de todas as opções ainda não exercíveis na data da rescisão contratual. Entende-se que o beneficiário possui apenas uma expectativa de direito.
Ocorre que, nos últimos anos, ao analisar os limites do poder diretivo do empregador de dispensar empregados sem justa causa, o Tribunal Superior do Trabalho – TST tem entendido que a dispensa sem justa causa de um empregado não pode obstá-lo de exercer um direito que está condicionado à manutenção do seu contrato de trabalho. Tal entendimento culminou, inclusive, na edição da Súmula nº 451 do TST, segundo a qual, em caso de dispensa sem justa causa antes da data da distribuição, a participação nos lucros ou resultados deverá ser paga de forma proporcional ao tempo de trabalho, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
Em linha com esse entendimento, recentemente, o TST, ao analisar a validade das regras do plano de opção de compra de ações de uma grande empresa de varejo brasileira aplicáveis em caso de dispensa sem justa causa, entendeu que as regras do plano que previam a extinção das opções ainda não exercíveis na data da rescisão sem justa causa seriam ilícitas com base no argumento de que tais regras permitiam que o exercício das opções ficasse ao exclusivo arbítrio da sociedade, violando o artigo 122 do Código Civil, segundo o qual são ilícitas as condições que sujeitem os efeitos de um negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes.
Em razão disso, como, no caso, o reclamante teria sido dispensado sem justa causa apenas oito meses antes de adquirir o direito ao exercício das opções e a referida empresa não teria apresentado justificativas de ordem técnica, econômica, financeira ou disciplinar para fundamentar a sua dispensa, o TST decidiu que a rescisão do seu contrato de trabalho sem justa causa o teria obstado de exercer o seu direito e condenou a empresa a indenizá-lo como se o período de carência tivesse decorrido integralmente na data da rescisão do seu contrato de trabalho.
Por outro lado, o TST, recentemente, se manifestou no sentido de que o conceito de dispensa obstativa de direito não poderia ser aplicado na hipótese de pedido de demissão do empregado, haja vista que, nesse caso, não há dispensa do empregado pela empresa. Tendo isso em vista, seriam válidas, para o TST, as cláusulas contratuais que estabelecem que, em caso de pedido de demissão, o empregado perderá os direitos cujo exercício depende da manutenção do vínculo.
De qualquer forma, em razão da insegurança jurídica acerca dos efeitos de rescisões contratuais sobre incentivos condicionados à manutenção da relação de emprego, nos parece fundamental traçar alguns comentários acerca dessa questão.
Primeiramente, cumpre-se ressaltar que o referido entendimento do TST encontra-se em dissonância com o artigo 114 do Código Civil, segundo o qual os negócios jurídicos benefícios devem ser interpretados restritivamente. Com base nesse fundamento, poder-se-ia argumentar que, ao interpretar planos que regulamentam incentivos instituídos voluntariamente pelo empregador, o juiz não poderia ampliar os direitos conferidos pelo respectivo plano, devendo limitar-se as suas regras.
Em segundo lugar, tal entendimento não leva em consideração que (i) como a participação do empregado é totalmente voluntária, caso ele não concorde com as regras do plano que regula o incentivo, ele poderia, simplesmente, optar por não participar do plano e não receber o incentivo; e (ii) usualmente, esses incentivos são concedidos a empregados e administradores que ocupam altos cargos de gestão, e, portanto, não se pode defender que, ao aderir ao regulamento, tais empregados não teriam condições para entender as suas regras. Ora, no caso, o princípio da pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato obriga as partes, deve prevalecer.
Finalmente, especificamente com relação à decisão referida acima, que antecipou o período de carência e condenou a empresa ao pagamento de uma indenização como se todas as opções outorgadas fossem passíveis de exercício na data da rescisão contratual, entendemos que tal decisão é, no mínimo, desproporcional e está em descompasso com a Súmula nº 451 do TST que regulamenta o pagamento proporcional de participação nos lucros ou resultados em caso de dispensa sem justa causa antes da data da distribuição.
Ora, se o TST entendeu que a dispensa sem justa causa em data anterior à data da distribuição da participação nos lucros ou resultados implica o pagamento proporcional da verba, por que a dispensa sem justa causa do empregado implicaria a antecipação integral do período de carência de todas as opções que lhe foram outorgadas? No caso, em linha com a referida Súmula, o valor da indenização devida ao empregado deveria ter sido calculado de forma proporcional ao tempo de serviços prestados à empresa durante o período de carência, visando, inclusive, a preservar ao máximo a vontade das partes.
De qualquer forma, entendemos que, em que pesem nossos questionamentos acerca do entendimento jurisprudencial que vem sendo adotado pelo TST sobre a validade das cláusulas contratuais que estabelecem a perda integral de um direito em caso de dispensa sem justa causa do empregado, as empresas devem ficar atentas à consolidação de tal entendimento, para, eventualmente, readequar seus planos de incentivos à luz da jurisprudência trabalhista brasileira que, ao que nos parece, caminha no sentido de considerá-las inválidas.
Autores: Rodrigo Seiko Takano sócio da área trabalhista do Machado Meyer.
Murilo Caldeira Germiniani advogado da área trabalhista do Machado Meyer.