Autor: Augusto Fauvel de Moraes (*)
Criadas com a finalidade de combater infrações puníveis com pena de perdimento, em especial a Interposição Fraudulenta e Subfaturamento, as Instruções Normativas 228/2012 e 1169/2011 são responsáveis por tirar o sono dos importadores, pois de forma sumaria interrompem o desembaraço aduaneiro e após envio de longas intimações fazem a retenção das mercadorias que podem demorar mais de 180 dias fiscalizando a empresa (IN 228) ou a carga (IN 1169), trazendo danos irreparáveis aos importadores que são privados de suas mercadorias e na grande maioria dos casos são obrigados a buscar no judiciário a devida tutela jurisdicional para ver liberadas as mercadorias.
Em que pese o poder/dever de fiscalizar, e a legitimidade relativa de criar normas para regulamentar as atividades aduaneiras, a Receita Federal do Brasil RFB deve pautar-se sempre pelo princípio da legalidade, pois tem atividade estritamente vinculada, não podendo furtar-se da devida motivação do ato administrativo, especialmente quando inicia o procedimento especial de fiscalização.
Sabemos que uma retenção indevida traz grandes prejuízos como pagamentos com armazenagem, demurrage e, multas contratuais.
Muitas vezes com fiscalizações sem a devida motivação e/ou motivação genérica, a RFB se limita tão somente a informar que o procedimento tem como finalidade apurar eventual conduta punível com pena de perdimento.
No entanto, uma atividade vinculada e regida pelo princípio da legalidade, não deve ser assim. Para ser válido, o procedimento especial de fiscalização deve pautar-se sempre indicando a real necessidade da fiscalização, apontando de forma expressa o que motivou o procedimento, com dados precisos e não aleatórios.
No novo regramento previsto na Instrução Normativa IN 1678, de 22 de Dezembro de 2016, a RFB buscou sanar algumas lacunas e atualizar seus procedimentos.
Inicialmente a nova IN 1678/2016 deixa claro que o foco da IN 228/2012 é a fiscalização da empresa que apresente indícios de interposição fraudulenta, ou seja, os casos em que haja manifesta incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior com a capacidade econômica e financeira (origem licita dos recursos empregados).
Veja que na alteração do art. 3 da IN 228 fica claro e obrigatório não a motivação genérica até então usada em muitos casos, mas sim a motivação específica, tendo a Autoridade Aduaneira o dever legal de listar de forma clara e expressa no termo de início e ciência as possíveis irregularidades que motivaram a instauração, sob pena de nulidade dos atos praticados, podendo inclusive a Autoridade Aduaneira responsável responder pessoalmente por eventuais danos causados ao importador por retenção indevida e desvio de finalidade/poder do ato administrativo que culminar no procedimento e apreensão das mercadorias.
Importante alertar que motiva também o início do procedimento, empresas que deixam de prestar suas declarações fiscais cuja finalidade possa prejudicar a análise de sua capacidade financeira.
Dentre as inovações trazidas, chama a atenção o inciso I do art. 4 da IN 228/2012 atualizado pela IN 1678/2016 que obriga o comparecimento do sócio com poder de gerência perante a autoridade aduaneira. Ao que nos parece, tal providência descabida visa provar o efetivo funcionamento e que não se trata de “laranja”. Em que pese a finalidade da nova medida, data máxima vênia, entendo que esta obrigatoriedade extrapola os limites e cria obrigação ilegal e, desproporcional, pois existem outros meios de provar o efetivo funcionamento e não pode o sócio ser obrigado a deixar seus afazeres a bel prazer do fisco que quer exigir seu comparecimento à repartição sempre que lhe for fiscalizado.
Mas veja que as inovações trazem boas noticias também. No caso de liberação mediante caução, o art. 7 da IN 228/2012 foi atualizado regulamentando o uso da garantia mediante fiança bancaria e seguro em favor da União.
Quanto aos prazos permanecem os mesmos, que entendo ferir a razoabilidade e proporcionalidade ante a celeridade que as atividades aduaneiras necessitam, e grandes prejuízos com altos custos de armazenagem e demurrage ocasionados pelas retenções.
Outro ponto que merece debates é o parágrafo primeiro do art. 9 da IN 228/2002 alterado pela IN 1678/2016 quando diz:
“O prazo referido no caput terá sua contagem iniciada na data em que as importações da empresa começarem a ser direcionadas para o canal cinza de conferência aduaneira por força do procedimento especial em curso, caso essa data seja anterior â ciência do termo de inicio”.
Ora, sabemos que tal direcionamento ao canal cinza é absurdo e indevido.
Essa seleção automática pode causar efeitos nefastos à atividade da empresa, tendo em vista que, na melhor das hipóteses, uma vez instaurado o procedimento administrativo, este poderá ter duração de 90 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, tendo apenas o importador a possibilidade de liberar suas mercadorias mediante caução conforme já comentado.
O prazo supramencionado nem sempre é respeitado pela autoridade aduaneira, causando ainda mais danos ao desenvolvimento da atividade da empresa importadora.
Todavia, entendemos que cada DI deve ser processada de forma individualizada, de modo que a eventual seleção para o canal cinza não impeça que futura importação seja parametrizada para outro canal.
Ainda, tem-se que a parametrização automática para o canal cinza representa violação ao devido processo legal, bem como fere princípios constitucionalmente garantidos como o da motivação, razoabilidade e proporcionalidade. A conduta abusiva viola o direito de propriedade sobre as mercadorias que foram importadas para o livre desenvolvimento das atividades da empresa.
Na decisão em sede de Agravo de Instrumento 2008.01.00.064121-6, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região se pronunciou vedando tal prática bem como o TRF-4 no processo n.º 5002398-62.2010.404.7200, de 19/09/2012).
Também nos deparamos no art. 11 da IN 228/2002 alterado pela IN 1678/2016 a cumulação da pena de perdimento com pena de multa e ainda a declaração de inaptidão do CNPJ.
Neste aspecto, muita atenção, pois não se justifica a imposição da pena de suspensão ou inaptidão do CNPJ (art. 33 e art. 34 da IN SRF nº 748/2007), em desfavor de empresa regularmente constituída e em plena atividade comercial já há certo tempo, realizando operações, até onde consta perfeitamente lícitas e regulares, que não pode ser “equiparada” – e assim tratada – a empresa “inexistente de fato”, em razão, unicamente, de uma suposta omissão de rendimentos. (AC 0019989-31.2008.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal LUCIANO TOLENTINO AMARAL, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.395 de 01/02/2013).
Vale ressaltar que após a entrada em vigor da Lei 11.488/2007, que, em seu art. 33, tipificou a conduta de cessão de nome a terceiro, a penalidade de suspensão e/ou inaptidão do CNPJ somente se aplica a empresas “de fachada”, “fantasmas” ou, ainda, irregulares (“meramente de fato”). (AC 0019989-31.2008.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal LUCIANO TOLENTINO AMARAL, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.395 de 01/02/2013).
Em relação a IN 1169/2011, temos como relevante a alteração trazida em seu art. 5-a que autoriza expressamente o desembaraço mediante caução das mercadorias antes do término do procedimento especial de controle.
Tal providência, que já havia sido objeto de discussão judicial, pois a IN 1169 não previa esta possibilidade, será equivalente ao preço da mercadoria apurado com base nos procedimentos previstos no art. 88 da Medida Provisória 2158-35 de 24 de Agosto de 2001, acrescidos do frete e seguro internacional e será fixada pela Autoridade Aduaneira após expresso requerimento do interessado no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar do protocolo do pedido do Importador.
Referida garantia, poderá ser prestada em moeda corrente, fiança bancária ou seguro.
Por fim, muita atenção às novas regras e procedimentos adotados pela RFB a partir de 23/02/2017 através da IN 1678/2016, devendo o Importador sempre buscar a devida tutela jurisdicional quando se deparar com ilegalidades e abusos da fiscalização bem como a devida reparação por danos nos casos de dolo e má fé da autoridade aduaneira que deixar de emanar ato vinculado e atrelado a devida legalidade.
Autor: Augusto Fauvel de Moraesé advogado, sócio do escritório Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados. Presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-SP.