Entendimentos nos TJs e STJ sobre quebra de travas bancárias causam insegurança

Autor: Mauro Teixeira de Faria (*)

 

Não é de hoje, como se sabe, que se discute a liberação de recebíveis dados em garantia fiduciária, no contexto de operações de financiamento bancário às empresas em recuperação judicial. Tem-se como novidade, no entanto, uma aparente sinalização da mudança de entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca do tema, cuja jurisprudência das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial costuma orientar a prática em torno dos instrumentos de insolvência em todo o País.

Naquele tribunal, recentemente e sem maiores destaques, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial apresentou entendimento diverso ao da própria Turma Julgadora (Agravo de Instrumento 2080926-46.2014.8.26.0000, de relatoria do desembargador Ricardo Negrão, por exemplo) ao garantir, em sede cautelar, a liberação de recebíveis em favor de empresas em recuperação judicial, por ocasião dos julgamentos dos agravos de instrumento 2077712-76.2016.8.26.0000 e 2081702-75.2016.8.26.0000 (ambos julgados sob relatoria do desembargador Carlos Alberto Garbi, com participação dos desembargadores Caio Marcelo Mendes de Oliveira e Fabio Tabosa).

Foi entendido, na hipótese, “que a retirada, neste momento, de todos os recursos disponíveis pelas instituições financeiras, poderá inviabilizar o soerguimento das agravadas, principal objetivo do pedido de recuperação” e os julgamentos acabaram por confirmar decisões proferidas pelos Juízos de origem que determinaram a liberação de recebíveis retidos no percentual de 30%.

Essas decisões assumem papel muito importante, não só pela sinalização da mudança de entendimento na 2ª Câmara, mas por terem sido proferidas no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual costuma-se afirmar que o pedido de liberação de recebíveis não encontra qualquer sorte (são inúmeros precedentes, dentre os quais, por exemplo, Agravo de Instrumento 2018142-33.2014.8.26.0000, de relatoria do desembargador Teixeira Leite).

A esse respeito, pode-se dizer que o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro encontra-se consolidado, sendo encontrados diversos precedentes favoráveis aos pedidos de quebra da trava bancária, assim como é possível encontrar precedentes nos Tribunais de Justiça de Goiás e Mato Grosso do Sul. A questão que se coloca é a seguinte: por que os tribunais estaduais ainda liberam recebíveis em favor das empresas em recuperação judicial, contrariando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça?

Após intensas discussões a respeito do pedido de quebra de travas, pode-se afirmar que o STJ firmou entendimento no sentido de que as instituições financeiras, em caso de ajuizamento de recuperação judicial da devedora, podem efetuar a amortização da dívida utilizando os recebíveis depositados em contas vinculadas às operações de financiamento (Mandado de Segurança 41.646/PA, de relatoria do ministro Antônio Carlos Ferreira, dentre outros).

Esse entendimento prestigia a redação do parágrafo 3º do artigo 49 da Lei 11.101/2005, que afirma que o crédito devido ao credor proprietário do título que constitui o recebível cedido fiduciariamente não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, ou seja, considera-se que os acórdãos estaduais que liberam recebíveis em favor das empresas em recuperação judicial contrariam frontalmente o dispositivo legal.

Enquanto o STJ acerta na interpretação do dispositivo legal e a prestigia, os tribunais estaduais acabam adotando contexto mais amplo no que diz respeito à interpretação da Lei 11.101/2005, muito provavelmente por estarem mais próximos às angústias da empresa devedora, das peculiaridades do caso concreto e das necessidades da empresa em dificuldade. O acerto, nesse aspecto, diz respeito ao fato de que o entendimento vai ao encontro dos princípios previstos em Lei.

É nesse contexto que, acredita-se, pautam-se as decisões dos tribunais estaduais em favor da liberação dos recebíveis. Os julgadores, diante da hipótese concreta e partindo de estrita análise do caso concreto e da necessidade de liberação para o próprio soerguimento da empresa em recuperação judicial, acabam por muitas vezes adotando a liberação como medida concreta para o fim máximo pretendido pela lei.

Conforme ensina o professor Manoel Justino, essa hipótese, de liberação não automática, mas casuística, “poderia conduzir a bom caminho, no sentido de permitir decisão por parte do juiz da recuperação que, se entendesse que os valores eram essenciais à recuperação, poderia liberar parte do numerário em favor do banco credor e parte em favor do recuperando. O sistema passaria a funcionar, aproximadamente como ocorre quando há penhora de porcentagem do faturamento, cuidado que os juízes tomam já há muito tempo, para evitar o esvaziamento de empresas devedoras em execução singular.”

Sem que se adentre muito na discussão sobre o acerto de determinada posição, uma conclusão indiscutível pode ser extraída a respeito desse breve panorama: a indefinição sobre o tema causa, lógica e perceptivelmente, insegurança jurídica para devedores, credores, instituições financeiras e demais interessados.

Aos devedores em recuperação judicial, interessaria a integral revogação da exceção prevista no parágrafo 3º do artigo 49, logicamente. Por outro lado, se a manutenção do conteúdo deste dispositivo legal beneficia os credores, em especial às instituições financeiras, mais uma vez, a indefinição sobre o tema e a constante tentativa de os devedores se libertarem da trava bancária em nada contribui com o bom funcionamento do mercado de crédito, o que, ao final, atinge a todos.

Cabe, portanto, a verificação de uma solução que atenda não a esse ou aquele stakeholder, mas aos próprios interesses da legislação. Pode-se, apenas como meras sugestões, cogitar-se na sujeição dos créditos garantidos por alienação fiduciária à recuperação judicial, mas de forma privilegiada ou, por que não, em hipóteses específicas de liberação parcial dos recebíveis, não de forma automática, mas devidamente calculada quanto à necessidade da devedora e desde que atendidos determinados requisitos (demonstração da necessidade com base no fluxo de caixa projetado e verificado pelo administrador judicial ou perito).

Seja como for, a questão urge por definição.

 

 

 

 

Autor: Mauro Teixeira de Faria é advogado com especialização em recuperação judicial e extrajudicial de empresas, mestrando de Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sócio de Galdino, Coelho e Mendes Advogados.


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