Entes públicos podem e devem resolver conflitos tributários por autocomposição

Autora: Cleide Regina Furlani Pompermaier (*)

 

A solução de conflitos tributários via autocomposição é um tema sempre tortuoso e faz lembrar os conhecidos Refis/ES da vida. Não há que se confundir, entretanto, um instituto com o outro, sendo este último bem mais limitado que o primeiro.

A forma consensual de dirimir tumultos na área tributária é uma possibilidade real que deve ser aplicada na prática e está intimamente ligada com o princípio da desburocratização, que nada mais é do que o encurtar caminhos para se chegar a um objetivo. Na esfera municipal, essa burocracia é ainda mais evidente, considerando que é nesse espaço geográfico “onde tudo acontece”.

O instituto da autocomposição está autorizado nas mais modernas legislações brasileiras (Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública e Lei 13.105/15, do Código de Processo Civil).

Faz-se necessário desfazer o mito de que a indisponibilidade do interesse público e, consequentemente, do tributo devem impedir acordos realizados pelos entes públicos. O acordo pode e deve ser feito desde que, obviamente, respeitadas regras claras estabelecidas em lei municipal e em consonância com a Constituição Federal.

Não se discute que a margem de liberdade para a realização de acordos pelo poder público é menor do que a existente para o setor privado; entrementes, tal rigor é abrandado a partir do momento que se tem a prévia autorização legislativa, dando poderes a membro da advocacia pública para transigir, devendo essa mesma lei dispor no sentido de que todo o acordo realizado administrativamente tenha a ouvida do Ministério Público e homologação do Poder Judiciário Estadual.

A autocomposição é um instrumento inspirado nos princípios da boa-fé, celeridade, eficiência e da colaboração, tratando-se de um meio alternativo de solução de conflitos, podendo ocorrer dentro ou fora do âmbito judicial. A autocomposição pode se dar tanto com a participação de terceiros que auxiliem nesse processo ou sem interferência de um conciliador. Ou seja, a composição pode se dar diretamente entre o contribuinte e o poder público.

O conceito do mecanismo da autocomposição é simples e pode ser encontrado na enciclopédia livre como sendo “um método de resolução de conflitos entre pessoas e consiste em: um dos indivíduos, ou ambos, criam uma solução para atender os interesses deles, chegando a um acordo. Isso pode ser realizado por meio de criação e/ou de divisão de valores, podendo-se fazer, ou não, um ajuste de vontades entre as partes. Pode haver a participação de terceiros (conciliador ou mediador) ou não (negociação e evitação de conflito)”.

Na Itália, o Decreto Legislativo 156/2015 ampliou o âmbito de aplicação dos métodos de autocomposição, aplicando-se, inclusive aos tributos municipais, antes não abrangidos por conta da aproximação entre o Governante e os Governados, cabendo frisar que lá, a proposta é analisada, obrigatoriamente, por um órgão diverso daquele que constituiu o crédito tributário.

No Brasil, seguindo a linha italiana, caberá aos procuradores municipais, por meio de criação de câmaras especializadas, a instituição de condições para que matérias já pacificadas e demandas repetitivas, por exemplo, possam ser objeto de autocomposição, prevenindo e reduzindo o número de demandas que chegam ao Poder Judiciário.

Muito importante esclarecer que serão necessários elementos de controle para a análise dos acordos feitos pelos entes públicos, no sentido de que aja um fechamento dos trabalhos para fins de estatística, inclusive do Judiciário e, ademais para o atingimento dos principais objetivos do projeto, que é o exame da proposta para consentir um final à controvérsia, evitando-se um inútil e dispendioso contencioso.

Podemos destacar alguns tópicos e básicos para a para a sua realização:

  • existência de ato normativo (lei municipal), a fim de que se cumpram os princípios da publicidade e, especialmente, da impessoalidade (artigo 37, da Constituição Federal), se o tributo for municipal, que é base de nossa abordagem;
  • dar um valor limite para a possibilidade de se fazer a autocomposição e outras modalidades de solução de conflitos. O valor limite é importante, considerando que a maioria das ações que tramitam na Justiça estadual de Santa Catarina (Varas de Fazenda), por exemplo, não alcançam a quantia de R$ 50 mil;
  • delinear na lei municipal que o objetivo da autocomposição é descongestionar ao máximo o contencioso tributário, seja o administrativo como o judicial;
  • a lei municipal deverá dizer quem é a autoridade para transacionar, que em nosso entender, é do procurador municipal;
  • nesse diapasão, o acordo será realizado por meio de Câmara de Transação e Conciliação – CTC, a qual será composta por procuradores do município efetivos, aos quais caberá à apreciação e deliberação acerca da admissibilidade de proposta, observados, evidentemente, os critérios criados pela lei municipal;
  • a lei municipal poderá limitar o acordo, dizendo que o mesmo pode ocorrer apenas uma vez;
  • a parte que aceitar a autocomposição renuncia ao direito sobre o qual se fundamenta a ação ou o recurso, eventualmente pendente, de natureza administrativa ou judicial.
  • a lei municipal deverá apontar critérios para poder fazer a conciliação: histórico fiscal, a forma de cumprimento das obrigações tributárias, a adoção de critérios de boa governança e a situação econômica do contribuinte;
  • o consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público;
  • a autocomposição pode ocorrer tanto no âmbito judicial como também extrajudicialmente, sempre com a ouvida do Ministério Público e homologação pelo Poder Judiciário;
  • na proposta de autocomposição a ser formulada pelo sujeito passivo devem ser expostas todas as razões de fato e de direito pelo qual o sujeito passivo tem direito à autocomposição, devendo juntar prova de atendimento a todos os requisitos e às condições estabelecidos pela lei municipal;
  • no acordo celebrado diretamente pela parte ou por intermédio de procurador para extinguir processo judicial, as partes poderão definir a responsabilidade de cada uma pelo pagamento dos honorários dos respectivos advogados;
  • em obediência ao sigilo fiscal toda e qualquer informação relativa ao procedimento referente à autocomposição deverá ser confidencial em relação a terceiros;
  • o acordo poderá ser reduzido a termo e constituirá título executivo extrajudicial;
  • a lei pode dispor nos casos de parcelamento que a autocomposição não se aperfeiçoa com o pagamento da primeira parcela, mas somente o pagamento total do valor acordado.

Enfim, a autocomposição é um mecanismo que está aí para ser aplicado, inclusive, na esfera pública e em matéria tributária, mormente a municipal, em que as estruturas materiais encontram-se cada vez mais inapropriadas e ultrapassadas. A medida também se faz necessária para descongestionar as Varas da Fazenda do Poder Judiciário estadual, garantindo, assim, acesso à Justiça ao cidadão, lembrando, finalmente, que o atual cenário macroeconômico pede tal interferência como medida salutar à economia dos municípios.

 

 

 

 

Autora: Cleide Regina Furlani Pompermaier   é procuradora do município de Blumenau (SC), membro do Conselho Municipal de Contribuintes, especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora universitária de Direito Tributário.


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