Autores: Cristiano Aguiar de Oliveira e Eduardo Pontual Ribeiro (*)
O órgão antitruste nacional, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), está em vias de julgar um caso que pode impactar de modo significativo o mercado de informações de crédito e o de crédito propriamente dito. Está em processo de avaliação a criação da Gestora de Inteligência de Crédito ou GIC, uma joint venture fornecedora de informações de crédito reunindo os maiores bancos do país — Banco Bradesco, Banco do Brasil, Banco Santander, Caixa Econômica Federal e Itaú Unibanco. Essa empresa se juntaria ao mercado de bureaus de crédito, hoje ocupado pelo Serasa/Experian, SCPC/Boavista/Equifax e SPC. Embora todo acréscimo de competição deva sempre ser visto com bons olhos, a verticalização neste setor, ou seja, o controle de um competidor no mercado de informações de crédito por um banco, merece a atenção da sociedade e a devida cautela por parte dos reguladores.
As informações fornecidas por um bureau de crédito são insumos indispensáveis para a concessão de crédito. Elas podem incluir aspectos negativos do cliente, tais como o histórico de atrasos em pagamentos e/ou inadimplemento, assim como incluir aspectos positivos do cliente, como histórico de crédito e de pagamentos feitos com pontualidade. Informações positivas geralmente são utilizadas na construção de modelos do tipo escore de crédito, que permitem a estimativa de capacidade de endividamento, risco, limites e prazos de crédito. As informações negativas já são corriqueiras no Brasil. Mas apenas recentemente informações positivas, conhecidas como Cadastro Positivo, passaram a ser disseminadas.
O acesso e utilização de informações de crédito positivas foram regulamentados, após extensos debates com entidades financeiras, de defesa do consumidor e a sociedade, através da Lei 12.414/2011 e regulação posterior. Todavia até o momento esse Cadastro Positivo não deslanchou, com adesão muito pequena de clientes do setor financeiro.
Do ponto de vista dos consumidores, o melhor cenário é aquele em que se possui maior acesso ao crédito a um custo menor. Para isso, competição faz-se necessária entre as instituições que fornecem crédito. Tal competição depende fundamentalmente do acesso a informações a respeito dos clientes, dentro dos requisitos de sigilo bancário. Bureaus de crédito exercem bem este papel, criando informação relevante para o crédito de forma segura e independente das instituições financeiras, como na experiência internacional (revista em parecer elaborado pelos autores a pedido de SCPC/Boa Vista/Equifax).
Os bancos possuem interesses e incentivos bastante distintos sobre as informações de crédito. Há incentivo para disseminar informações negativas para reduzir a inadimplência de uma forma geral, pois a negativação tem um efeito disciplinador para os pagamentos. Mas não há incentivo claro em repartir informações do histórico de crédito de seu cliente. Assim como há grandes esforços de manter o cliente bancário dentro de sua empresa, minimizando portabilidade de crédito e outras possibilidades, conhecer o seu cliente bancário dá uma grande vantagem ao banco no que se refere às condições de fornecimento de crédito a este cliente. O compartilhamento de informações positivas implica abrir mão dos ganhos que possuem ao reter as informações privilegiadas a respeito de seus correntistas. Por esta razão, não surpreende que o Cadastro Positivo não tenha gerado o compartilhamento de informações positivas em escala suficiente para gerar mudanças significativas no mercado de crédito — que se refletiriam em taxas de juro menores para os bons pagadores.
Ademais, é evidente que os ganhos de potenciais entrantes no mercado de crédito, tais como as instituições associadas à tecnologia de empréstimos por aplicativos, a partir da existência de um amplo Cadastro Positivo, são superiores aos ganhos obtidos pelas grandes instituições de crédito estabelecidas, como os grandes bancos. Assim, o compartilhamento de informações positivas, embora desejável do ponto de vista social, só é interessante para os grandes bancos quando o seu mercado é protegido de alguma forma que dificulte a entrada de novos concorrentes.
A criação de um bureau de crédito sob o controle dos bancos pode ser uma forma de manter o status quo, com ao menos dois efeitos indesejáveis. O primeiro é no próprio mercado de informações de crédito. Neste setor, o comprador (instituição de crédito) também é um fornecedor de insumos (informações). A ausência dos principais fornecedores de crédito em sua carteira de clientes pode inviabilizar economicamente os bureaus decréditoexistentes e criar um monopólio no setor. O segundo efeito é no mercado de crédito. A consolidação de informações positivas numa joint venture dos maiores bancos cria a possibilidade de compensar uma perda de negócios de um menor acesso das informações da GIC a concorrentes bancários com o ganho de uma menor competição no mercado de crédito, servindo assim como instrumento de barreira à entrada no mercado de crédito.
Pelas razões expostas, cabe alertar a sociedade e os reguladores de que a entrada de uma empresa controlada pelos maiores bancos do país no setor de bureaus de crédito pode representar um retrocesso institucional que pode conduzir a um fechamento do mercado de informações de crédito como o conhecemos hoje, isto é, de informações negativas, com a possível exclusão dos concorrentes da GIC, e inviabilizar definitivamente o desenvolvimento do Cadastro Positivo, com a consequente redução da concorrência no mercado de crédito e o associado maior volume de crédito a custo mais baixo, algo que infelizmente está longe da realidade atual dos brasileiros e que, com a criação do bureau dos bancos, encontra-se sob ameaça.
Autor: Cristiano Aguiar de Oliveira é professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Eduardo Pontual Ribeiro é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).