ENTREGA VIGIADA

Damásio de Jesus (tradução e notas)

“A ‘entrega vigiada’ é uma nova forma de investigação na luta contra a narcocriminalidade, que consiste no tráfico de uma remessa de entorpecentes entre dois ou mais países. Como ressaltamos nos capítulos anteriores, o narcotráfico é um fenômeno internacional que não respeita fronteiras, razão pela qual um carregamento de entorpecentes pode transitar por dois ou mais países, já que essas organizações criminosas têm representantes em cada um dos Estados por onde circula a droga. Em face desta situação, questiona-se o fato de que, ao ser interceptada a remessa do entorpecente no país pelo qual circula, corre-se um sério risco de não ser possível identificar e deter os destinatários desse carregamento.

Por meio das entregas controladas, não apenas poderão ser identificados e detidos os membros da organização que transportam a remessa através de determinado país, mas também identificados e apreendidos os outros membros da organização criminosa que recebem o carregamento, de forma a desbaratar totalmente a organização que se dedica à narcocriminalidade.

A entrega vigiada pode ser definida como uma técnica de investigação pela qual a autoridade judicial permite que um carregamento de entorpecentes enviado ocultamente em qualquer tipo de transporte possa chegar ao seu destino sem ser interceptado, a fim de se poder identificar o remetente, o destinatário e os demais participantes dessa manobra criminosa [2] .

O objetivo dessa forma de investigação é permitir que todos os integrantes da rede de narcotraficantes sejam identificados e presos. Além disso, garantir maior eficiência na investigação, pois, quando a remessa da droga é interceptada antes de chegar ao seu destino, ignora-se quem é o destinatário ou, mesmo que ele seja conhecido, não pode ser incriminado.

A entrega vigiada torna-se uma verdadeira exceção ao princípio de que toda autoridade que tem conhecimento de um delito no exercício de suas funções deve denunciá-lo e persegui-lo. Por uma questão de política criminal, considera-se mais conveniente não interceptar imediatamente esse carregamento de droga para conseguir um resultado mais positivo, ou seja, o desbaratamento de toda a organização criminosa.

Essa técnica de investigação pressupõe a existência de uma efetiva cooperação internacional na repressão ao tráfico ilícito, pois a entrega vigiada implica, no mínimo, a participação de dois Estados, aquele de onde é remetido o entorpecente e aquele que o recebe. Por isso, a legislação de ambos os países deve levar em conta a possibilidade de aplicar a entrega vigiada ou controlada, para que a remessa que sai de um país seja apreendida pelo país de destino e se proceda à detenção dos destinatários e participantes do referido envio.

Caso não ocorra essa cooperação internacional, torna-se inaplicável a entrega vigiada, pois se o país de destino não perseguir criminalmente os destinatários da remessa, não tem sentido a saída do entorpecente do país de origem. Além disso, a entrega vigiada é complementada com outra técnica de investigação, a atuação do agente encoberto (oculto) [3] , já que este, infiltrado na organização criminosa, pode fornecer a informação necessária sobre o envio de um carregamento, o lugar pelo qual transitará, o meio de transporte utilizado e o lugar de destino. Para garantir o sucesso da investigação, portanto, será conveniente combinar a atuação do agente encoberto com a entrega vigiada.”

[1] Tradução de excerto da obra El arrependido, el agente encubierto y la entrega vigilada, de CARLOS ENRIQUE EDWARDS, Buenos Aires, Ad-Hoc, 1996, ps. 107 e 108, n. 1.

[2] A “entrega vigiada” não era prevista em nossa legislação, que só admitia a “ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas” (art. 1.º, II, da Lei do Crime Organizado, Lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995, alterada pela Lei n. 10.217, de 11 de abril de 2001). Foi, contudo, prevista no art. 33, II, da Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que alterou a Lei Antitóxicos (Lei n. 6.368/76):

Art. 33. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos na Lei n.° 9.034, de 3 de maio de 1995, mediante autorização judicial, e ouvido o representante do Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

(…) II – a não-atuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que entrem no território brasileiro, dele saiam ou nele transitem, com a finalidade de, em colaboração ou não com outros países, identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

[3] O art. 2.º, V, da Lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995, com redação da Lei n. 10.217, de 11 de abril de 2001, prevê a “infiltração por agentes de polícia ou de inteligência”, referindo-se a organizações criminosas.

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