Autores: Luiz Henrique Volpe Camargo, Ricardo de Carvalho Aprigliano e Georges Abboud (*)
Nos dias 24 e 25 de agosto, sob a coordenação-geral do ministro Mauro Campbell Marques e coordenação científica geral do ministro Raul Araújo, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional da Justiça Federal realizaram a I Jornada de Direito Processual Civil.
Nesse evento de notável organização e qualidade técnica, a Comissão da Parte Geral, presidida pela ministra Nancy Andrighi e coordenada pelos professores Nelson Nery Júnior e José Miguel Garcia Medina, foi conclamada a apreciar enunciado proposto, dentre outros, pela Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) que tinha o propósito de expressar que, no âmbito dos juizados especiais, os prazos processuais devem ser contatos em dias úteis, em respeito à regra do artigo 219 do CPC.
Na ocasião, juntamente com outros participantes do evento, tivemos a oportunidade de defender a ideia do enunciado que acabou, por mais de 2/3 dos presentes, sendo aprovada tanto na comissão quanto, depois, na plenária, onde, sob a condução do ministro Mauro Campbell Marques, votaram mais de 200 estudiosos do processo civil, membros dos mais variados segmentos do sistema brasileiro de Justiça, oriundos de diversas partes do país.
Na oportunidade, fruto da fusão das ideias dos participantes condensadas pelos coordenadores da comissão, ficou aprovado que: “O prazo em dias úteis, previsto no art. 219 do CPC/2015, aplica-se também aos procedimentos regidos pelas Leis n.º 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009”.
Tal aprovação merece aplausos e deve colocar pá de cal na lamentável situação de insegurança jurídica que se instalou Brasil afora sobre o assunto.
A situação de incerteza sobre objeto tão sério e que diz respeito direto à tramitação de milhares de processos vem causando prejuízos aos jurisdicionados e problemas ao funcionamento de escritórios de advocacia, bem como aos membros da advocacia pública, com a imposição da responsabilidade de controle de dois regimes diversos na contagem de prazos: um em dias corridos, para os processos dos juizados, e outro em dias úteis, para os processos da Justiça comum.
Até esse pronunciamento da I Jornada de Direito Processual Civil, no âmbito dos juizados especiais, a questão era orientada por enunciados contraditórios de agrupamentos da magistratura. É que enquanto, de um lado, o Enunciado 165 do Fonaje (Fórum Nacional dos Juizados Especiais) diz que “nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua”, de outro, o Enunciado 45 da Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) estabelece que “a contagem dos prazos em dias úteis aplica-se ao sistema dos juizados especiais”, e o Enunciado 175 do Fonajef (Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais) dispõe que, “por falta de previsão legal específica nas leis que tratam dos juizados especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem dos prazos em dias úteis (CPC/2015, art. 219)”.
A razão está com o texto consolidado na I Jornada de Direito Processual Civil do Superior Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional da Justiça Federal, na esteira do que a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e o Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais também definiram.
Nenhum dos dispositivos das três leis que regem o sistema dos juizados especiais regula a forma de contagem de prazos. Diante desse cenário, não cabe ao juiz impor a contagem de prazos em dias corridos, criando a regra como se fosse legislador. Não é demais lembrar que, diferentemente do que acontece noutros países, no Brasil o juiz somente pode decidir por “equidade nos casos previstos em lei” (CPC, parágrafo único do artigo 140). Esse problema, aliás, está na base dos fenômenos de insegurança jurídica e imprevisibilidade que tanto mal fazem ao nosso sistema de Justiça. É preciso evoluir para soluções uniformes, não discricionárias, padronizar o entendimento acerca de temas de relevância prática e eliminar as incertezas que decorrem da consideração de que cada magistrado (ou juízo, ou colégio recursal) é livre para impor o seu próprio modelo de contagem de prazos.
A chave da questão está no parágrafo 2º do 1.046 do CPC, que diz que “permanecem em vigor as disposições especiais reguladas por outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”, o que significa dizer que as lacunas das leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009 devem ser preenchidas pelas disposições do processo civil comum.
Por isso, é a Lei Federal 13.105, de 2015, que tem “efeito imediato e geral” (artigo 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro) e a qual cabe ao juiz “cumprir e fazer cumprir… com exatidão” (inciso I do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura), que deve disciplinar a questão.
Assim, em respeito ao princípio da legalidade (artigo 5º, II, da CF), naturalmente não é possível utilizar a forma de contagem em dias corridos prevista tão somente no Código revogado (artigo 178 da Lei Federal 5.869, de 1973), em detrimento do texto claro, expresso, cogente, do código em vigor (artigo 219 da Lei Federal 13.105, de 2015), que estabelece que no cômputo do prazo devem ser considerados apenas os dias úteis.
Nem mesmo a invocação do princípio da celeridade (artigo 2º da Lei 9.099/95) para afastar a regra do artigo 219 do CPC nos juizados especiais é justificável, porque a alegação de que a contagem de prazos em dias úteis produz morosidade carece de comprovação por dados empíricos. Outrossim, a celeridade não pode ser critério normativo para invalidar a legalidade, isonomia e a segurança jurídica que impõe a observância do critério de dias úteis para contagem de prazo, tal qual estabelece a lei federal.
A Lei Federal 9.099/95, ao delimitar a data da audiência de instrução como termo final para a apresentação da contestação, restringe-se a prever os seguintes possíveis prazos para as partes: cinco dias para embargos de declaração (artigo 49) e mais cinco dias para a resposta (CPC, parágrafo 2º do artigo 1023); 10 dias para o recurso inominado (caput do artigo 42) e mais 10 dias para contrarrazões ao recurso inominado (parágrafo 2º do artigo 42).
Assim, no processo onde houver embargos de declaração, contrarrazões aos embargos de declaração, recurso inominado, contrarrazões ao recurso inominado, o tempo total de prazo em curso será de 40 dias (5+5+10+10). Se esses 40 dias forem computados em dias úteis, haverá um incremento, no máximo, de cinco finais de semana, ou seja, os 40 dias úteis corresponderão a 50 dias corridos.
Aí vem a pergunta: esses 10 dias a mais que os advogados terão para cumprir os prazos processuais são capazes de desprestigiar o princípio da celeridade que orienta os juizados especiais? A resposta, evidentemente, é negativa.
O relatório[1] Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça divulgado em 2016, que teve por ano-base 2015, ao tempo em que vigorava o CPC/1973 e os prazos fluíam em dias corridos, demostra que, em média, no Brasil, o tempo de duração da fase de conhecimento de um processo nos juizados especiais estaduais é de 2 anos e 2 meses:
O mesmo relatório ainda demonstra que o tempo médio para a prolação de sentença na fase de conhecimento nos juizados especiais estaduais é de nove meses:
Tudo isso está a revelar que a duração dos processos nos juizados especiais não é impactada pela forma de contagem de prazos — se em dias úteis ou em dias corridos —, mas, sim, pelo chamado tempo de prateleira, isto é, o tempo que o processo, por razões que não cabe investigar neste pequeno texto, aguarda o impulso oficial.
Disso resulta que a contagem de prazos em dias úteis apenas proporcionará a troca do lugar onde o processo aguardará seu desfecho: em vez de ficar 10 dias nas prateleiras do juizado, ficará por esse tempo à disposição dos advogados das partes para o cumprimento dos prazos processuais com maior qualidade.
Importante ainda destacar que a observância do critério de dias úteis, além de beneficiar a segurança jurídica, isonomia e melhorar as condições para o exercício da advocacia, para usarmos a feliz expressão de Jeremy Waldron, confere dignidade à legislação, mais especificamente à lei federal, contribuindo para assegurar força normativa ao CPC em sua integridade, impedindo sua aplicação seletiva em relação aos seus dispositivos que asseguram as garantias do jurisdicionado, por exemplo, parágrafo 1º do artigo 489 do CPC.
Diante do amadurecimento da questão e do pronunciamento substancialmente importante da I Jornada de Direito Processual Civil, é chegado o momento de, em respeito à legalidade, segurança jurídica e previsibilidade, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais cancelar seu Enunciado 165. Prestará, com isso, um grande serviço ao país.
Autores: Luiz Henrique Volpe Camargo é advogado, professor universitário e secretário-adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual para o Mato Grosso do Sul. Tem mestrado e doutorado em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Ricardo de Carvalho Aprigliano é sócio de Aprigliano Advogados, professor universitário, secretário-geral do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp). Tem mestrado e doutorado em Direito Processual pela USP.
Georges Abboud é advogado e professor de Processo Civil da PUC-SP e do programa de mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF). Tem mestrado e doutorado pela PUC-SP.