'Equilíbrio entre evolução e ambiente passa por leis e educação.'

Flávia Scarpinella Bueno *

O Brasil é detentor de 22% da biodiversidade mundial. Temos a maior floresta tropical, a Amazônica. Temos também o Cerrado, a Mata Atlântica, a Serra do Mar e o Pantanal. Podemos dizer que somos uma verdadeira vitrine da biodiversidade do planeta. Mas essa nossa riqueza vem sendo seriamente ameaçada há muito tempo.

A Mata Atlântica, por exemplo, que originalmente ocupava mais de um milhão de metros quadrados, hoje está reduzida a menos de 7% de seu tamanho original. É certo que observamos um movimento de conscientização pela preservação do meio ambiente nos últimos anos. Mas é ainda muito pouco para evitar a escassez da biodiversidade, reflexo do intenso desenvolvimento mundial.

Precisamos urgentemente buscar o equilíbrio entre a evolução e o meio ambiente. E para isso precisamos ficar atentos a duas questões importantes: educação e legislação ambiental. Sem educar e sem a aplicação de forma correta das leis existentes, a começar por nossa Constituição Federal, corremos o risco de deixar um triste legado para as futuras gerações.

No campo da educação, temos bons exemplos na luta pela preservação da fauna brasileira, por exemplo. O Programa de Conservação do Mico-Leão Dourado existe desde 1971. Iniciativa do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) — organização não-governamental norte americana –, é um dos mais conhecidos trabalhos no campo da conservação da natureza.

O pequeno primata, de pêlo alaranjado e cauda longa, virou símbolo da luta pela preservação das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Exclusivo da Mata Atlântica, foi vítima de traficantes e de constantes desmatamentos. Com o projeto, veio a conscientização. Em 2001, comemorou-se o nascimento do milésimo macaquinho. Mas a espécie somente estará livre da extinção quando a população chegar a dois mil indivíduos. Por isso, o trabalho continua.

O Projeto Tamar, criado em 1980, em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), é outro exemplo. Em seus 23 anos de existência, além de manter vivas milhões de tartarugas marinhas, ameaçadas de extinção, o projeto conseguiu envolver diversos expoentes da sociedade, como universidades, centros de pesquisas, empresas e, principalmente, a comunidade. Quando uma criança ou um adulto visita uma de suas bases, sai de lá comovido, e, com certeza, passará a respeitar, pelo menos neste caso, as tartarugas marinhas.

Citamos alguns exemplos de trabalhos importantes no campo da fauna brasileira, entre tantos outros existentes e atuantes. Mas a biodiversidade não é limitada aos animais. Biodiversidade são as diversas formas de manifestação da vida. Além dos animais, temos as plantas, os microorganismos, os homens e toda a cadeia que se estabelece entre esses seres.

Assim, quando ouvimos diversos organismos levantarem a bandeira pela luta da preservação do meio ambiente, devemos entender que essa luta não é isolada a uma espécie de animal, ser vivo. Ela é muito mais ampla. É uma luta que envolve os direitos e deveres da cidadania, e o governo, no que diz respeito à forma de implementar as leis, portanto deve ter a participação efetiva da sociedade.

A luta pela preservação do meio ambiente foi consolidada durante a Conferência de Estocolmo, em 1972. Foi a primeira vez que governos de diversos países reconheceram que os problemas ambientais são causados por modelos de industrialização e de um crescimento econômico não sustentável. No Brasil, o conceito foi ratificado na nossa Carta Magna, em 1988.

Em seu artigo 225, estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º – para assegurar a efetividade deste direito compete ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”.

Outro marco contemporâneo sobre discussões ambientais aconteceu em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro, conhecida como ECO/92. Representantes de cerca de 175 países assinaram na época a Convenção sobre Diversidade Biológica.

A convenção reconheceu a necessidade de se desenvolver técnicas biotecnológicas, mas sempre utilizando-as como instrumento para compatibilizar conservação com utilização de recursos naturais. A ECO/92 traçou como objetivos principais a busca de conservação da diversidade biológica nos níveis genéticos e ecossistêmicos, a utilização de estratégias para um desenvolvimento sustentável e a partilha eqüitativa dos benefícios derivados dos recursos genéticos, considerando a biodiversidade como pré-requisito de um novo estilo de desenvolvimento econômico e ecologicamente viável.

Depois veio a Lei da Biossegurança (nº 8.974/95), regulamentada pelo Decreto nº 1.752/95, que estabeleceu as normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso de técnicas de engenharia genética na construção, no cultivo, na manipulação, no transporte, na comercialização, no consumo, na liberação e no descarte de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), visando proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como do meio ambiente.

Foi criada, para tanto, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. É uma instância colegiada multidisciplinar composta por especialistas de notório saber científico e técnico, com exercício no segmento de Biotecnologia e Biossegurança, além de representantes dos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente, Educação, Relações Exteriores e Agricultura. Em outras palavras, a CTNBio é responsável por lei pela definição daquilo que faz mal à saúde e à natureza. Mas parece que o atual governo pretende extinguir, talvez por muitas de suas virtudes.

É fato que o Brasil avançou muito desde a Constituição Federal. É considerado um país moderno em termos de legislação ambiental. Mas o grande problema é a falta de seriedade dos governantes e o desrespeito quanto à forma de implementar as leis. Na maioria das vezes, não são leis editadas, mas sim instrumentos infralegais, o que prejudica a credibilidade do cumprimento das regras.

A nossa Carta Magna prevê uma hierarquia formal entre as regras, portanto deve ser respeitada. Edições de Resoluções, Portarias e Medidas Provisórias só fazem com que se instale uma insegurança jurídica. A toda hora, as regras mudam. E não há fiscalização quanto ao cumprimento destas. A leitura comparativa de muitas das regras existentes e esparsas faz com que percebamos a repetição entre elas.

O Poder Legislativo precisa fazer letra viva da Constituição Federal. Se as leis editadas fossem seguidas, seria mais fácil o seu cumprimento e a devida fiscalização. O governo deveria ser o primeiro a dar o exemplo no que diz respeito à educação. Afinal de contas, seguir regras faz parte do processo educacional.

Flávia Scarpinella Bueno é advogada associada do escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados

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