Esperar o trânsito em julgado em respeito à Constituição, simples assim

Autor: Antônio Carlos de Almeida Castro (*)

 

No entanto há alguém que, com suaves mãos, todas as quedas detém.
Rainer Maria Rilke

O Supremo passa por um dos momentos mais tensos da sua história, e a superexposição midiática aprofunda essa tensão. O ativismo judicial está na raiz do problema.

Há uma nítida tendência legislativa na corte por parte de alguns ministros. A discussão sobre a prisão após o julgamento em segunda instância está causando desnecessário desgaste. Quando ajuizamos a Ação Direta de Constitucionalidade 43, no dia 19 de maio de 2016, o tema era puramente de Direito. E discutia uma questão de alta relevância, de índole constitucional: a exata definição do princípio da presunção de inocência e quando seria possível começar a execução da pena privativa de liberdade. A condenação do ex-presidente Lula não fazia parte do objeto da discussão. Por sinal, à época, ele sequer era processado. Temos que resistir a essa mentira fajuta que tem sido propalada de que tudo é contra a operação “lava jato”. Isso é um marketing barato e irresponsável. A discussão sobre a presunção de inocência absolutamente nada tem com a “lava jato”. Quem sustenta o contrário age de má-fé.

A clareza solar, quase óbvia, da leitura do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição quando diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não permite maiores interpretações. Salvo se a corte pudesse legislar. O Supremo pode muito, mas não pode tudo. Nenhum poder pode tudo. Não existe poder absoluto. Há que se respeitar a Constituição.

Esse julgamento interessa a milhares de cidadãos brasileiros sem rosto, sem voz, sem apelo midiático. A maior prova disto foi a admissão como amicus curie, nos autos da ADC 43, de várias instituições respeitáveis que vieram a favor da nossa tese. Especialmente as Defensorias Públicas, com sua credibilidade, a exposição de dados analisados estatisticamente e seus “ clientes” desconhecidos.

A prisão sem culpa formada afronta o texto Constitucional. Simples assim. Infelizmente, com a condenação do ex-presidente Lula, mudaram o rumo da discussão. As ADCs 43 e 44 não se pautaram no julgamento do ex-presidente ou de alguém específico. Tanto que precedem toda esta discussão. É desleal afirmar o contrário.

A natural tensão sobre a hipótese de prisão do ex-presidente desfocou o tema. Seria fundamental que o Plenário julgasse as ADCs antes do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula. Afinal, a decisão que será tomada no julgamento das ADCs 43 e 44, com efeito vinculante, é uma decisão em um processo sem nome, sem rosto na capa. E serve para todos, serve à Justiça e ao Supremo.

Nesses momentos de instabilidade devemos tomar o caminho mais simples, inverter a pauta de julgamento. Com as ADC’s estaremos julgando uma tese jurídica. O que diz a Constituição tem que servir para todos, até para os ministros do Supremo.

É importante observar a natureza e notar que a noite não cai de uma vez. A luz vai se esvaindo aos poucos e quando chega a escuridão da noite, nós já não nos assustamos, eis que fomos nos acostumando com a falta de luz.

Tem sido assim nestes tempos estranhos e punitivos. A cada dia parecem retirar de cada um de nós um pouco de luz, um pouco do ar. As trevas espreitam. Resta-nos resistir. Uma boa pitada de humildade a todos e o respeito a Constituição nos daria uma lufada de esperança com a necessária segurança jurídica. Lembrando Pessoa, “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.

 

 

Autor: Antônio Carlos de Almeida Castro é advogado criminalista.


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