Estamos preparados para lidar com as novidades da tecnologia?

Autor: Renato Opice Blum (*)

 

Foi o tempo em que a anuidade dos grandes eventos parecia período razoável para a apresentação das novidades da tecnologia. Atualmente, intervalos pequenos são suficientes para que grandes avanços sejam anunciados nesta seara. E, costumam ser pari passu seus reflexos nos fatos sociais do cotidiano.

Neste contexto, opção muito comentada e com destaque pela rapidez na evolução técnica tem sido a sistemática blockchain. A operação, embasada em registros distribuídos e escrituração criptografada, permite a automatização dos procedimentos em níveis satisfatórios de segurança e rastreabilidade, dispensando validações posteriores.

Como noticiado, o amadurecimento da técnica tem gerado interesse em muitos setores, principalmente pela notória possibilidade de ganho em eficiência e redução de despesas. No Brasil, a infusão do blockchain nos procedimentos das empresas, ao que parece, consta do radar de atratividade, mas de modo incipiente. Em outros países, contudo, os estudos para aplicação imediata da sistemática progridem a passos largos.

O mercado internacional de seguros é um bom exemplo. O setor — que trabalha com a coleta de dados e análises estatísticas — tem flertado com a tecnologia citada, vislumbrando o lançamento de contratos inteligentes. A escolha das fontes precisas de informação e as políticas de armazenamento e utilização dos dados dos clientes estão entre os aspectos de atenção pontuados.

Segundo consta, cogita-se ainda a oferta de preços especiais para clientes que autorizarem a coleta de dados de seus equipamentos de IoT (Internet of Things, em inglês), tais como automóveis, alarmes eletrônicos, etc. Informações imediatas e oriundas de fontes cruzadas poderiam elucidar objetivamente as condições de ocorrência de sinistros, dispensando procedimentos caros e morosos.

Em nosso país, projetos como este, além das questões técnicas a serem enfrentadas, ainda teriam outra barreira a superar: o aspecto legal/ regulatório. Como se sabe, há por aqui regulamentação pesada que recai sobre o setor, com limitadores que obstam certas iniciativas criativas.

Meditando ainda sobre IoT e as incontáveis opções de utilização dos dados armazenados, outro assunto gerador de acalorados debates refere-se à coleta de registros sem autorização de seus titulares, no curso de investigações criminais. Recente e peculiar caso, inclusive, deu-se justamente em suposta fraude de seguro, com a colaboração ativa de objeto inusitado: um marca-passo.

Segundo comunicado pela imprensa, ordem judicial autorizou o acesso aos dados do marca-passo de determinado homem, que teve a casa consumida em incêndio. Com base nos registros de frequência cardíaca, constatou-se que o indivíduo estava acordado muito antes de ligar para o serviço de socorro e informar sobre as chamas. Além disso, o intervalo comprovado entre os atos que se sucederam, complementado com as informações obtidas do aparelho, indicou que era impossível que ele tivesse tempo para salvar os objetos retirados por ele da casa. Ou seja: os relatos fornecidos pelo marca-passo forneceram indícios para incriminar seu detentor, que ainda aguarda julgamento.

Episódios como este nos levam a indagar: no novo cenário da IoT, há garantia real de privacidade? É fato: os rastros de dados deixados pelas pessoas em sistemas, na Internet ou, simplesmente em objetos do cotidiano, em algum momento podem ser usados contra seus titulares. Por esta razão, é tão importante que usuários tenham entendimento pleno sobre quais dados são armazenados em seus equipamentos e qual o tratamento lhe é destinado. Ademais, havendo pretensão de acesso às informações arquivadas em dispositivos (registros ou comunicações), é inafastável o dever imposto às autoridades, evitando a contaminação de provas, de cumprimento das formalidades exigidas pelo processo penal.

Outrossim, mais uma vez demonstra-se urgente a necessidade de aprovação de legislação específica para tratar da proteção de dados pessoais, até o momento negligenciada pelo legislativo nacional.

Finalmente, a ágil capacidade de superação da tecnologia dá provas do seu potencial: pesquisadores da Fair (divisão de pesquisa do Facebook) anunciaram que padrões próprios de linguagem foram criados em experimento com Inteligência Artificial. Os robôs teriam deixado de lado a estrutura da língua original de seus criadores e, por questões de eficiência, passaram a usar outra formatação em suas comunicações.

Resumindo: desafios complexos eclodem do universo tecnológico a todo instante, com velocidade que jamais poderíamos imaginar. Assim, inconteste, o questionamento derradeiro é: estamos nos preparando, com responsabilidade, para dar conta de solucionar os próximos dilemas com que o desenvolvimento tecnológico nos brindará?

 

 

 

Autor: Renato Opice Blum é mestre pela Florida Christian University, advogado e economista; Professor coordenador do curso de Direito Digital do Insper.


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