Carlos Augusto de Amorim Dutra
O princípio de defesa do consumidor é previsto na Constituição Federal como um dos direitos fundamentais da pessoa (art. 5º, XXXII) e como um dos princípios norteadores da ordem econômica e financeira (art. 170, V). Como todos os direitos fundamentais, essa defesa decorre do princípio da preservação da dignidade do homem, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, como expressamente consignado na Constituição (art. 1º, III, e art. 170, caput).
Integrando as relações de consumo no dia-a-dia de todos, não olvidou o constituinte em perceber que a dignidade do ser humano passa, necessariamente, pela proteção da dignidade desse homem enquanto consumidor. O Poder Legislativo Federal cumpriu a sua missão constitucional de realizar o princípio da defesa do consumidor ao editar o Código de Defesa do Consumidor — CDC (Lei nº 8.078/90) e nele incluir normas garantidoras do direito dos consumidores à informação adequada e clara sobre o preço dos produtos ou serviços ofertados (art. 6º, III, e art. 31).
A coincidência entre o preço do produto e o código de barras viabiliza o atendimento mais rápido nos caixas. Já o preço diretamente no produto garante a transparência para o consumidor; permite que ele acompanhe as oscilações dos preços, trazendo a necessária harmonia dos interesses dos consumidores quando optam pela compra de certo produto, retiram-no da prateleira, colocam-no nos carrinhos ou cestas de compra, tendo a certeza de que o valor do referido produto acompanha-lo-á até seu consumo final. O que se preserva é o equilíbrio nas relações entre os consumidores e o comércio em geral.
Nesse sentido, desde 1999 vêm decidindo os tribunais, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, para o qual ‘‘um dos princípios básicos em que se assenta a ordem econômica é a defesa do consumidor. A Lei nº 8.078/90, em seu artigo 6º, inciso III, relaciona entre os direitos básicos do consumidor ‘a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam’. Os donos de supermercados devem fornecer ao consumidor as informações adequadas, claras, corretas, precisas e ostensivas sobre os preços de seus produtos à venda. O fato de já existir, em cada produto, o código de barras não é suficiente para assegurar a todos os consumidores essas informações. Para atender realmente ao que estabelece o Código do Consumidor, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em cada produto. Segurança denegada’’ (STJ, 1ªSeção – MS nº 6010/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, dec. unân., publ. DJ de 06/12/1999).
Não é preciso conhecer a Constituição, o CDC, as determinações do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, as decisões judiciais, nem ser versado em ciências jurídicas para saber que o atual sistema de informação de preços praticado no comércio, em geral, tem-se mostrado, em diversas ocasiões, inadequado e ofensivo à dignidade dos consumidores. A própria imprensa vem, diariamente, publicando a opinião dos consumidores, para as quais devem estar atentos os comerciantes e prestadores de serviços.
É importante esclarecer que o sistema de código de barras implantado pelos supermercados não será anulado, em razão do cumprimento da lei mediante afixação dos preços diretamente nos produtos, pois é uma poderosa ferramenta tecnológica colocada à disposição da administração dos supermercados e demais comerciantes. Como cada produto possui um código próprio, os comerciantes têm condição, entre outras facilidades, de a qualquer momento saber com precisão o estoque relativo ao produto, o que antes só era possível por intermédio de onerosa e demorada comparação da quantidade comprada e vendida de determinado produto (quem não se recorda das lojas ‘‘fechadas para balanço’’?). A potencial lucratividade advinda tão-só dessa informação supera, de muito, o custo da etiquetação dos produtos, razão pela qual qualquer aumento imotivado de preços, em razão da simples afixação de etiquetas, poderá ser considerado prática abusiva, prevista no CDC. Devem os consumidores estar atentos e formular representações (denúncias) aos Procons se isso ocorrer.
Acrescente-se que as vantagens trazidas pelo código de barras não são de forma alguma afetadas ou excluídas pela etiquetação dos preços diretamente nos produtos, não havendo nenhum empecilho para que o comércio, em geral, respeitando o direito dos consumidores, continue usufruindo dos inesgotáveis benefícios administrativos, operacionais e financeiros que lhes proporciona o sistema informatizado de código de barras.
A colocação de preços diretamente nas mercadorias é um direito básico à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. Os consumidores esperam ver atendidos os objetivos da transparência e da harmonia nas relações de consumo.
Carlos Augusto de Amorim Dutra – Procurador da República em Santa Catarina
CORREIO BRAZILIENSE, Direito & Justiça, 22/04/2002