Maércio Falcão Duarte
analista judiciário da Justiça Federal e
aluno da FESMP/RN
Intróito
Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os sentidos. Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a nenhum outro animal, exceto à espécie humana, o homem tem sempre estado organizado em grupos ou sociedades. No entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado institivo: a agressividade.
Podemos afirmar que através dos tempos o homem tem aprendido a viver numa verdadeira “societas criminis”. É aí que surge o Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e promover uma sociedade mais pacífica.
Se houvesse a certeza de que se respeitaria a vida, a honra, a integridade física e os demais bens jurídicos do cidadão, não seria necessário a existência de um acervo normativo punitivo, garantindo por um aparelho coerutivo capaz de pô-lo em prática. São haveria, assim, o “jus puniendi”, cujo titular exclusivo é o Estado.
Por isso é que o Direito Penal tem evoluído junto com a humanidade, saindo dos primórdios até penetrar a sociedade hodierna. Diz-se, inclusive, que “ele surge como homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou” (Magalhões Noronha).
I – Períodos da Evolução Histórica do Direito Penal.
1. Período da Vingança
Tendo início nos tempos primitivos, nas origens da humanidade, o Período da Vingança prolonga-se até o século XVIII.
Nos tempos primitivos não se pode admitir a existência de um sistema orgânico de princípios gerais, já que grupos sociais dessa época eram envoltos em ambiente mágico e religiosos. Fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções vulcânicas eram considerados castigos divinos, pela prática de fatos que exigiam reparação.
Pode-se distinguir as diversas fases de evolução da vingança penal, como a seguir:
Fase da vingança privada.
Fase da vingança divina.
Fase da vingança pública.
Entretanto, essas fases não se sucedem umas às outras com precisão matemática. Uma fase convive com a outro porlargo período, até constituir orientação prevalente, para, em seguida, passar a conviver com a que lhe se segue. Assim, a divisão cronológica é meramente secundária, já que a separação é feita por idéias.
2. Período Humanitário
O período conhecido por Período Humanitário transcorre durante o lapso de tempo compreendido entre 1750 e 1850.
Tendo seu início no decorrer do Huminismo, esse período foi marcado pela atuação de pensadores que contestavam os ideiais absolutistas.
Pregava-se a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII.
Os povos estavam saturados de tanto barbarismo sob pretexto de aplicação da lei. Por isso, o período humanitário surge como reação à arbitraruiedade da administração da justiça penal e contra o caráter atraz das penas.
Os escritos de Monteguieu, Voltaire, Rosseau, D’Alembert e o Cristianismo foram de suma importância para o humanismo, uma vez que constituíram o próprio alicerce do mesmo.
O pensamento predominante neste período ia de encontro a qualquer crueldade e se rebelava contra qualquer arcaísmo do tipo: “Homens, resisti à dor, e sereis salvos”. (Basileu Garcia).
3. Período Cientifico
Também conhecida como período criminológico, esta fase caracteriza-se por um notável entusiasmo científico. Começa a partir do século XIX, por volta do ano de 1850 e estende-se até os nossos dias.
Inicia-se, neste período, a preocupação com o homem que delínque e a razão pela qual delínqüe.
Puig Peña refere-se a esse período, afirmando que “caracteriza-se pela irrupção das ciências penais no âmbito do Direito punitivo, e graças a ele se abandona o velho ponto de vista de considerar o delinqüente como um tipo abstrato imaginando sua personalidade”.
O notável médico italiano César Lombroso, revoluciona o campo penal na época. Ferri e Garófalo também merecem destaque, além do determinismo e da Escola positivista que tiveram sua devida influência no período criminológico.
II – Abordagem dos Períodos: Suas fases, influências, evoluções.
1. Fases da Vingança Penal
a) Vingança Privada: “Olho por olho, dente por dente”.
Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo. A inexistência de um limite (falta de proporcionalidade) no revide à agressão, bem como a vingança de sangue foi um dos períodos em que a vingança privada constituiu-se a mais freqüente forma de punição, adotada pelos povos primitivos.
A vingança privado constituía uma reação natural e institiva, por isso, foi apenas uma realidade sociológica, não uma instituição jurídica.
Duas grandes regulamentações, com o evolver dos tempos, encontrou a vingança privada: o talião e a composição.
Apesar de se dizer comumente pena de talião, não se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena. Consistia em aplicar no delinqüente ou ofensor o mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção.
Foi adotado no código de Hamurabi:
“Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto”.
“Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele”.
Também encontrado na Bíblia Sagrada:
“Levítico 24, 17 – Todo aquele que feri mortalmente um homem será morto”.
Assim como na Lei das XII Tábuas.
“Tábua VII, 11 – Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo”.
“Ut supra”, o Talião foi adotado por vários documentos, revelando-se um grande avanço na história do Direito Penal por limitar a abrangência da ação punitiva.
Posteriormente, surge a composição, através do qual o ofensor comprava sua liberdade, com dinheiro, gado, armas, etc. Adotada, também, pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo pentateuco (Hebreus) e peloCódigo de Manu (Índia), foi largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais.
b) Vingança Divina: “A repressão ao crime é satisfação dos deuses”.
Aqui, a religião atinge influência decisiva na vida dos povos antigos.
A repressão ao delinqüente nessa fase tinha por fim aplacar a “ira” da divindade ofendida pelo crime, bem como castigar ao infrator.
A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça.
Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A “vis corpolis” era usa como meio de intimidação.
No Antigo Oriente, pode-se afirmar que a religião confundia-se com o Direito, e, assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor.
Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel.
c) Vingança Pública: “Crimes ao Estado, à sociedade”.
Com uma maior organização social, especialmente com o desenvolvimento do poder político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembléia.
A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em um sanção imposta em nome de uma autoridade pública, representativa dos interesses da comunidade.
Não era mais o ofendido ou mesmo os sacredotes os agentes responsáveis pela punição, mas o soberano (rei, príncipe, regente). Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia inúmeras arbitrariedades.
A pena de morte era uma sanção largamente difundida e aplicada por motivos que hoje são considerados insignificantes. Usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e extrapolar a pena até os familiares do infrator.
Embora a criatura humana vivesse aterrorizada nessa época, devido à falta de segurança jurídica, verifica-se avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado.
Tempo de desespero, noite de trevas para a humanidade, idade média do Direito Penal… Vai raiar o sol do Humanismo. Enfim!
2. Período Humanitário: “O homem deve conhecer a justiça”.
2.1 – O Direito Penal e a “Filosofia das Luzes”.
Os séculos XVII e XVIII foram marcados pela crescente importância da burguesia, classe social que comandava o desenvolvimento do capitalismo. Mas nem tudo era belo e tranqüilo: havia um grave conflito de interesses entre os burgueses e a nobreza.
Surgiu, então, um sistema de idéias que deu origem ao liberalismo burguês. Essas idéias ganharam destaque através do movimento cultural conhecido como Iluminismo ou Filosofia das Luzes.
Os pensadores iluministas, em geral, defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam duramente a intervenção do Estado na economia e achincalhavam a Igreja e os poderosos.
Nem mesmo Deus escapou às discussões da época. O Deus iluminista, racional, era o “grande relojoeiro” nas palavras de Voltaire.
Deus foi encarado como expressão máxima da razão, legislador do Universo, respeitador dos direitos universais do homem, da liberdade de pensar e se exprimir. Era também o criador da “lei”, e lei no sentido expresso pelo filósofo iluminista Montesquieu: “relação necessária que decorre da natureza das coisas”.
Foi, evidentemente, os escritos de Montesquieu, Voltaire, Russeau e D’Alembert que prepararam o advento do humanismo e o início da radical transformação liberal e humanista do Direito Penal.
Locke, filósofo inglês, considerado o pai do iluminismo, escreveu o “Ensaio sobre o entendimento humano. Montesquieu, jurista francês, escreveu “O espirito das Leis”, defendendo a separação dos três poderes do Estado. Voltaire, pensador francês, tornou-se famoso pelas críticas ao clero católico, à intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Rousseau, filósofo francês, célebre defensor da pequena burguesia e inspirador dos ideais da revolução Francesa, foi autor de “O Contrato Social” e “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os hoemns. Por fim, Diderot e D’Alembert foram os principais organizadores da “Enciclopédia”, obra que resumia os principais conhecimentos artísticos, científicos e filosóficas da época.
Os pensadores iluministas, supra citados, em seus escritos, fundamentaram uma nova ideologia, o pensamento moderno, que repercutiria até mesmo na aplicação da justiça: à arbitrariedade se contrapôs a razão, à determinação caprichosa dos delitos e das penas se pôs a fixação legal das condutas delitivas e das penas.
Os povos clamavam pelo fim de tanto barbalarismo disfarçado.
2.2 – Beccaria: “filho espiritual dos enciclopedistas franceses”.
Em 1764, imbuído dos princípios iluministas, Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, faz publicar a obra “Dei Delitti e Delle Pene”, que, posteriormente, foi chamado de “pequeno grande livro”, por Ter se tornado o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente.
Os princípios básicos pregados pelo jovem aristocrata de Milão firmaram o alicerce do Direito Penal moderno, e muitos desses princípios foram, até mesmo, adotados pela declaração dos Direitos do homem, da revolução Francesa.
Segundo ele, deveria ser vedado ao magistrado aplicar penas não previstas em lei. A lei seria obra exclusiva do legislador ordinário, que “representa toda a sociedade ligada por um contrato social”.
Quanto a crueldade das penas afirmava que era de todo inútil, odiosa e contrária à justiça.
Sobre as prisões de seu tempo dizia que “eram a horrível mansão do desespero e da fome”, faltando dentro delas a piedade e a humanidade.
Não foi à toa que alguns autores o chamaram apóstolo do Direito: O jovem marquês de Beccaria revolucionou o Direito Penal e sua obra significou um largo passo na evolução do regime punitivo.
2.3 – O Direito Natural e sua influência.
Entre os séculos XVI e XVIII, na chamada fase racionalista surgia a chamada Escola do Direito Natural, de Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant. Sua doutrina apresentava os seguintes pontos básicos: a natureza humana como fundamento do Direito; o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e os direitos naturais inatos.
De conteúdo humanitário e influenciada pela filosofia racionalista, a Escola concebeu o Direito Natural como eterno, imutável e universal.
Se por um lado a Escola do Direito Natural teve uma certa duraçào, a corrente que se formou, ou seja, o jusnaturalismo prolongou-se até a atualidade.
Romagnosi, já visto anteriormente como um dos iniciadores da Escola Clássica, fundamentou sua obra, “Gênesis do Direito Penal”, concebendo o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas.
Embora ainda sob uma pseudo-compreensão de alguns juristas, o Direito Natural tem sobrevivido e mostrado que não se trata de idéia metafísica ou princípio de fundo simplesmente religioso.
O jusnaturalismo atual constitui um conjunto de amplos princípios, a partir dos quais o legislador deverá compor a ordem jurídica. Os princípios mais apontados referem-se ao direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à segurança, etc.
É evidente a correlação que existiu e ainda existe entre Direito Natural e Direito Penal: os princípios abordados pelo jusnaturalismo, especialmente os correspondentes aos direitos naturais inativos, estão devidamente enquadrados no roldos bens jurídicos do assegurados pelo Direito Penal.
Assim, o jusnaturalismo e seus princípios não deixaram de influenciar o período Humanitário, no qual buscava-se individuais a valorização dos direitos intocáveis e dos delinqüentes e a consequente dulcificação das sanções criminais.
2.4 – Escola Clássica: “A denominação pejorativa criada pelos positivistas”.
Denomina-se Escola Clássica o conjunto de escritores, pensadores, filósofos e doutrinadores que adotaram as teses ideológicas básicas do iluminismo, que foram expostas magistralmente por Beccaria.
Três grandes jurisconsultos podem ser considerados como iniciadores da Escola Clássica: Gian Domenico Romagnosi, na Itália. Jeremias Bentham, na Inglaterra e Anselmo Von Feuerbach na Alemanha.
Romagnosi concebe o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas, que deve ser exercido mediante a punição dos delitos passados para impedir o perigo dos crimes futuros.
Jeremias Bentham considerava que a pena se justificava por sua utilidade: impedir que o réu cometa novos crimes, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo, assim a coletividade.
Anselmo Von Feuerbach opina que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme as leis jurídicas. A pena, segundo ele, coagiria física e psicologicamente para punir e evitar o crime.
No que tange à finalmente da pena, havia no âmago da Escola Clássica, três teorias:
1. Absoluta – que entendia a pena como exigência de justiça.
2. Relativa – que assinalava a ela um fim prático, de prevenção geral e especial;
3. Mista – que, resultando da fusão de ambas, mostrava a pena como utilidade e ao mesmo tempo como exigência de justiça.
Na Escola Clássica, dois grandes períodos se distinguiram: o filósofo ou teórico e o jurídico ou prático. No primeiro destaca-se a incontestável figura de Beccaria. Já no segundo, aparece o mestre de Pisa, Francisco Carrara, que tornou-se o maior vulto da Escola Clássica.
Carrara defende a concepção do delito como ente jurídico, constituído por duas forças: a física (movimento corpóreo e dano causado pelo crime) e a moral (vontade livre e consciente do delinqüente).
Define o crime como sendo “a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”.
3. Período Cientifico ou Criminológico:
“A justiça deve conhecer o homem”.
3.1 – O Determinismo: “Para cada fato, há razões que o determinaram”.
Durante o chamado período cientifico surge uma doutrina que vai influenciar o pensamento da época, repercutindo, inclusive no âmbito criminal: a filosofia determinista.
Segundo a mesma, todos os fenômenos do universo, abrangendo a natureza, a sociedade e a história são subordinadas a leis e causas necessárias.
Coube a Laplace a formulação conceitual mais ampla do determinismo, corrente esta que, Segunda a visão “Laplaciana”, corresponde ao “caráter de uma ordem de fatos na qual cada elemento depende de outros, de tal modo que se pode prevê-lo, provocálo ou controlá-lo segundo se conhece, provoque ou controle a ocorrência desses outros”.
Assim, o delito, como fato jurídico, deveria também obedecer esta correlação determinista, já que por trás do crime haveria sempre razões suficientes que o determinaram.
Para certa corrente filosófica, a noção de determinismo é central na conceituação do conhecimento científico, tanto na esfera das ci6encias físico-naturais, quanto na das ciências do homem; para uma Segunda corrente, o determinismo é incompatível com a idéia da ação deliberada e responsável, ou seja, o determinismo nega o livre arbítrio. Foi aceito por Ferri, que afirmava ser o homem responsável, por viver ele em sociedade.
3.2 – “Os Evangelistas”: Lombroso, Ferri e Garófalo.
Foi César Lombroso, autor do livro L’uomo Delinquente, quem apontou os novos rumos do Direito Penal após o período humanitário, através do estudo do delinqüente e a explicação causal do delito.
O ponto nuclear de Lombroso é a consideração do delito como fenômeno biológico e o uso do método experimental para estudá-lo. Foi o criador da “Antropologia Criminal”. A seu lado surgem Ferri, com a “Sociologia Criminal”, e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra “Criminologia”, podendo os três ser considerados os fundadores da Escola positiva.
Lombroso afirmava a existência de um criminosos nato, caracterizado por determinados estigmas somato-psíquicos e cujo destino indeclinável era delinqüir, sempre que determinadas condições ambientais se apresentassem.
Discípulo dissidente de Lombroso, Henrique Ferri, ressaltou a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, sociais e físicos. Dividiu os criminosos em cinco categorias: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional. Dividiu, ainda, as paixões em: sociais (amor, piedade, nacionalismo, etc.) e anti-sociais (ódio, inveja, avareza, etc.).
Outro vulto da tríade é Rafael Garofalo, o primeiro a usar a denominação “Criminologia” para as Ciências Penais. Fez estudos sobre o delito, o delinqüente e a pena.
Afirmava essa tríade de vigorosos pensadores que a pena não tem um fim puramente retributivo, mas também uma finalidade de proteção social que se realiza através dos meios de correção, intimidação ou eliminação.
3.3 – O movimento positivista no Direito Penal.
O movimento naturalista do século XVIII, que pregava a supremacia da investigação experimental em oposição à indagação puramente racional, influenciou o Direito Penal. Numa época de franco domínio do pensamento positivista no campo da filosofia (Augusto Comte) e das teorias evolucionistas de Darwin e Lamark, das idéias de John Stuart e Spencer, surgiu a chamada Escola Positiva.
A nova Escola proclamava outra concepção do Direito. Enquanto para a Clássica ele preexistia ao Homem (era transcendental, visto que lhe fora dado pelo criador, para poder cumprir seus destinos), para osd positivistas, ele é o resultado da vida em sociedade e sujeito a variações no tempo e no espaço, consoante a lei da evolução.
Seu pioneiro foi o médico psiquiatra César Lombroso, segundo o qual a criminalidade apresenta, fundamentalmente, causa biológica.
É de Lombroso a descrição do criminoso nato. Ei-la:
assimetria craniana, fronte fugida, zigomas salientes, face ampla e larga, cabelos abundantes e barba escassa.
o criminoso nato é insensível fisicamente, resistente ao traumatismo, canhoto ou ambidestro, moralmente impulsivo, insensível, vaidoso e preguiçoso.
Embora tenha cometido alguns exageros na definição do criminosos nato, a idéia de uma tendência para o crime não foi sepultada com Lombroso. Estudos feitos por geneticistas tem levado à conclusão de que elementos recebidos por herançabiológica, embora possam não condicionar um “modus vivendi” no sentido de tornar o homem predestinado em qualquer direção, influem no modo ser do indivíduo.
III – O Direito Penal no Brasil.
1. “1603”: Nasce o Livro V do Rei Filipe II.
No Brasil Colonial estiveram em vigor as ordenações Afonsinas (até 1512) e Manuelinas (até 1569), substituídas estas últimas pelo código de D. Sebastião (até 1603). Passou-se, então, para as Ordenações Filipinas, que refletiam o Direito Penal dos tempos medievais.
Foi, então, o Livro V das Ordenações do Rei Filipe II (compiladas, aliás, por Filipe I, e que aquele, em 11 de janeiro de 1603, mandava que fossem observadas), o nosso primeiro Código Penal. É o Código Filipino.
Fundamentava-se largamente nos preceitos religiosos. O crime era confundido com o pecado e com a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores.
As penas severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras etc.) visavam infundir o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela força, com torturas, pelo fogo etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e os galés. Aplicava-se, até mesmo, a chamada “morte para sempre”, em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até que a ossamenta fosse recolhida pela Confraria da Misericórdia, o que se dava uma vez por ano.
Além de tudo isso, as penas eram desproporcionadas à falta praticada, não sendo fixadas antecipadamente. Eram desiguais e aplicadas com extrema perversidade.
2. “1830”: É sancionado o Código Criminal do Império do Brasil.
Proclamada a independência, previa a Constituição de 1824, que se elaborasse uma nova legislação penal e, em 16 de dezembro de 1830 D. Pedro I sancionava o Código Criminal do Império.
De índole liberal, inspirava-se na doutrina utilitária de Betham, bem como no Código francês de 1810 e o Napolitano de 1819. Fixava-se na nova lei um esboço de individualização da pena, previa-se a existência de atenuantes e agravantes, e estabelecia-se um julgamento especial para os menores de 14 anos. A pena de morte, a ser executada pela força, só foi aceita após acalorados debates entre liberais e conservadores no congresso e visava coibir a prática de crimes pelos escravos.
Não separada a Igreja do Estado, continha diversas figuras delituosas, representando ofensas à religião estatal.
Apesar de suas inegáveis qualidades, tais como, indeterminação relativa e individualização da pena, previsão da menoridade como atenuante, a indenização do dano “ex delicto”, apresentava defeitos que eram comuns à época: não definira a culpa, aludindo apenas ao dolo, havia desigualdade no tratamento das pessoas, mormente os escravos.
3. “1890” : A República traz seu Código Penal.
Com a República foi editado, em 11 de outubro de 1890, o Código Criminal da República, logo alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava que decorriam, evidentemente, da pressa com que fora elaborado.
Em virtude de a Constituição de 1891 haver abolido a pena de morte, a de galés e a de banimento judicial, o Código Republicano de 1890 contemplou as seguintes sanções:
prisão;
banimento ( o que a Carta Magna punia era o banimento judicial que consistia em pena perpétua, diversa, portanto, desse, que importava apenas em privação temporária);
interdição (suspensão dos direitos políticos, etc.);
suspensão e perda de emprego público e multa.
O Código era de orientação clássica, muito embora aceitasse postulados positivistas, o que gerou críticas , da mesma forma.
Apesar de Ter sido mal sistematizado, dentre outros defeitos, o Código Criminal da República, constituiu um avanço na legislação penal da epóca, uma vez que, além de abolir a pena de morte, instalou o regime penitenciário de caráter correcional.
4. “1932” : A Consolidação de Piragibe.
Costuma-se dizer que com o Código de 1890 nasceu a necessidade de modificá-lo. Uma vez que não poder-se-ia transformá-lo imediatamente, surgiu, assim, várias leis para remendá-lo, que pelo grande número, acabaram gerando enorme confusão e incerteza na aplicação.
Coube ao desembargador Vicente Piragibe o encargo de consolidar essas leis extravagantes. Surgia, portanto, através do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, a denominada Consolidação das Leis Penais de Piragibe, que vigorariam até 1940.
Composta de quatro livros e quatrocentos e dez artigos, a Consolidação das Leis Penais realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe, passou a ser, de maneira precária, o Estatuto Penal Brasileiro.
5. O Código Penal de 1940.
Embora promulgado em dezembro de 1940, o novo Código Penal somente passou a vigorar em 1º de Janeiro de 1942, não só para que se pudesse melhor conhecê-lo, como também para coincidir sua vigência com a do Código de Processo Penal.
Ainda sendo nossa legislação penal fundamental, o Código de 1940 teve origem em projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta de Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira.
É uma legislação eclética, que não assumiu compromisso com qualquer das escolas ou correntes que disputavam o acerto na solução dos problemas penais. Fazia uma conciliação entre os postulados das Escolas Clássicas e Positiva, aproveitando o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e Suíço.
Magalhães Noronha comenta que “é o Código obra harmônica: soube valer-se das mais modernas idéias doutrinárias e aproveitar o que de aconselhável indicavam as legislações dos últimos anos”.
Apesar de suas imperfeições, ou “pecados” (como assinala o autor supra citado), o Congresso de Santiago do Chile, em 1941, declarou que ele representa “um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e avançadas instituições que contém”.
6. O Código Penal de 1969.
Várias foram as tentativas de mudança da nossa legislação penal.
Em 1963, por incubência do governo federal, o professor – ministro Nelson Hungria, apresentou anteprojeto de sua autoria. Após submetido a várias comissões revisoras, o anteprojeto Hungria foi finalmente convertido em lei pelo Decreto-Lei Nº 1004, de 21 de outubro de 1969.
A vigência do código de 1969 foi, porém, adiada sucessivamente. Críticas acerbadas se lhe fez, tanto que foi modificado substancialmente pela Lei Nº 6.016, de 31 de Dezembro de 1973. Mesmo assim, porém, após vários adiamento da data em que deveria viger, foi ele revogado pela Lei Nº 6.5778, de 11 de outubro de 1978.
7. “1984”: Altera-se a Parte Geral.
Em 1980, o Ministro da Justiça incumbiu o professor Francisco de Assis Toledo, da Universidade de Brasília, da reforma do Código em vigor. A exemplo da Alemanha, primeiro se modificou a parte geral.
Em 1981, foi publicado o anteprojeto, para receber sugestões. Depois de discutido no Congresso, o projeto foi aprovado e promulgada a Lei Nº7.209 de 11/07/1984, que alterou substancialmente a parte geral, principalmente adotando o sistema vicoriante (pena ou medida de segurança).
Com a nova Parte Geral, foi promulgada a nova Lei de execução Penal (nº 7.210 de 11/07/1984). É uma lei especifica para regular a execução das penas e das medidas de segurança, o que era súplica geral, tanto que já se fala na criação de um novo ramo jurídico: o Direito de execução Penal.
Recentemente, foi o Estatuto repressivo pátrio alterado pela Lei nº 9.714/98 no que concerne as penas restritivas de direitos. Incluídos foram mais dois tipos de penas: a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Ademais, no que tange à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, poderá ela se dar quando, atendidos os requisitos específicos – não reincidência, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime favoráveis – a pena aplicada não for superior a quatro anos. Vale salientar que, em sendo o crime culposo, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena aplicada.
Destarte, é de se vislumbrar que, cada vez mais, o aprisionamento deixa de ser regra para se tornar exceção. É que o cárcere, comprovado está, ao invés de proporcionar a ressocialização, não raro tem se transformado em verdadeira “Universidade da delinqüencia”.
CONCLUSÃO
Após esta verdadeira jornada através da História, observando-se a evolução do Direito Penal, desde os primórdios da humanidade, chegou-se, enfim, a 1999.
Se houve épocas de pouca evolução, por outro lado, houve circunstâncias em que o Direito Penal deu amplos saltos rumo à modernidade.
Por mais evoluído que seja o ser humano hodierno, seu comportamento será sempre controlado pelo Estado, no exercício do “jus puniendi”. É que, na sociedade, o homem continuará expressando sua “spinta criminosa”, havendo a necessidade da pena, como “controspinta”.
Portanto, não cessará aqui a evolução do Direito Penal: ela acompanhará o homem enquanto o mesmo existir. Fica, assim, a reticência no tempo…
BIBLIOGRAFIA
JORGE, Willian Wanderley. Curso de Direto Penal. Editora Saraiva.
NORONHA, E. Magalhoões. Direito Penal – Volume 1 (Introdução e Parte Geral). Editora Saraiva.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. Volume 1.
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. Volume 1. Parte Geral. Editora Saraiva.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Editora Forense.
Enciclopédia Barsa. Volume 6.
Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.