Excesso de prazo no processo disciplinar

Airton Rocha Nóbrega

A condução do processo administrativo disciplinar em qualquer uma de suas modalidades (sindicância, processo disciplinar, procedimento sumário) exige das comissões e autoridades julgadoras extrema e acurada atenção com relação a aspectos que, se olvidados ou negligenciados, poderão ser alvo de questionamento judicial, com a conseqüente anulação de penalidades eventualmente aplicadas ao servidor faltoso.

Preocupações básicas aludem à garantia de defesa e à observância de fórmulas que, embora por exceção, no processo administrativo disciplinar, mostram-se indispensáveis, como, por exemplo: ato de instauração expedido por autoridade investida de competência para esse fim, comissão constituída por servidores que preencham as condições em lei estabelecidas, vista dos autos ao servidor imputado, regular citação do servidor, presença do acusado ou de defensor por ele nomeado aos atos de tomada de depoimentos, permitida a reinquirição, despacho de indiciação precisando os fatos e o dispositivo legal afrontado etc.

Deixando a administração de atentar para tais providências e se prestando o processo à aplicação de penalidades mais severas, induvidosamente enfrentar-á discussão, no plano administrativo ou judicial, com a conseqüente argüição de nulidade do procedimento e insubsistência da penalidade aplicada.

Questão que ao longo do tempo vem suscitando embaraços à administração, resulta do fato de nem sempre se mostrar possível a conclusão do processo administrativo disciplinar no prazo em lei estabelecido. Observe-se que para a sindicância prevê a lei um prazo de conclusão de trinta dias, prorrogável por mais trinta dias (art. 145, par. Único) . Para o procedimento sumário recém instituído o prazo é igualmente de trinta dias, prorrogável por mais quinze dias (art. 133, § 7º). Para o processo disciplinar esse prazo é de sessenta dias prorrogável por igual período de tempo (art. 152).

À míngua de argumentos sólidos de defesa, apegam-se os servidores punidos a todo e qualquer elemento que, de algum modo, lhes possa servir de tábua de salvação e, não raro, formulam em juízo pleito alusivo à decretação de nulidade do procedimento em face da superação do prazo para a sua conclusão.

A tese esposada não é de todo ignorada e sem fundamento, especialmente quando se consulta a doutrina especializada e se observa que a orientação expedida a respeito desse tema é no sentido de que: “Não tendo sido cumprido o prazo, nem mesmo com a prorrogação, a autoridade instauradora tem o dever de destituir a comissão, nomeando-se outra para prosseguir os trabalhos” (cf. PALHARES MOREIRA REIS – “Manual do Servidor Público” – Brasília-DF: CTA, 1993 – pág. 210). Sustenta, ademais, o ilustrado autor que, ultrapassado o prazo legal estabelecido para a conclusão da sindicância ou do processo disciplinar, ter-se-á como nulo o trabalho realizado.

Além dessa orientação induvidosamente abalizada, colhe-se aquela externada por JOSÉ ARMANDO DA COSTA (in, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar” – Brasília-DF: Ed. Brasília Jurídica, 1996 – pág. 194) nos seguintes termos: “O processo deverá ser relatado e concluído à autoridade instauradora, para julgamento, no prazo de sessenta dias. Esse prazo, nos casos de força maior, ou em que as circunstâncias o exigirem, poderá ser prorrogado por igual prazo. Não sendo os trabalhos concluídos nessa prorrogação, deverá a comissão ser redesignada para, no lapso de sessenta dias, ultimar essa tarefa”.

Ao se referir ao prazo de conclusão da sindicância, reafirma ainda o insigne doutrinador que “Pela cogência da disposição contida no art. 145, parágrafo único, o prazo originário de 30 dias somente admite uma prorrogação por igual período. Fora dessa expressão temporal de 60 dias, deverá ser designada nova comissão sindicante”.

Importa dizer, portanto, que verificando-se a superação dos prazos previstos para o encerramento dos procedimentos disciplinares em lei regulados, ter-se-á necessariamente que concluir pela imprestabilidade do trabalho realizado, surgindo daí a necessidade de designar-se nova comissão – a ser integrada pelos mesmos ou por outros membros – a fim de que seja reiniciada toda a atividade de apuração administrativa.

A tese, não há dúvida, resulta de uma avaliação literal das disposições legais contidas no art. 145, parágrafo único, e art. 152, da Lei nº 8.112/90, já que em tais dispositivos se fixa, de modo taxativo, o prazo de conclusão dos trabalhos processantes, neles não se vendo quaisquer ressalvas alusivas à possibilidade de dilação de tal prazo por período superior ao previsto.

Visto desse modo o alcance de tais dispositivos, cumpre indagar-se acerca da razoabilidade dessa interpretação que, privilegiando excessivamente a formalidade em detrimento do fim a ser alcançado, nega a possibilidade de, mediante justificativas hábeis, conceder-se as dilatações de prazo pelos períodos necessários à apuração do fato que originou a instauração do procedimento.

Imagine-se, por exemplo, processo disciplinar em que se venha a sentir a necessidade de realizar exames periciais complexos, dependentes de repartições especializadas (Institutos de Criminalística), ou em que se entenda de avaliar a sanidade mental servidor acusado por intermédio de incidente específico (RJU: art. 160).

Em tais circunstâncias, terá a comissão necessariamente que aguardar a emissão dos laudos técnicos respectivos para concluir, após isso, a apuração que lhe compete. Nenhum sentido lógico teria, venia permissa, orientação que, ante tal situação, viesse a recomendar constantes e reiteradas reinstaurações do processo disciplinar, exigindo desnecessariamente a repetição de atos validamente praticados.

A despeito da autoridade dos ilustres doutrinadores citados, entendo, maxima data venia, que não há qualquer sentido prático na adoção do conteúdo literal dos dispositivos em comento, mostrando-se mais adequado à realidade jurídica o entendimento que se colhe nos arestos que vão a seguir transcritos:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ULTRAPASSAGEM DO PRAZO FIXADO PARA O TÉRMINO DO PROCESSO. NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. I. A ULTRAPASSAGEM DO PRAZO FIXADO PARA O ENCERRAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NÃO CONDUZ À NULIDADE, MAS TÃO-SOMENTE À CESSAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DO AFASTAMENTO PREVENTIVO DO CARGO DO SERVIDOR PÚBLICO ACUSADO. (STJ – 2ª TURMA – RMS nº 455 (90.005123-1) – BAHIA. Relator Min. ADHEMAR MACIEL – Julgamento em 15 de maio de 1997. Pub. DJ de 23.6.97.);

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRAZO DE CONCLUSÃO. SUPERAÇÃO. 1. A SUPERAÇÃO DE PRAZO FIXADO LEGALMENTE, SEM PREVISÃO DE SANÇÃO, PARA QUE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA DECIDA SOBRE PROCESSO DISCIPLINAR, NÃO IMPORTA NA SUA EXTINÇÃO E NEM EM PERDÃO TÁCITO. 2. À PARTE APROVEITA APENAS A INVOCAÇÃO DE NORMA DISCIPLINADORA DA PRESCRIÇÃO DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. (STJ – 6ª TURMA – RMS nº 7.791-MG (96/0068056-6). Relator Min. FERNANDO GONÇALVES – Julgamento em 12 de agosto de 1997. Pub. DJ de 1º.9.97.);

“ATO DEMISSÓRIO DE RESPONSABILIDADE DA MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. PRETENSÃO ANULATÓRIA DO ATO, À LUZ DO EXCESSO VERIFICADO NO PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO. INCONSISTÊNCIA DA ARGUMENTAÇÃO, VISTO QUE O ARTIGO 169, § 1º, DA LEI 8.112/90 PROCLAMA NÃO SER, SEMELHANTE DEMORA, FATOR NULIFICANTE DO PROCESSO” (MS Nº 21.949/DF, Tribunal Pleno do STF, por maioria absoluta – 8 votos vencedores, contra o voto-vencido do Ministro MARCO AURÉLIO -, relator para o acórdão Ministro FRANCISCO REZEK, publicado na RTJ 142/804).

Versando ainda essa questão específica, mostra-se de todo oportuna a preleção feita pelo il. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, do Colendo Supremo Tribunal Federal, nos seguintes moldes: “Estou convencido de que o único efeito da superação dos prazos, tanto para o encerramento de processo administrativo, quanto do seu julgamento pela autoridade competente, é a cessação da medida cautelar da suspensão preventiva do funcionário, acaso aplicada. O eminente Ministro CARLOS MÁRIO mostrou que, tanto no regime da Lei n. 1.711 – que creio corresponder a resolução específica da Câmara dos Deputados – quanto na atual lei chamada do Regime Jurídico, é isso o que está expresso, não apenas com relação ao prazo de julgamento mas também ao do término do inquérito (Lei 8.112/90, artigos 169, § 1º, e 147, parágrafo único; Lei n. 1.711/52, artigos 225, § 1º, e 215, § 1º). O paralelo evidente é com o Processo Penal: a superação dos prazos de desenvolvimento do processo gera seus efeitos unicamente com relação às medidas cautelares, com maior freqüência, no processo criminal, sobre a prisão preventiva, e nada mais” (in RTJ 142/815).”

Essa orientação, que dimana de forma reiterada do Judiciário, enseja uma profunda reflexão acerca do tema ora enfocado, de modo a orientar uma atuação mais ágil e coerente do agente público, impedindo-o de adotar providências meramente formais, destituídas de qualquer justificativa jurídica aceitável e que apenas se prestam a onerar descabidamente a Administração.

Nesse passo, cabível entender-se que os diversos prazos estabelecidos para a conclusão de procedimentos disciplinares na Lei nº 8.112/90, não são estabelecidos em caráter peremptório ou taxativo, de modo a gerar argüições de nulidade se eventualmente excedidos.

Detêm eles, em realidade, caráter meramente exortativo, tendo como destinatário os agentes da administração que, em nenhum momento, estarão autorizados a negligenciar na sua observância. Estarão tais agentes, isto sim, imbuídos da obrigação de concluírem os procedimentos disciplinares nos prazos previstos, pena de ficarem submetidos às sanções disciplinares correspondentes se, eventualmente, não puderem justificar demoras eventualmente verificadas na condução dos processos.

Procedimentos desidiosos não merecem tratamentos condescendentes e deverão ser rigorosamente apurados e punidos. Não se sustenta aqui, portanto, que os processos devam se eternizar no âmbito da Administração, sem qualquer conclusão, ante a possibilidade que se vislumbra de conceder-se prorrogações de prazos reiteradas, com superação daqueles fixados em lei.

Essa providência apenas será admitida pela autoridade competente se houver justificativa plausível. Inexistindo esta, ou não sendo ela acolhida, impõe-se, sem sombra de dúvida, a constituição imediata de nova comissão, com a conseqüente e concomitante instauração de outro procedimento disciplinar destinado a apurar o ato desidioso imputado aos membros da comissão dissolvida.

Necessário asseverar, ademais, que eventual demora na conclusão do processo disciplinar, longe de gerar prejuízos ao servidor acusado, cria em seu favor a possibilidade de extinção da punibilidade pelo advento do termo final do prazo prescricional em lei estabelecido. Outro aspecto de suma importância, resulta do fato de se estar, por intermédio do processo disciplinar, buscando apurar de forma efetiva a verdade real, objetivo que só não favorecerá ao servidor acusado se efetivamente for ele o autor do delito administrativo.

Não se mostra aceitável, desse modo, o entendimento no sentido de que eventual atividade desenvolvida pela comissão processante além dos limites de prazo estabelecidos nos dispositivos anteriormente referidos, se preste a invalidar o procedimento disciplinar, até porque ressumbra induvidoso que as disposições legais em comento não impõem qualquer conseqüência à superação de prazos para encerramento da apuração, possuindo elas, como visto, caráter meramente exortativo e programático.

Airton Rocha Nóbrega
Advogado e professor da ESAD, EBAP/FGV e AEUDF – Brasília

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