Autor: Francisco Soares Campelo Filho (*)
A Lei 13.105/15 — o novo Código de Processo Civil, em seu artigo 292, que trata do valor da causa, estabelece em seu inciso V[i] que o valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será na ação indenizatória,inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido. Assim, na ação em que se pleiteia alguma indenização por danos morais, deve o postulante estipular o valor da indenização que entende fazer jus, fazendo constar o montante dessa pretensão no valor a ser dado à causa. Sobre referido artigo, alguns doutrinadores[ii] passaram a elogiar a inserção do inciso V no novo CPC, uma vez que assim o legislador estaria dando um golpe contra a chamada “indústria do dano moral.”[iii] [iv]
Sob esse viés sustentam, aqueles que elogiam (e defendem) a inserção do mencionado inciso V, que dessa forma haverá uma limitação no número de ações indenizatórias, considerando que, agora, os postulantes deverão especificar o quantum que pretendem receber a título de indenização, implicando diretamente nas custas processuais, pagas no início do processo, na forma do que disciplina os artigos 82 e 84 do novo CPC[v] e ainda a possibilidade de arcarem com honorários sucumbenciais, caso a ação seja julgada improcedente, ou mesmo tenha sido arbitrado um valor inferior ao pleiteado, segundo os critérios que o magistrado entender mais adequados[vi].
Nesse diapasão, aquele que se sentir ofendido moralmente, para poder socorrer-se do Judiciário, tem por obrigação mensurar qual o valor do dano moral que pretende receber, arcando com as custas processuais e ficando à mercê da interpretação do magistrado que, ao invés de ter que mensurar o valor dos danos, terá apenas que definir se a indenização é devida e se o valor pleiteado é exorbitante ou não. Caso haja condenação em um valor menor do que o indicado pelo autor da ação, corre este o risco de, além das custas pagas antecipadamente, ter ainda que arcar com honorários sucumbenciais.
Entendo, com os argumentos adiante expostos, que há flagrante inconstitucionalidade no citado artigo 292, V, do novo CPC.
Em primeiro lugar devo lembrar de que a Constituição Federal de 1988 trouxe o direito à indenização por danos morais como um Direito Fundamental[vii], na forma do seu artigo 5, X[viii], e ao tratar-se como tal há a necessidade de que haja uma proteção integral, não podendo o legislador ordinário, de forma alguma, mitigar a sua aplicabilidade.
Não se pode esquecer que os Direitos Fundamentais correspondem aos Direitos Humanos em nível interno[ix], e se estão positivados nesse grau é por que se revestem de uma importância ímpar, sobrepondo-se inclusive sobre outros direitos. Na verdade, os Direitos Fundamentais cumprem um papel fundamental na própria “concretização do moderno Estado Democrático de Direito”[x].
O inciso V, em comento, ao meu olhar, dificulta e até mesmo impede que as pessoas tenham a oportunidade de se socorrer do Judiciário quando entender tiveram seus direitos da personalidade violados, o que fere o princípio constitucional do acesso à justiça, que é também um Direito Fundamental, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, bem como também atenta contra a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)[xi].
O argumento de que há o socorro dos benefícios da justiça gratuita aos que não possam arcar com as custas ou mesmo honorários advocatícios é muito frágil, mas deixo para rebater este argumento em outra oportunidade por suscitar outras reflexões.
Mais uma observação que reputo oportuna, e sobre a qual não vi ninguém enfrentar ainda o tema, é que a indenização por dano moral tem por objetivo não só satisfazer a vítima, minimizando a dor ou o sofrimento desta, mas também tem por objetivo desestimular o autor a praticar novamente o ato inquinado de ilegal ou ilegítimo. Há mais, na fixação da indenização por danos morais deve ser levada em consideração a capacidade econômica do agente causador do dano. Nesse toar, há questões muito técnicas e complexas (vide as divergências de julgados, inclusive nos próprios tribunais superiores[xii] [xiii]) que o cidadão não está obrigado a conhecer.
Assim, quando se diz que o artigo 292, V do novo CPC, inibirá o ajuizamento de ações temerárias, aventureiras, esquece-se que também inibirá o ajuizamento de ações viáveis, sendo verdadeiro empecilho para o ajuizamento dessas ações e, via de consequência, um estímulo para que aumente o desrespeito em face aos direitos da personalidade. O inciso reveste-se, pois, de inconstitucionalidade por ferir dois preceitos constitucionais, dois preceitos que são também Direitos Fundamentais, o que é mais grave!
Autor: Francisco Soares Campelo Filho é advogado, mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS). Membro da Comissão Nacional de Educação Jurídica do Conselho Federal da OAB. Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Piauí (ESMEPI).