Por João José Sady
O Fórum Nacional do Trabalho já começa a divulgar em fatias alguns dos “consensos” por lá obtidos, o que torna possível um exame mais minucioso do que está sendo gestado naquele laboratório complexo.
Podemos começar pela declaração de caráter geral que parece nortear o pacote a ser divulgado:
“O novo marco normativo das negociações coletivas deve considerar a realidade dos setores econômicos, das empresas ou das unidades produtivas e as necessidades dos trabalhadores, ressalvados os direitos definidos em lei como inegociáveis”.
O que soa estranho é porque se diz que este será o novo marco das negociações coletivas, sendo que do exame da proposta o que se deduz é que a referida descrição do que venha a ser o novo marco não difere da sistemática vigente, adaptando-se perfeitamente aos pressupostos do mesmo sistema atualmente em vigor, se pretende reformar.
O modelo em vigor não é estranho à flexibilidade na atividade negocial, liberando as partes até o ponto de promoverem a redução do salário através da contratação coletiva. No mais, a verdade é que todo o sistema é perpassado pela idéia de que os direitos criados por lei são inegociáveis.
Este discurso de abertura, portanto, insinua claramente que a proposta consiste em dividir os direitos dos trabalhadores em duas categorias: os negociáveis e os definidos em lei como inegociáveis.
Esta impressão fica mais forte se observarmos outro princípio que por ali já foi referendado: “a lei não poderá cercear o processo de negociação coletiva”.
Em resumo, podemos constatar, por aí, que já temos dois grandes problemas no discurso do Fórum:
a) procura ocultar dos observadores a realidade das implicações de suas propostas;
b) recoloca em marcha a chamada Emenda Dornelles que previa a possibilidade dos patrões imprensarem os sindicatos para que abram mão de direitos previstos na lei.
Outro ponto que chama a atenção é que o coordenador do Fórum vem alardeando aos quatro ventos que o pacote amarrado por estas discussões propõe a extinção do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Não obstante, um dos primeiros consensos divulgados consiste em impor a incidência do mesmo automaticamente se alguma norma coletiva vier a expirar e não for renovada em certo prazo:
“Na hipótese de vencimento, o instrumento normativo será automaticamente prorrogado por 90 (noventa) dias. Este prazo poderá ser prorrogado de comum acordo entre as partes. No curso do prazo, não havendo entendimento direto, as partes poderão nomear árbitro de comum acordo. Na impossibilidade desta alternativa, o conflito será submetido à arbitragem pública por meio da Justiça do Trabalho, que deverá ser realizada em 10 (dez) dias. O instrumento normativo permanecerá em vigor até a decisão final da arbitragem pública”.
Esta mesma corrente que anuncia o tal do “consenso já obtido” no âmbito da FNT, também divulga que na próxima reunião vão discutir:
“Poder Normativo deve ser extinto”. Em resumo, vai ser extinto e continuará a existir sob o nome de Arbitragem Pública. No entanto, a proposta afirma mais adiante que “Não deve haver julgamento de objeto nem de mérito da greve”.
Para o Direito, objeto e mérito são a mesma coisa; mas, quer nos parecer que para o FNT, objeto é expressão que corresponde às reivindicações; e mérito seria correspondente à avaliação, se há ou não abuso do direito de greve.
Tal proposta a entendemos como pueril porque encontra óbice no comando constitucional disciplinado pelo artigo 5º, XXXV da CF-88, que não permite que qualquer lesão de direito seja excluída da apreciação do Poder Judiciário.
E como se trata de cláusula pétrea e não pode ser reformada, segundo dispõe o art. 60, § 4º, III, CF:
“§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais”.
Portanto a proposta é inconsistente, sendo que qualquer proposta que se pretenda o afastamento do acesso ao Poder Judiciário pelos patrões ou o Ministério Público para a apreciação de eventual alegação de ameaça, lesão ou supostos abusos, não tem pé nem cabeça, pois que esbarra em cláusula pétrea.
No mais, a maioria dos conceitos que se pretende “revolucionários” já divulgados correspondem à reinvenção da roda. Parece que aí está o verdadeiro motivo de excluírem das reuniões, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas e a própria ANAMATRA, objetivando a aprovação de redundâncias.
Os exemplos não faltam, ressaltando que as propostas de reforma correspondem às regras do jogo do modelo em vigor: a data-base já pode ser modificada pela vontade das partes.
Todavia, pela lei atual já há previsão de que seja possível a negociação direta pelos trabalhadores, no caso da recusa das entidades sindicais em negociar, já é proibido discriminar trabalhadores por causa da filiação ou ação sindical ou puni-los em razão da participação em greve, etc..
É estranho que se fale tanto em reforma do sistema de negociação e não se coloque em discussão algumas reivindicações históricas dos trabalhadores, tais como a do direito à reposição da perda inflacionária sofrida pelos salários ou à manutenção das cláusulas históricas da categoria.
É disparatado que se negocie a reforma trabalhistas em separado da reforma sindical, porque a negociação é só a vestimenta que se coloca para exprimir contratualmente aquilo que, no fundo, é um ato de força.
As pessoas se esquecem de que o conflito coletivo de trabalho é um conflito e, portanto, persistindo no truísmo, é resolvido mediante a capacidade de conflito dos agentes envolvidos.
Em suma: é resolvido pela força, pela pressão direta sobre a contraparte.
Como conseqüência disso, é preciso ver em que ponto a reforma vai potencializar a ação sindical e este desenho deve ser feito junto com as prescrições relativas aos contratos que vão surgir destas conflagrações.
O trágico em tudo isto é o que está ao fundo do cenário, ou seja: a capitulação dos agentes do mundo do trabalho diante da tese do Capital no sentido de que os problemas do mercado de trabalho vão ser resolvidos através de modificações na legislação trabalhista.
É preciso uma ruptura drástica e veemente com esta idéia vendida com sucesso pelas classes dominantes porque políticas públicas de redução direta ou indireta de direitos trabalhistas não vão resolver problema algum de nossa sociedade.
Ao contrário, a conclusão mais realista é que somente vão aumentar os lucros do Capital sem viabilizar uma retomada de crescimento que possa gerar emprego.
Os brasileiros não vão sair do atoleiro em que se encontram sem enfrentamentos drásticos e é muito triste que o governo não invista na expansão da reforma agrária, na recusa à submissão orçamentária a superavits primários acachapantes, redução da jornada de trabalho, etc..
Ao invés disto, investe na organização destes “conciliábulos” supostamente fraternos entre representantes do Capital e do Trabalho que partem da idéia absurda de que a luta de classes pode ser resolvida por um acordo discutido nos gabinetes de um Ministério.
É preocupante imaginar o que vai acontecer com este país quando dezenas de milhões de desesperançados que votaram pela mudança perceberem, finalmente, para onde estamos caminhando.
João José Sady é advogado, doutor em Direito das Relações Socais pela PUC/SP e professor no curso de Direito da Universidade de São Francisco, em São Paulo.