Falta de deliberação do pagamento do JCP não implica em renúncia

Autor:  Pedro Raposo Jaguaribe (*)

 

O presente artigo visa abordar, os principais aspectos legais relacionados à possibilidade de dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das despesas com Juros sobre o Capital Próprio referentes à variação da TJLP até a data da efetiva deliberação do pagamento.

Por se tratar de controvérsia ainda muito vacilante na esfera administrativa e longe de ser assentada pelo judiciário, faz-se necessário uma breve análise do instituto previsto no artigo 9˚, caput da Lei 9.249/1995.

Histórico dos juros sobre o capital próprio (JCP)
O instituto de remuneração de sócios ou acionistas mediante o pagamento de Juros sobre o Capital Próprio está previsto no nosso ordenamento jurídico desde o ano de 1940, quando a antiga Lei das Sociedades Anônimas já previa os juros pagos aos acionistas assim como à determinação do limite da taxa destes na ordem de 6% ao ano.

Todavia, foi a partir do Projeto de Lei 913/1995 assinado pelo então ministro Pedro Malan que se deu origem a Lei 9.249/1995 que, em seu artigo 9˚, instituiu o JCP nos moldes em que se conhece hoje, verbis:

Art. 9˚ A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

§1˚ O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados (Redação dada pela Lei 9.430, de 1996)

§2˚ Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.

§3˚ O imposto retido na fonte será considerado:

I – antecipação do devido na declaração de rendimentos, no caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real;

II – tributação definitiva, no caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado, os juros de que trata este artigo serão adicionados à base de cálculo de incidência do adicional previsto no §1˚ do art. 3˚. (Revogado pela Lei n˚. 9.430, 1996)

§5˚ No caso de beneficiário sociedade civil de prestação de serviços, submetida ao regime de tributação de que trata o art. 1˚ do Decreto-Lei n˚. 2.397, de 21 de dezembro de 1987, o imposto poderá ser compensado com o retido por ocasião do pagamento dos rendimentos aos sócios beneficiários.

§6˚ No caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real, o imposto de que trata o §2˚ poderá ainda ser compensado com o retido na ocasião do pagamento ou crédito de juros, a título de remuneração de capital próprio, a seu titular, sócios ou acionistas.

§7˚ O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendos de que trata o art. 202 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo do disposto no §2˚.

§8˚ Para fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, não será considerado o valor de reserva de reavaliação de bens ou direitos da pessoa jurídica, exceto se esta for adicionada na determinação da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido.

Vale lembrar que esta mesma lei extinguiu a correção monetária de balanço. Com a criação do Plano Real, os elevados índices de inflação foram contidos, não havendo mais necessidade para a manutenção da correção monetária dos balanços.

Dessa forma, a criação do instituto do JCP objetivou incrementar as aplicações produtivas nas empresas brasileiras, equiparando a tributação dos diversos tipos de investimento em capital e a adoção de política tributária moderna e compatível com aquela praticada pelos demais países emergentes.

A introdução do JCP no bojo desta reforma econômico-tributária visou não só tornar vantajoso os investimentos realizados pelos sócios nas empresas, de forma à não desvalorizar o investimento em capital, mas também priorizar os investimentos efetuados a títulos de mútuos. Assim, permitiu-se a dedutibilidade dos pagamentos efetuados até o limite da TJLP.

A Taxa de Juros de Longo Prazo, com o advento da Medida Provisória 1.921/1999, passou a ser calculada a partir da meta da inflação, calculada pro rata para doze meses seguintes ao primeiro mês de vigência da taxa.

Assim, o instituto foi criado para incentivar o investidor nacional e estrangeiro a investir capital no país, remunerando-o não só pelo seu capital investido mas também com a aplicação da taxa TJLP, garantindo que o investimento não fosse corroído pela inflação.

Natureza jurídica do juros sobre o capital próprio
No decorrer dos anos, o dispositivo legal acima mencionado sofreu diversas modificações, sendo a última realizada mediante à conversão da Medida Provisória 627/2013 na Lei 12.973/14, responsável, dentre outras, pela revogação do Regime Tributário de Transição (RTT), trazendo diversas adaptações à nova estrutura contábil de contas de capital, o que resultou na atual redação vigente do dispositivo em comento:

Art. 9˚ A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

§1˚ O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados (Redação dada pela Lei 9.430, de 1996)

§2˚ Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.

§3˚ O imposto retido na fonte será considerado:

I – antecipação do devido na declaração de rendimentos, no caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real;

II – tributação definitiva, no caso de beneficiário pessoa jurídica tributada não tributada com base no lucro real, inclusive isenta, ressalvado o disposto no §4˚;

§5˚ No caso de beneficiário sociedade civil de prestação de serviços, submetida ao regime de tributação de que trata o art. 1˚ do Decreto-Lei n˚. 2.397, de 21 de dezembro de 1987, o imposto poderá ser compensado com o retido por ocasião do pagamento dos rendimentos aos sócios beneficiários.

§6˚ No caso de beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real, o imposto de que trata o §2˚ poderá ainda ser compensado com o retido na ocasião do pagamento ou crédito de juros, a título de remuneração de capital próprio, a seu titular, sócios ou acionistas.

§7˚ O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendos de que trata o art. 202 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo do disposto no §2˚.

§8˚ Para fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, serão consideradas exclusivamente as seguintes contas do patrimônio líquido:

I – capital social;

II – reservas de capital;

III – reservas de lucros;

IV – ações em tesouraria; e

V – prejuízos acumulados.

§11. O disposto neste artigo aplica-se à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

§12. Para fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, a conta capital social, prevista no inciso I do §8˚ deste artigo, inclui todas as espécies de ações previstas no art. 15 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ainda que classificadas em contas de passivo na escrituração comercial.

Nesse sentido, a Secretaria da Receita Federal, por meio da Instrução Normativa SRF 11, de 21 de fevereiro de 1996, em seus artigo 29 a 31, regulamentou o tratamento tributário do pagamento dos juros sobre o capital próprio, determinando que o JCP pago ou creditado deve ser registrado em conta de despesa financeira.

De outro lado, no que tange aos aspectos societários, a Comissão de Valores Monetários em 13 de dezembro dispôs, por meio da deliberação CVM 207, sobre a forma de contabilização dos juros para as sociedades anônimas de capital aberto, determinando que os juros pagos ou creditados devem ser computados diretamente à conta de lucros acumulados, sem afetação do resultado de exercício.

Notamos aqui uma certa incompatibilidade com esses dois regramentos, o que gerou intensos debates doutrinários quanto a real natureza jurídica dos juros sobre o capital próprio. De um lado, a IN SRF 11/96, determinava o registro do JCP em conta de despesa financeira e, ao seu turno, a orientação da Deliberação CVM 207 era no sentido de que os juros pagos deveriam ser computados à conta de Lucros Acumulados, sem afetar o resultado do exercício.

Com o passar do tempo e com a mudança do padrão contábil efetuado por meio da Lei 11.638/07, surgiu a necessidade de adequação da legislação fiscal ao novo regramento. Dessa forma, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), por meio da interpretação técnica ICPC 08 (R1) determinou que o tratamento contábil do JCP deveria ser o mesmo concedido aos dividendos obrigatórios. Assim, a Instrução Normativa RFB 1.515/14 determinou que a dedução contábil dos JCP não mais seriam vinculadas à necessidade de registro em contrapartida de despesa, permitindo sua exclusão direitamente na Parte A do LALUR.

Nesse aspecto, ao analisar o artigo 9˚, da Lei 9.249/95 e as normas aplicáveis, podemos concluir que os Juros sobre o Capital Próprio possui uma natureza jurídica híbrida. Ou seja, não obstante o valor do JCP pago poder ser descontado dos dividendos obrigatórios, sua natureza não pode ser equiparada a estes.

Isso porque o dispositivo legal determina que sejam observadas condições de ordem societária ao dispor que o pagamento só poderá ser efetuado se existir “lucros computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior a duas vezes os juros a serem pagos ou creditados” e fiscal, quando determina como condição para dedução do lucro real a observância do limite da taxa TJLP.

Aspectos contábeis – registro da despesa
A controvérsia relativa a dedutibilidade das despesas financeiras geradas pelo pagamento do JCP ainda está longe de ser pacificada. Em regra, a celeuma gira em torno da observância ou não do regime de competência. Ou seja, a despesa é considerada como incorrida no momento da deliberação em Assembleia ou no ano do crédito ou pagamento do JCP.

Alguns entendem que o os Juros sobre o Capital Próprio são dedutíveis ainda que não ocorra a contabilização destes no período base correspondente, desde que sejam escriturados como exclusão no LALUR e contabilizados no período base seguinte como ajuste de exercício anterior.

Ocorre que esse entendimento, por mais engenhoso que o seja, não faz nascer a figura da despesa incorrida. Em outras palavras, a contabilização no período base correspondente é condição para dedutibilidade dos JCP e, por se tratar de uma opção do contribuinte, sem que esta exista, não há despesa incorrida.

Também existe o entendimento, por parte das autoridades fazendárias, de que se não houver a deliberação do pagamento dos juros, a empresa estaria renunciando o seu direito e, em razão disso, não poderia imputar a exercícios passados os efeitos de uma deliberação societária presente.

Entendo que essa linha de raciocínio carece de razão ao afirmar que os juros que não foram pagos em determinado exercício já encerrado configuraria uma renuncia dos sócios da dedutibilidade prevista em lei.

Isso porque a legislação de regência determina que a observância do regime de competência não é determinada pelo critério de apuração, mas sim pelo pagamento ou crédito ao sócio ou acionista, decorrente da deliberação expressa em Assembleia.

Nesse sentido, entendemos que o princípio da competência é cumprido no momento em que à despesa com o JCP é deliberada aos sócios ou acionistas sobre o pagamento ou crédito destes juros, ainda que o capital remunerado tome como base períodos pretéritos, desde que respeitados os limites previstos na lei na data da deliberação.

Assim, nada obsta a distribuição acumulada do JCP, desde que provada, ano a ano, ter esse sido passível de distribuição.

Considerando que o pagamento de JCP é uma faculdade conferida às pessoas jurídicas e que depende de deliberação dos seus respectivos sócios ou acionistas, o registro dos juros no passivo somente pode ocorrer quando este for caracterizado como uma obrigação.

Ou seja, a obrigação de pagar ou creditar os Juros sobre o Capital Próprio somente existe quando da deliberação pelo seu pagamento. Sem essa deliberação, não existe obrigação assumida e sim, mera expectativa de direito.

Dessa forma, não assiste razão à assertiva de que o registro contábil da variação da taxa TJLP referente a períodos pretéritos deve ser contabilizada em cada ano pois, nestes anos se não houve deliberação, não existe obrigação.

A grande celeuma acerca da violação do princípio da competência, no meu ponto de vista, refere-se à uma confusão entre a regra contábil (regime de competência) e fiscal (variação da taxa TJLP).

A observância da regra contábil diz respeito ao momento contábil em que deve-se contabilizar a despesa, que, como já explicitado, é o momento da deliberação do pagamento.

No que concerne à regra fiscal, a variação da taxa TJLP para fins de dedutibilidade que deve ser aplicada é aquela referente ao período em que o patrimônio líquido ainda não foi remunerado, permitindo que o investidor seja compensado pela extinção da correção do balanço e, por conseguinte, que o investimento não seja corroído pela inflação.

À motivo da criação do artigo 9º da Lei 9.249/1995 foi, dentre outras, motivar o investidor no capital a longo prazo; Limitar a dedutibilidade seria um desestímulo ao investimento na medida em que o capital investido não seria atrativo, considerando a possibilidade do investidor optar pelo investimento em empréstimos, cuja dedutibilidade não encontra nenhuma limitação.

No que tange ao argumento de que a ausência de deliberação societária configura uma renúncia à dedução dos JCP, tal entendimento também não merece amparo. Isso porque o exercício da atividade empresarial é livre, sendo plenamente possível que os sócios ou acionistas deliberem pelo pagamento dos juros em um exercício em que as condições sejam favoráveis para tanto.

Em outras palavras, se em determinado exercício configura-se a impossibilidade do pagamento dos JCP, seja por motivos de insuficiência de caixa, lucros acumulados ou lucros do exercício ou seja para atender metas de investimento da empresa, não há o que se falar em renúncia à dedução de despesa se está já foi reconhecida.

Ou seja, se repeitado o momento de reconhecimento da despesa contábil, os Juros sobre o Capital Próprio podem ser deduzidos retroativamente desde que se respeite a variação da TJLP.

Conclusão
Considerando que o instituto dos Juros sobre o Capital Próprio foi criado para se adequar a realidade econômica do país após o Plano Real, objetivando melhorar a tributação dos diversos tipos de investimento em capital para adotar uma política tributária moderna e compatível com os demais países emergentes, entendemos que a a limitação do período de variação da TJLP configura um desestímulo ao investimento a longo prazo, tendo em vista as outras formas de investimento.

Ademais, a aplicação da taxa TJLP calculada com base na meta da inflação indica que o JCP visa, além de remunerar o capital investido pelo investidor, evitar que o investimento realizado seja desvalorizado pela inflação.

Assim, conquanto a obrigação legal de pagamento do JCP surge apenas no momento da ocorrência da deliberação dos sócios ou acionistas e o registro contábil de um passivo e de sua respectiva despesa exigem a existência de uma obrigação, o exercício contábil para o registro da despesa é naquele em que houve a deliberação do seu pagamento.

Dessa forma, não pode prevalecer a visão de que a falta de deliberação do pagamento do JCP em determinado exercício importa em renúncia ao direito de dedutibilidade da despesa, por não se tratar de um benefício, e sim de uma norma de apuração do tributo. Ademais, cabe ratificar que a Lei 9.249/95 em seu artigo 9˚ e a IN SRF 11/1996 não limitam a variação da taxa TJLP apenas ao ano de deliberação do pagamento.

 

 

 

 

 

Autor:  Pedro Raposo Jaguaribe é especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP; LL.M (Masters of Law) pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais de Brasília – IBMEC; Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/DF; Membro do Grupo de Pesquisa de Direito Tributário da Universidade de Brasília – UnB; Advogado em Brasília.


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