por Vítor Almeida
A nova Lei de Falências ou Lei de Recuperação de Empresas, que entrou em vigor em junho, foi aguardada por mais de uma década por empresários, credores e trabalhadores de empresas em dificuldades financeiras. A louvável iniciativa de possibilitar às companhias a manutenção de suas atividades, no entanto, está ameaçada — essencialmente pela ausência de norma que regulamente os parcelamentos tributários das corporações em processo de recuperação judicial.
Primeiramente cabe esclarecer as boas notícias. A nova lei introduziu vários avanços, sendo o principal deles a mudança de foco, que busca a preservação da função social da empresa, abrindo a possibilidade de, em se demonstrando viável, continuar a desenvolver suas atividades em condições especiais. Outro benefício está na alteração da fila de credores, que passa a adotar a seguinte ordem: 1º) Trabalhadores, com preferência de crédito garantida até o limite de 150 salários-mínimos; 2º) Credores com garantia real, entre os quais se destacam as instituições financeiras; 3º) Créditos tributários; 4º) Credores sem garantia real.
A mudança na ordem da fila de credores limita o crédito preferencial dos trabalhadores, evitando assim a possibilidade do desvio de recursos por meio de processos trabalhistas fraudulentos. O risco dos empréstimos e financiamentos também acaba sendo minimizado pela concessão de maior garantia aos bancos, o que facilita sobremaneira o fomento da atividade econômica.
Entre os pontos positivos também se pode incluir a indicação de um administrador judicial profissional; inexistência de sucessão tributária e/ou previdenciária, no caso de aquisição por uma outra empresa; elaboração de um plano de recuperação da companhia para o saneamento das causas de sua crise; envolvimento dos credores na aprovação e acompanhamento do plano de recuperação, por meio da Assembléia Geral de Credores; e incentivo ao financiamento e ao fornecimento de insumos às companhias em recuperação, uma vez que suas fornecedoras terão créditos considerados como extra-concursais – ou seja, pagamento preferencial em relação aos demais credores.
Mas nem tudo são flores. O sucesso efetivo da nova lei ainda esbarra em dois importantes detalhes, intimamente relacionados ao poder público. É preciso a aprovação urgente de norma complementar que discipline condições especiais de parcelamento dos débitos fiscais das empresas, além da adequação do Poder Judiciário para atender de maneira rápida e eficaz essas novas demandas.
O projeto que tramita atualmente prevê condições de parcelamento menos benéficas que aquelas concedidas às empresas que aderiram ao Refis, com prazos menores e taxa de correção maior. No mínimo um contra-senso, a julgar que as empresas em processo de recuperação estão em condição mais desfavorável e, por uma questão lógica, necessitam de melhores condições de pagamento.
Para a viabilização do plano de recuperação, é necessária a participação de todos os credores da empresa. Estes negociam a concessão de condições especiais de pagamento da dívida, com melhores prazos ou até mesmo descontos, buscando garantir ao menos o recebimento do valor principal do débito existente, além de preservar a empresa e os empregos por ela gerados. Desta forma, não poderíamos esperar do poder público, que em geral é um dos maiores credores e interessados na manutenção da empresa, menos comprometimento na concessão de condições facilitadas de pagamento do que aquelas concedidas pelos credores da iniciativa privada.
Tendo em vista que, via de regra, todas as companhias nessa situação possuem débitos tributários e/ou previdenciários, a rápida correção desta falha e a apresentação de um plano que permita o parcelamento das dívidas em condições realmente diferenciadas é condição sine qua non para que a nova lei atinja o seu objetivo.
Prós e contras à parte, torna-se evidente a necessidade de adoção de um levantamento detalhado dos ativos, passivos e estratégias da empresa, com consultorias externas e especialistas de diversos ramos (administradores, economistas, contadores e advogados) indicando caminhos e possibilidades, conferindo maior segurança aos credores.
O plano de recuperação deve transmitir credibilidade, além da possibilidade factível de manutenção da atividade para o saneamento das dívidas, em determinado prazo, mediante negociações e concessões mútuas entre devedor e credores. Um bom planejamento revela o histórico da empresa, sua atual condição, os motivos que a levaram à crise, o cenário do seu segmento de mercado (em curto, médio e longo prazo), os mecanismos que pretende utilizar para se reabilitar, além de uma organização minuciosa de metas para sua reabilitação e o cronograma de pagamento dos credores.
Vencidas as etapas de levantamento da situação da empresa, do planejamento e da elaboração e negociação do plano de recuperação, torna-se imprescindível o acompanhamento das metas estabelecidas, ou mesmo a adequação destas metas às eventuais alterações das condições do mercado, com o apoio de auditorias externas. Isto é mostra de credibilidade e transparência para os maiores interessados na recuperação – os credores.
Com o check-up completo em mãos, restará às empresas aguardar a iniciativa dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Sem abarcar os débitos tributários, a nova lei corre risco de se tornar inócua. O objetivo de recuperação de companhias deve ser pleno – afinal, a busca pela sobrevivência empresarial, aliada à organização e planejamento, é garantia de postos de trabalho e economia em movimento. O Brasil agradece.
Revista Consultor Jurídico