Favor que a mídia faz ao MP pode ser cobrado no futuro

por Humberto Togashi Takara

O Ministério Público do Estado de São Paulo produziu, em conjunto com uma agência de publicidade, uma série de três vídeos institucionais, cada um com trinta segundos, na qual procuram defender a idéia de que devem atuar na investigação criminal. Sob o slogan “com o Ministério Público não tem mistério”, os vídeos já foram exibidos, em gesto bastante altruísta, gratuitamente, pela Rede Globo de Televisão. A campanha vai além e promete contar com a cooperação de uma estrela global. Conforme afirmações do promotor Roberto Livianu, publicadas na Revista Consultor Jurídico de 6 de julho, há, ainda, acordos de exibição gratuitos com grandes cadeias de cinema de São Paulo.

Tal fato é bastante preocupante, sobretudo, se verificarmos que se trata de uma campanha da própria instituição (Ministério Público), ou seja, está longe de ser uma simples campanha de associações ou entidades defensoras das prerrogativas dos promotores e procuradores. A situação se complica ainda mais, ao verificarmos que está sendo veiculada gratuitamente por uma grande rede de comunicação.

Não há como negar que a pior situação possível ocorre quando órgãos fundamentais à Justiça se deixam cair na armadilha de se comprometer com veículos de comunicação. Enfim, o presente caso produziu uma mácula difícil de ser apagada: o comprometimento da isenção do próprio Ministério Público, enquanto instituição. Já dizia Maquiavel a respeito do perigo das alianças: “Um príncipe deve ter o cuidado de não se aliar com um mais poderoso, se não quando for impelido pela necessidade, porque, vencendo, se tornará presa do aliado; e os príncipes devem evitar a todo custo estar à mercê de outro.” Acho difícil que o favor de hoje não seja a obrigação de retribuir amanhã.

Até certo ponto é explicável que redes de cinema estejam de bom grado se prontificando a ajudar o MP a veicular a campanha, afinal, quem não quer agradar o fiscal da lei? Mas por que estas redes de cinema não se mostram tão dispostos a veicular campanhas de doação de sangue, aleitamento materno? E se, amanhã, resolverem exibir gratuitamente os feitos de ex-prefeitos ou políticos, em pleno período eleitoral? Está o MP dando o exemplo?

Alguém poderia argumentar que o profissionalismo dos membros do MP seria suficiente para evitar qualquer troca de favores. Contra tal assertiva, convém lembrar uma passagem do historiador romano Suetônio, na qual narra um fato que teria ocorrido com Caio Júlio César:

“Quando foi chamado a servir como testemunha contra Público Clódio, acusado de sacrilégio por ser amante de sua mulher Pompéia, respondeu que de nada sabia, apesar de sua mãe Aurélia e sua irmã Júlia terem dito toda a verdade aos mesmos juízes. Perguntaram-lhe, então, por que havia repudiado a mulher. Ele respondeu: ‘Porque os meus devem estar isentos não só do crime, mas, também, da suspeita’” (Suetônio, A vida dos doze Césares, São Paulo: Ediouro, 2002, p. 73)

Enfim, como a mulher de César, não basta apenas ser honesta, deve parecer honesta. O fato do Ministério Público do Estado de São Paulo estar realizando acordos com redes de cinema e de televisão faz com que os casos futuros, nos quais eventualmente tais redes devam figurar no pólo passivo de alguma ação pública, estejam eivados da suspeita de leniência.

O presente debate deixou de ser jurídico e se tornou político. Tal fato tem como corolário o comprometimento cada vez maior da percepção de isenção deste tão importante órgão com que conta a democracia brasileira, na medida em que faz alianças tão perigosas. Melhor seria se a campanha fosse paga com o dinheiro dos próprios procuradores e promotores, uma vez que o debate diz respeito à defesa de suas prerrogativas. O interesse público pede isso.

Humberto Togashi Takara é delegado de Polícia Federal.

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