Por Fernando Alves de Oliveira
Os sindicatos brasileiros estão em clima de forte agitação, nervosismo e de incontida apreensão com a publicação pelo Ministério do Trabalho da Orientação Normativa 1 do Ministério do Trabalho, publicada no Diário Oficial da União de 26 de agosto último. Ela decore de cumprimento ao acórdão do Tribunal de Contas da União de 1.663/2010, que em seu item 9.2 obriga o aludido Ministério à expedição de: “orientação formal dirigida às entidades sindicais no sentido de que promovam ajustes em seus planos de contas de modo a segregar contabilmente as receitas e as despesas decorrentes da contribuição sindical instituída nos artigos 578 a 610 da CLT, com as alterações da Lei 11.648/2008, a fim de assegurar a transparência e viabilizar o controle da aplicação de recursos públicos.”
O que levou o Tribunal de Contas da União a este ato foi uma representação formulada pelo do deputado federal Ronaldo Caiado, líder do Partido dos Democratas na Câmara dos Deputados, relativa a indícios de irregularidade na aplicação dos recursos da contribuição sindical (arts. 578 a 610 da Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT), “consistentes na realização de pagamentos a pessoas físicas que não integrariam as categorias representadas pelas entidades sindicais nominadas pelo representante, a fim de aumentar o contingente de pessoas em determinadas passeatas e manifestações em Brasília contra os responsáveis pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade e sua representante maior a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST)”.
Isto significa a obrigatoriedade de separação contábil de receitas sindicais. Sendo a oriunda da contribuição sindical obrigatória a mais proeminente (seja ela de trabalhadores ou de patrões), não poderá mais ser utilizada em despesas que não as constantes do artigo 592 da CLT, que elenca o rol de sua aplicação.
O fator determinante dessa resolução do TCU emanou de ocorrência desavergonhada acontecida em 2009 e consta em detalhes de meu artigo escrito à época sob o título “Governo sustenta sindicatos mas não os fiscaliza”, publicado pela Consultor Jurídico e outras mídias. A indagação recorrente e pertinente não poderia ser outra: mas será que isso de forma isolada bastará para moralizar o sindicalismo brasileiro?
Claro que não, pois nosso sistema sindical deriva de um modelo dos anos 40 da ditadura de Vargas, incorporado de vícios e mazelas acumulados ao longo do tempo por uma legislação (que igualmente abrange a trabalhista) anacrônica e absolutamente carcomida, em completa dissintonia com o Brasil gigante do Século XXI. Engraçado como há governantes nesta terra de Cabral que se enchem de orgulho ao proclamar nosso país como um dos líderes dos emergentes. E realmente assim é. Porém, com total desfaçatez jogam para debaixo do tapete um monturo que é como pode ser chamado nosso sistema sindical, digno, quando muito, de uma republiqueta de bananas!
Triste retrato do Estado — quer na figura do Executivo ou do Legislativo — ambos indolentes, parasitários e reféns do contingente que domina a imensa banda podre do sindicalismo nacional. Quer laboral ou patronal.
Está mais do que provado que reforma sindical não dá votos a quem deseja permanecer soberano e irremovível no poder. Ao contrário, tira, porque funciona como um dínamo do mal que, ao alimentar política e eleitoralmente quem se perpetua no poder, devora sofregamente tudo o que está ao seu alcance. Voraz e impunemente. Daí a razão de que nem mesmo o ex-presidente, famoso originário do meio e dele catapultado para a vida política, teve o menor interesse em mudar o quadro. Passou ao largo. Fingiu-se de morto.
Não bastasse sua triste capitulação, culminou por enodoá-lo ainda mais. Além de não efetuar a prometida “reforma sindical para valer”, entoada em célebres cantilenas desde os idos tempos de suas perorações públicas de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, olvidou os termos da Proposta de Emenda Constitucional 252, de maio de 2000, apresentada pelo PT dois anos e meio antes dele assumir o poder. O documento em questão dormita até hoje nos anais da Câmara Federal. Quem duvidar que consulte e leia o lá está escrito e jamais foi feito em oito anos de governo.
Mas foi célere na oficialização das centrais sindicais (entes espúrios na legislação sindical). Mais que isso, foi dele a iniciativa de contemplá-las com a metade dos 20% que cabem ao MTE do bolo sindical, resultante de cada contribuição sindical descontada dos trabalhadores deste país, ato até hoje objeto de contestação jurídica, através de pendenga ainda tramitando no Supremo Tribunal Federal. Em contrapartida, porém, recebeu o queria: apoio político e eleitoral. Era o que importava, claro!
E capitulou de vez, ao eximir o Estado da fiscalização dos sindicatos. Os recursos oriundos da contribuição sindical para quem ainda não sabe, é dinheiro público, sim! Trata-se de tributo de ordem parafiscal, abrigado altivamente no artigo 149 da Constituição Federal. Como tal, deveria ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União e não pelo conselho fiscal de cada entidade, o que significa simplesmente permitir, sem generalização, é claro, que raposas tomem conta do galinheiro!
Parabéns ao TCU. Tomou a medida inicial moralizadora que o Executivo ou Legislativo não tiveram coragem de adotar até hoje, decorridos 70 anos dessa legislação espúria, ficando tão somente na enganadora oratória de palanque. Daqui por diante, o sindicato que gastar um real da conta da contribuição sindical naquilo que não está elencado no artigo 592 da CLT, estará sujeito às cominações legais.
No âmbito sindical, como em tantos outros da vida nacional, a sociedade está farta de conversa mole, bravatas e falácias sem fim. Quer ações. Como esta do TCU prova que não se deixou aparelhar por aqueles que visivelmente só querem preservação e perenidade de poder.
Fernando Alves de Oliveira é consultor sindical patronal e autor dos livros O sindicalismo brasileiro clama por socorro e S.O.S. Sindical.