Fisco tem teses conflitantes sobre IRRF em remessas envolvendo softwares

Autores: Mauro Berenholc, Ana Carolina Carpinetti e Gustavo Yunes (*)

 

A Solução de Consulta 154, assinada em 18 de novembro de 2016 pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), aponta entendimento das autoridades fiscais de que há incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nas remessas ao exterior em contraprestação pelo direito de duplicação e comercialização de software (ainda que de prateleira).

A consulta apresentada tinha como escopo questionar a Receita Federal do Brasil (RFB) se a remessa ao exterior em contrapartida ao recebimento de autorização para reproduzir e comercializar software no Brasil deveria ser tratada como remuneração pela exploração de um direito, enquadrando-se no conceito de royalties, com a consequente incidência do IRRF, ou meramente como preço pago pela aquisição de mercadoria (software) para posterior comercialização ao consumidor final, sem, portanto, a incidência do IRRF.

Para enfrentar a questão colocada, as autoridades fiscais fizeram a distinção entre a venda do software acompanhado da licença de uso do mesmo (supostamente prevista no artigo 9º da Lei 9.609/1998) do contrato de licença para reproduzir e comercializar o software (supostamente previsto no artigo 10 da norma).

Feita essa “distinção” entre a licença de uso e a licença de comercialização do software, as autoridades fiscais indicaram que o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 176.626-3/SP, no sentido de que o software de prateleira deve ser tratado como se mercadoria fosse, somente seria aplicável aos casos de “licenciamento ou cessão do direito de uso” de programas de computador, e não nos casos de “licenciamento para reproduzir ou comercializar” o software.

Na visão do Fisco, nos casos em que há contratação do direito de duplicar e comercializar o software acompanhado de licença de uso no Brasil não se trata de uma venda do produto,  mas de remuneração de um direito e as respectivas remessas estariam, assim, sujeitas à incidência do IRRF nos termos previstos no artigo 710 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99).

Não obstante, em pese o posicionamento firmado pela RFB na SC 154/2016, cumpre mencionar que, em 2008, a própria Cosit já havia analisado o assunto por meio da Solução de Divergência 27 (SD 27/2008), na qual decidiu em sentido diametralmente oposto no que diz respeito à incidência do IRRF nas remessas ao exterior em contraprestação pelo direito de duplicação e comercialização de software. A SC 154/2016 e a SD 27/2008 tratam, portanto, da mesma hipótese de “remessas ao exterior para pagamento pela licença de direitos de comercialização de software”.

Assim, em 2008, autoridades fiscais foram provocadas a esclarecer a divergência existente entre a Solução de Consulta 169/2003 e outras seis soluções de consulta, dentre elas a SC 39/2002, que conflitavam justamente acerca da incidência do IRRF nas concessões de licença de comercialização de software de prateleira ao exterior.

Ao final, na SD 27/2008 adotou-se o entendimento de que, à luz da legislação brasileira, as remessas ao exterior realizadas como pagamento pela aquisição ou pela licença de direitos de comercialização de software, sob a modalidade de cópias múltiplas (“software de prateleira”), não se enquadravam como remuneração de direitos autorais (royalties) e, portanto, não estariam sujeitas à incidência do IRRF.

Dessa forma, a nosso ver, a SC 154/2016 possui vício formal, na medida em que já existia Solução de Divergência sobre o mesmo assunto e não houve qualquer alteração legislativa que pudesse justificar a mudança de posicionamento por parte das autoridades fiscais que estão, portanto, vinculadas ao posicionamento anteriormente manifestado, nos termos previstos no artigo 22 da Instrução Normativa 1.396, de 16 de setembro de 2013 (IN 1396/2013).

Destaque-se ainda que as autoridades fiscais sequer mencionaram na SC 154/2016 a existência da SD 27/2008!

A existência de decisões conflitantes, proferidas pela mesma administração pública, coloca o contribuinte em uma situação de evidente insegurança jurídica.

Isso sem mencionar que o entendimento decorrente da mencionada decisão do STF (RE 176.626-3/SP) – que serviu como fundamento para ambas as decisões tomadas pelas autoridades fiscais (SD 27/2008 e SC 154/2016) – permanece inalterado, e desde então tem-se firmado posicionamento no sentido de que, ao se tratar de programas de computador sob a modalidade de cópias múltiplas (“software de prateleira”), não se aplica o enquadramento de royalty ao pagamento pela aquisição deste tipo de software.

Como consequência, não deve haver a incidência de IRRF nas suas correspondentes remessas de valores ao exterior.

Assim, a nosso ver, seja em razão da existência de Solução de Divergência já proferida pelo assunto, seja em razão do precedente do STF, o posicionamento das autoridades fiscais manifestado por meio da SC 154/2016 deveria ser reformado.

 

 

 

 

Autores: Mauro Berenholc é advogado, sócio do Pinheiro Neto Advogados.

Ana Carolina Carpinetti é associada sênior da área tributário do escritório Pinheiro Neto Advogados.

 Gustavo Yunes   é advogado associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.


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