O Brasil padece de um mal que todos percebem, mas fogem de enfrentá-lo, seja por falta de coragem de parecer impopular, seja por apego à inexplicáveis tradições. Para determinadas profissões, o emprego, tal como o conhecíamos, já é item em extinção.
Profissionais liberais e executivos —ou seja, aqueles que estão na parte de cima da cadeia produtiva e por esta razão recebem salários mais altos— cada vez mais são convidados a participarem de arranjos dos mais diversos, todos eles destinados a driblar a aplicação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e sua conhecida cauda de encargos agregados ao contrato de trabalho.
Dentre esses arranjos, destaca-se a opção preferencial pela constituição de pequenas pessoas jurídicas, que passariam a ser formalmente contratadas no lugar de seus titulares, embora os serviços continuem a ser prestados de modo personalíssimo, tal e qual no contrato de trabalho.
Trata-se de uma ilegalidade, sabemos todos —afinal, a CLT ainda não foi revogada e continua a impor a nulidade dos atos destinados a fraudá-la. Apesar disso, como a dinâmica da economia , sempre mais veloz que nossa capacidade de alterar as leis, já decretou que do jeito que estamos não poderíamos continuar, borbotam falsas pessoas jurídicas, espalhadas pelos mais diversos segmentos da economia, remunerando médicos, jornalistas, engenheiros, contabilistas, administradores e tantas outras profissões.
O arranjo tem ainda um componente adicional: estes profissionais, onerados com um imposto de renda que lhes toma em torno de um quarto do salário, passam a recolher consideravelmente menos imposto quando convertidos em “PJs” (pessoas jurídicas).
Novamente, o fato consumado agride uma norma de importância vital para o país, já que o Código Tributário Nacional determina que os negócios jurídicos praticados com o objetivo de dissimular a ocorrência de fato gerador de tributo devem ser desconsiderados pela administração —leia-se, a fiscalização.
E, de fato, diante da enxurrada de contratações de pessoas jurídicas que de jurídicas nada tem, os fiscais da Previdência e da Receita, andaram a punir sem dó e mesmo com notável exagero a contratação de profissionais através de contratos de prestação de serviço.
Daí, criou-se o ambiente para engendrar-se um manto protetor para a prática, a tão falada “Emenda 3”, que, no âmbito da unificação dos fiscais da Previdência com os fiscais da Receita, vem a ser uma proposta do Congresso Nacional destinada pura e simplesmente a proibir esses fiscais de aplicar a citada regra do CTN contrária à dissimulação do fato gerador, ou em bom português, a proibição de multar, mesmo que a ilegalidade exista.
Algo como colocar um band-aid em uma ferida profunda e em carne viva, adiando o problema do contratante e do profissional para a Justiça do Trabalho, se reclamação trabalhista houver.
Ora , esse não parece ser o meio mais eficaz de enfrentar o âmago do problema. O que a realidade econômica sinaliza é que nem os profissionais empregados aceitam entregar um quarto de seus soldos mensais quando assistem seus colegas liberais pagarem bem menos, nem as empresas suportam agregar sobre a verba que pagam a cada mês quase 28% de INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), 8% de FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), adicional de férias anuais e toda a sorte de penduricalhos que vão tornando cada vez mais penoso o simples ato de empregar alguém.
Sejamos sinceros: gente com nível superior, ganhos acima de 20 salários mínimos mensais, boa qualificação profissional, não precisa de uma lei rígida como a CLT para regular o descanso semanal remunerado ou o intervalo de refeição. É o caso típico em que, dado o poder de fogo de negociação do trabalhador, o negociado deve prevalecer sobre o legislado. Se alguém quer abrir mão de determinados direitos trabalhistas, em troca de uma maior remuneração, que o faça. Mas que tenha a liberdade de fazê-lo às claras, dentro da lei, com a segurança jurídica que se espera de uma negociação lícita.
Portanto, como adultos que somos, precisamos, urgentemente, debater às claras a urgente flexibilização das leis trabalhistas para quem ganha, digamos, mais de 20 salários mínimos, fazendo com que, ao menos para essa elite, a livre negociação seja a tônica da contratação, mantendo-se apenas um mínimo de proteção legislativa (como, por exemplo, assegurar o pagamento de determinados direitos rescisórios em caso de demissão). Façamos esse debate sem medo. Sem medo de ser feliz, como já nos ensinou, décadas atrás, um carismático sindicalista.
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Walter Monteiro é sócio do escritório Goes, Monteiro e Tocantins Advogados