Fukushima e os cuidados com a energia nuclear

Por Leonam dos Santos Guimarães

Desde 11 de março, o mundo olha para o Japão. Uma grande emoção surgiu diante das imagens de um terremoto e de um tsunami de violência milenar, com mais de uma dezena de mortos e desaparecidos, com as famílias que perderam tudo, com todas essas vidas para salvar, proteger e reconstruir. Uma grande emoção também foi desencadeada diante da situação crítica da central nuclear de Fukushima. A história está sendo escrita pelos homens e mulheres que enfrentam essa situação com uma coragem admirável.

Essa emoção é compartilhada por toda a indústria nuclear, já que ela é indissociável de sua prioridade das prioridades: a segurança das instalações. Essa cultura, essa obsessão pela segurança, está nos genes dos profissionais que dela fazem parte. É uma escola de humildade e uma mobilização permanente em busca da melhoria contínua, pois, quando se trata de segurança, nada nunca é definitivo.

É uma escola de realismo, também: nenhuma tecnologia é livre de falhas e dos riscos decorrentes. Gerenciar esse risco é o fundamento desta indústria. É a base sobre a qual toda ela se apóia para proporcionar à sociedade energia elétrica segura, limpa, confiável, e a um preço accessível.

O que está em jogo? Primeiramente, necessidades energéticas crescentes. A eficiência energética é um imperativo, mas ela não será suficiente para conter a dinâmica da demanda: mesmo com um esforço de economia de energia duas vezes mais importante do que o realizado na OCDE nestas últimas décadas, a demanda mundial de energia deve dobrar de hoje até 2050. E os recursos fósseis não são inesgotáveis.

Em seguida, segurança de abastecimento: a escolha política visionária e constante de países como França e Japão, por exemplo, durante os últimos cinqüenta anos tem permitido apesar das crises relativas à energia fóssil, garantir a manutenção em quantidade suficiente sua demanda energética.

Enfim, o clima: sabemos que temos um limite para a emissão de CO2. A humanidade está chegando a esse limite rapidamente. Limitar o reaquecimento do planeta a 2°C significa construir, no mundo, cada ano, durante vinte anos, 100 GW de usinas sem emissões, o equivalente de 60 centrais nucleares ou a 100.000 eólicas. Na França, por exemplo, onde o parque elétrico é mais de 90% hidráulico e nuclear, são emitidas menos de 7 toneladas de CO2 por habitante, contra mais de 11 toneladas na Dinamarca ou na Alemanha que contam com cerca de 50% de carvão.

Garantir a segurança das instalações nucleares e assegurar permanentemente sua eficácia e modernização é uma realidade cotidiana na indústria nuclear. Nessas circunstâncias, é claro, a humildade, assim como a responsabilidade, devem ser rigorosas.

Os acidentes nucleares severos na central de Fukushima Daiichi, ocorridos em 3 das 14 usinas nucleares afetadas pelo terremoto seguido de tsunami no Japão, tiveram reais conseqüências ao público, em termos de fatalidades e prejuízos à saúde, bem como ao meio ambiente, em termos de comprometimento do uso do solo, bastante limitadas quando comparadas às dimensões da terrível tragédia humana, social, econômica e ambiental causada por esse fenômeno natural excepcionalmente severo.

A ocorrência desses acidentes, entretanto, levou a todos os governos responsáveis, dentre eles o brasileiro, a uma reavaliação da segurança de suas usinas nucleares, mesmo aquelas que empregam tecnologia diferente daquela das usinas acidentadas no Japão, bem como do cronograma de seus respectivos programas de construção de novas usinas.

A reavaliação que está sendo feita no Brasil está focada nas lições aprendidas com recentes acidentes no Japão, que mostram a importância de serem reavaliadas as bases de projeto das usinas de forma a assegurar a disponibilidade dos sistemas de segurança diante de fenômenos naturais extremos e a definição de medidas adicionais para mitigação das conseqüências desses fenômenos, dotando as usinas de recursos complementares para controlar acidentes que excedam essas bases de projeto.

A reavaliação em andamento certamente as aperfeiçoará ainda mais, no processo de melhoria contínua no qual elas são permanentemente gerenciadas pela Eletrobrás Eletronuclear, e não impactará de forma significativa a expansão do parque nuclear nacional planejada, já que a geração elétrica nuclear desempenha um importante papel no sistema elétrico brasileiro.

No cenário de hoje, Angra 1 e Angra 2 contribuem de forma eficaz para a gestão segura do risco hídrico inerente do Sistema Interligado Nacional (SIN), cuja geração é, e ainda será por pelo menos 4 décadas a mais, majoritariamente baseada na hidroeletricidade, limpa, barata e renovável, caso único e exemplar para o mundo. O SIN vem requerendo mensalmente desde 2006 uma geração térmica mínima de 2.000 MWmédios, operando na base, além de mais 8.000 MWmédios térmicos complementares no pico de sua demanda. A geração nuclear é aquela mais adequada para atender a essa pequena parcela térmica que opera na base.

No cenário de amanhã, horizonte 2020, essa contribuição permanecerá, de forma manter a principal componente da expansão da oferta baseada em novos aproveitamentos hidrelétricos a fio d´água e a crescente geração eólica e biomassa, o que sujeita o SIN a sazonalidades ainda mais acentuadas que as atuais.

No cenário do futuro, horizonte 2035, essa contribuição crescerá em importância, pois se somará ao contexto um potencial hidrelétrico em vias de esgotamento.

Baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável é praticamente impossível elaborar qualquer cenário para os próximos 50 anos no qual, juntamente com as renováveis, não haja uma participação da geração nuclear.

A alternativa a isto seria exaurir os combustíveis fósseis, aumentando brutalmente a emissão de gases de efeito estufa, ou negar as aspirações de melhoria de qualidade de vida para bilhões de seres humanos que almejam sua efetiva inclusão social.

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