Aproxima-se o momento do julgamento, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, quanto à amplitude da atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O ponto central da discussão reside em definir se o CNJ possui competência concorrente ou subsidiária em relação a atuação das Corregedorias de Justiça.
A matéria se encontra regulada pelo artigo 103-B, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, onde é conferida ao CNJ a competência para “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário”. O dispositivo constitucional acrescenta que tal atribuição do Conselho deve ser exercida “sem prejuízo da competência” das corregedorias estaduais. O ponto fulcral, pois é assim, reside em definir a melhor interpretação de tal enunciado normativo.
A expressão “sem prejuízo de” é repetida na Constituição Federal por dezenas de oportunidades. Em todas elas, a interpretação adequada se dirige em concluir pela adição e não exclusão. Assim ocorre com o artigo 150, inciso I, ao estabelecer as garantias dos contribuintes; artigo 7º, XVIII, ao estabelecer o direito da licença à gestante; artigo 30, inciso III, sobre a obrigatoriedade de prestação de contas; e, de modo emblemático, o artigo 37, parágrafo 4º, pelo qual “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Em se tratando de punição a agente do poder estatal, a Constituição sempre admite o acúmulo de responsabilidades, utilizando-se a expressão em tela para significar aplicação concorrente, como exemplificam o artigo 52, parágrafo único e o artigo 86 da Constituição Federal.
Ao declarar constitucional a instituição do CNJ, julgando, no ano de 2005, a ADI 3.367, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência do Conselho como “Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura”. O ministro Cezar Peluso, então relator do julgado, bem ressaltou em seu voto, “Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição”. Para o relator da ADI, “o Conselho não anula, reafirma o princípio federativo”. E conclui: “O Judiciário necessita de um órgão nacional de controle, que receba as reclamações contra as atividades administrativas dos juízes e tribunais, assim como contra a qualidade do serviço judicial prestado”. Quanto à competência do CNJ para processar os desembargadores, o voto do relator é expresso, “o Conselho Nacional deve controlar diretamente os Tribunais”.
O Conselho Nacional de Justiça é instituição republicana, de matriz constitucional, possuidor de competência para efetuar o controle ético-disciplinar da magistratura. Sua atuação não é subsidiária em relação às corregedorias estaduais. A expressão “Sem prejuízo de” não exime, mas acresce; não obsta, mas soma; não exclui, mas complementa. As competências assim previstas coexistem de modo concorrente e não subsidiário. Funcionam as Corregedorias e o Conselho Nacional de Justiça, de modo a não ocorrer exclusão.
Com a devida reserva do respeito aos que possuem interpretação diversa, seria muito luxo para uma nação criar um órgão constitucional para atuar no banco de reserva das corregedorias estaduais. O CNJ, que tem se demonstrado não subserviente aos donos do poder, não há de ser declarado subsidiário, mantendo-se a plenitude de suas competências.
(*) Marcus Vinicius Furtado Coêlho é Secretário-Geral do Conselho Federal da OAB.