Gerar um filho para salvar outro

Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior,
promotor de Justiça aposentado e reitor da Unorp.

A imprensa noticiou que nasceu o primeiro bebê brasileiro selecionado geneticamente em laboratório, a menina Maria Clara. No caso noticiado, o casal tem uma filha que sofre de uma doença no sangue (talassemia major), que pode levar à morte. O casal resolveu ter um novo filho. Para tanto, cedeu material procriativo que foi manipulado em laboratório, com a finalidade de extirpar a doença genética do embrião e, posteriormente, com a compatibilidade, realizar o transplante das células-tronco do cordão umbilical na filha doente e preservar a recém-nascida da futura doença genética.

Numa explicação mais singela, poderia se imaginar um livro pronto para a impressão quando o editor descobre um defeito em determinada página e a substitui por outra correta, nos mesmos moldes das demais, sem qualquer prejuízo para a leitura.

A decifração do código genético é uma das maiores conquistas da humanidade. Conhecer a função que cada gene exerce no interior do DNA significa ler a informação genética e descobrir o código da vida. A ciência inclina-se para desvendar os genes responsáveis por determinadas moléstias, como alzheimer, síndrome de down, parkinson e outras, com a intenção de alterar o código genético e possibilitar a erradicação definitiva do mal.

O princípio da intocabilidade do embrião, é bom que se diga, já não tem aplicação plena, em razão dos avanços científicos na seleção dos embriões. Permanece sim a proibição de selecionar sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, mas não se questiona a realização do exame para diagnóstico pré-implantatório e testes genéticos visando verificar se o embrião é portador de alterações cromossômicas ou genéticas. Se a constatação for positiva, admite-se o procedimento corretivo.

No caso ora discutido não há qualquer escolha preferencial com relação a uma das vidas, sem qualquer confrontação ética. De um lado, os pais querem extirpar definitivamente a herança genética que poderá afetar outros membros futuros da mesma família. É, se assim se pode dizer, uma modalidade de legítima defesa do próprio patrimônio genético. A proposta parece inusitada porque até o presente o homem desconhecia esta intervenção médica. Não se pretende selecionar o sexo, a cor dos olhos, a altura e outros atributos como a encomenda que se faz dos “designer babies”. Nem gerar um Steve Jobs.

De outro, não há que se concluir que o segundo filho nasceu para ser o repositor de órgãos e tecidos ao que já se padece de doença grave. Mesmo que não haja um filho a ser beneficiado, a conduta do casal em querer eliminar a sombra da doença que afeta a família, é de fácil aceitação, pois vem revestida de ações preventivas de diagnósticos e terapias. É mais racional eliminar o mal no seu nascedouro do que, na idade adulta, viver alimentando-se de medicamentos e entupindo os leitos hospitalares, com remotas chances de reversibilidade da saúde.

Quem não pode afirmar que as doenças dos ascendentes não sinalizaram por muitos anos a sua ocorrência e canalizaram o final da vida por determinado caminho já anunciado?

O descendente, portador do mesmo mal, poderá censurar seus pais por não terem agido em sua vida embrionária. Da mesma forma, deverá ser proibida a implantação de embriões que sabidamente carregam defeitos congênitos e os pais desejarem compartilhar as anomalias com os filhos já existentes. Afinal, todo homem quer nascer saudável e viver com a melhor qualidade de vida.

eudesojr@hotmail.com

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