Gerenciamento de risco legal em saúde não evita apenas erros

Recente reportagem da revista Veja informou que há, em todos os níveis da Justiça brasileira, atualmente, 400 mil ações reclamando indenizações por “dano moral”. Na mesma reportagem, a revista informa que cresceu brutalmente, na última década, o número de contestações a esse tipo de ações em curso no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Eram 29 em 1993 e já são 2336 em 2003 — um salto espetacular e preocupante.

De um lado, esse salto mostra que os brasileiros estão mais atentos à defesa de seus direitos, tendo aprendido que a Justiça é o leito para o qual devem encaminhar suas queixas. De outro, mostra que a pratica também pode estar se vulgarizando, criando-se o hábito da reclamação pela reclamação ou da reclamação em busca de indenizações milionárias e descabidas ou, pior ainda, a indústria das indenizações.

Na área médica, o fenômeno não é muito diferente. Segundo dados compilados na literatura disponível pelo advogado Gilberto Baumann de Lima, da Associação Brasileira de Administração dos Riscos em Saúde, também é significativo o número de processos contra médicos e instituições de saúde: o Conselho Federal de Medicina (CFM) recebe 100 denúncias por semana e haveria um total de 300 mil processos desse teor em curso, atualmente, no país.

É um número grande ou pequeno? É impossível fazer uma análise absoluta, pois tudo depende de como se analisam os números envolvidos. Se levarmos em consideração que se fazem, por ano, no Brasil, 1,5 bilhão de atendimentos ambulatoriais e 12,5 milhões de internações hospitalares, o impacto do número de processos se dilui consideravelmente. Mas, nem por isso deixa de ser preocupante, pois, o que importa no caso, é a tendência de crescimento desse tipo de processos.

No meio hospitalar, as ocorrências que escapam da normalidade são denominadas eventos adversos. No artigo “Gestão de riscos no atendimento da saúde: por uma cultura de qualidade baseada na segurança”, o advogado Francisco Miranda Suárez, e a médica especialista em a saúde pública, May Chomalí Garib, ambos da Universidade do Chile, dão uma noção de grandeza de sua freqüência em países desenvolvidos.

Mostram que, em seu relatório referente ao ano 2000, o Departamento da Saúde no Reino Unido detectou a ocorrência de eventos adversos em 10% das hospitalizações, ou seja, em 850 mil hospitalizações por ano. Estudo realizado na Austrália, por eles comentado também, indica que naquele país ocorreram eventos adversos em 16.6% das admissões, provocando incapacidade permanente em 13,7% dos casos e morte em 4,1%. O interessante é que o estudo alerta que 51% desses eventos adversos eram previsíveis.

Do ponto de vista da administração hospitalar, as conseqüências de processos provocados por eventos adversos, resumidamente são: a perda de qualidade no atendimento médico-hospitalar e o potencial agravamento dos efeitos econômicos na prática médica, via a elevação de prêmios de seguro, aumento dos custos dos tratamentos, prática de medicina defensiva e outros.A essas conseqüências, já por si danosas, deve-se acrescentar outras que também provocam substanciais prejuízos: o dano à imagem da instituição hospitalar e o desconforto físico e psicológico gerado nos pacientes.

Estudos realizados nos EUA mostram que, no ano de 1999, o total de prêmios pagos em seguros para cobertura de danos adversos, remontou à extraordinária cifra de US$ 6 bilhões, sendo que os médicos ginecologistas-obstetras pagavam em média US$ 100 mil ao ano por suas apólices de seguro para poder trabalhar e que, mesmo assim 84% deles já haviam sido processados pelo menos uma vez na sua vida profissional.

Os hospitais além de exigirem que os médicos, para utilizarem suas instalações, tenham suas próprias apólices de seguro, variando, de acordo com a especialidade, de US$ 3 mil a US$ 150 mil, também gastam de US$ 2,5 mil a US$ 4 mil por leito, por ano, para cobrir seus próprios riscos.

Esses valores, agregados, incrementaram de tal forma os custos em saúde nos EUA e em outros países que, em muitos casos, inviabilizaram atendimentos de especialidades em algumas cidades e estados. Em outras, contribuíram para o fechamento de centenas de instituições de saúde, além de dificultar cada vez mais o acesso à saúde privada pelo cidadão comum. Houve casos que contribuíram para tornar os custos em saúde um dos principais itens de custo de certas empresas. É conhecido o da General Motors americana, que agrega o valor de US$ 1 mil por veículo produzido, devido às despesas com o plano de saúde de seus funcionários.

Os eventos adversos não são, infelizmente, totalmente evitáveis. Cabe aos administradores hospitalares criar as condições que os reduzam ao mínimo possível. Entre essas condições, a principal, e mais importante, é o estabelecimento de altos padrões de qualidade no atendimento ao paciente, obrigação mínima de qualquer instituição hospitalar. É necessário consolidar a utilização de protocolos que estabeleçam procedimentos, métodos, responsabilidades que sejam rigorosamente seguidos e assim permitam o rastreamento de qualquer atendimento realizado no hospital, do mais simples ao mais complexo o que poderíamos considerar um verdadeiro sistema de gestão de riscos.

Este gerenciamento exige, enfim, um mapeamento e rigoroso controle dos fluxos de atividades dentro dos hospitais, a implantação de uma cultura de compartilhamento de responsabilidades e cooperação entre equipes e uma atenção intensiva e próxima aos pacientes. É um esforço do qual todos saem ganhando; os hospitais, as equipes de médicos, enfermagem e demais funcionários e, principalmente, os pacientes. Não se trata apenas de evitar erros e evitar prejuízos, sejam morais, físicos ou financeiros, mas de ter a satisfação de oferecer serviços médico-hospitalares de alto nível e de dar permanentemente aos pacientes a alegria de curar ou, pelo menos, minorar seus males.

Todas essas questões serão amplamente debatidas no Seminário Internacional Risco Legal em Saúde, que a Associação Nacional de Hospitais Privados — Anahp — estará promovendo nos próximos dias 13, 14 de novembro de 2003, no Gran Meliá WTC SP, que fica na Av. das Nações Unidas, 12559, no Brooklin, em São Paulo — SP.

Francisco Balestrin é vice-presidente e coordenador do Comitê de Informação, Análise e Qualidade da Associação Nacional dos Hospitais Privados – Anahp.

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