'Governo Lula precisa reprimir as falsas cooperativas.'

Cássio Casagrande*

O novo governo escolhido pelos brasileiros anunciou durante a campanha eleitoral sua disposição de incentivar o cooperativismo. A iniciativa é louvável, pois há muito espaço em nosso país para o associativismo produtivo, sobretudo nas comunidades mais carentes. No entanto, as novas autoridades do Executivo responsáveis pela área do trabalho devem estar atentas para evitar que o verdadeiro cooperativismo não seja utilizado como instrumento de fraude aos direitos sociais historicamente conquistados pela classe trabalhadora brasileira.

Nos últimos seis anos tem havido uma verdadeira proliferação de “cooperativas de trabalho” constituídas com o único objetivo de fraudar a legislação trabalhista, previdenciária, tributária e, até mesmo, a exigência do concurso público para ingresso na administração pública. A fraude ocorre da seguinte forma: empresas substituem sua mão-de-obra permanente e regular por “contratos de prestação de serviços” celebrados com falsas “cooperativas de trabalho”. Na prática, porém, estes trabalhadores exercem sua atividade como verdadeiros empregados, com cartão-ponto e todos os demais requisitos da relação de emprego, conforme definido na CLT.

O resultado é que tais trabalhadores são formalmente enquadrados como “autônomos”, sendo-lhes negado direitos como anotação do contrato em carteira, férias, 13º salário, horas extras, FGTS e benefícios previdenciários como o decorrente de acidente de trabalho. As empresas, além do inadimplemento dos encargos sociais, sonegam contribuições à previdência social e à receita federal.

A fraude vem se alastrando de tal forma que a Organização Internacional do Trabalho, preocupada com a situação brasileira, editou em sua última Assembléia Geral, em julho do ano passado, recomendação a todos os países membros, no sentido de que as cooperativas não sejam utilizadas de modo a afastar a incidência dos direitos sociais dos trabalhadores. O Presidente do TST, Ministro Francisco Fausto, também tem reiteradamente manifestado sua preocupação com o problema.

Outra grave situação vem ocorrendo na administração pública. Alguns órgãos públicos, ao invés de recrutarem seus servidores através de concurso, como determina a Constituição, promovem “licitações” para contratação de “prestação de serviços” nas quais as pseudo-cooperativas são vencedoras em face do menor preço que podem oferecer, pela redução dos encargos sociais.

Vencida a licitação, as cooperativas “filiam” os seus novos sócios entre os apaziguados da autoridade contratante, numa nova forma de nepotismo. Há casos no interior do Estado do Rio de Janeiro em que Prefeitos substituíram 80% dos servidores por “cooperados”, indicados ao bel-prazer do administrador. Em ação civil pública ajuizada pela Procuradoria Regional do Trabalho da Primeira Região, foi demonstrado que os cooperados que trabalhavam para a Prefeitura de Nova Iguaçu eram cabos eleitorais de vereadores eleitos no último pleito. A própria administração federal vem recorrendo ao expediente, sobretudo na área de “serviços” de informática.

O Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho têm atuado de forma firme para evitar estas fraudes. Só no Estado do Rio já são cerca de cem ações civis públicas questionando a atuação das “cooperativas de trabalho”. O TRT fluminense, até o momento, julgou procedentes todas as ações da Procuradoria.

No entanto, o Ministério Público e o Judiciário, por si sós, não têm condições de, isoladamente, resolver todos os casos. É preciso que o Legislativo e, sobretudo, o novo governo, criem mecanismos para reprimir o desenvolvimento destas falsas “cooperativas”, na realidade verdadeiras associações criminosas que roubam os direitos sociais dos trabalhadores, as contribuições previdenciárias do INSS, os tributos da Receita e, até mesmo, o sagrado direito do cidadão brasileiro em ingressar na administração pública por concurso público.

Cássio Casagrande é procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro.

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