Governo só encontrará déficit na Previdência se fizer malabarismos financeiros

Autor: Allan Titonelli (*)

 

O governo federal tem tratado a reforma da Previdência como uma das propostas de maior importância para o país, sob o fundamento de que o regime geral da previdência e o regime próprio seriam deficitários. Não obstante, veremos como a contabilidade do governo é enganosa.

Não é de hoje que o governo tem “fabricado” artimanhas orçamentárias para justificar “rombos” na Previdência. Veja-se, como exemplo, a Previdência Pública (regime geral da Previdência). A Previdência, por natureza, deve ter caráter contributivo, motivo pelo qual tudo aquilo que não houver uma retribuição pecuniária para a prestação de um serviço ou benefício não pode ter natureza previdenciária, mas não é isso o que ocorre na realidade.

Em verdade, há diversos benefícios pagos pelo governo federal que não possuem qualquer natureza previdenciária, mas que são orçamentariamente alocados na conta da Previdência Social. Pode-se citar como exemplo o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC-Loas) e os benefícios destinados ao segurado especial, comumente conhecido como rurícola. Nesses dois casos o cidadão fará jus a um benefício, desde que cumprido certos requisitos, sem ter feito qualquer contribuição à previdência. Essa é uma prova cabal de que há benefícios evidentemente assistenciais que estão sendo pagos pelo caixa da Previdência Social. Nesse contexto, o suposto déficit seria fabricado, pois se a Previdência paga rubricas de outras naturezas não há como gerar qualquer saldo positivo.

Além do que, destacamos outro mecanismo financeiro fabricado que retira receitas da previdência, qual seja, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que, conforme consta das próprias explicações do site oficial do senado, constitui-se precipuamente de receitas oriundas das contribuições sociais, as quais integram receitas da Previdência, ou seja, retira-se recursos da previdência para pagar outras contas, assim[1]:

“A DRU é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.

Criada em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), essa desvinculação foi instituída para estabilizar a economia logo após o Plano Real. No ano 2000, o nome foi trocado para Desvinculação de Receitas da União.

Na prática, permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e Previdência Social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. A DRU também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública”.

Soma-se ao exposto os incontáveis incentivos fiscais e isenções concedidas pela União nos últimos anos, os quais determinaram renúncias de verbas previdenciárias que somadas ultrapassaram 58 bilhões de reais só no exercício de 2014, segundo dados do TCU[2].

De outro lado importante também combater a argumentação de que o regime próprio dos servidores civis da União seja deficitário. Nesse sentido, o modelo proposto pelo governo tenta transverter uma lógica privada para o setor público, que possui diversas peculiaridades, entre elas o fato do empregador público pagar encargos patronais menores; do servidor público não possuir direito ao FGTS; do servidor público aposentado ou pensionista, sujeito ao regime próprio, continuar contribuindo à Previdência, entre outros.

Acresce-se que a União custeia o pagamento de reformas e pensões dos servidores militares federais e do Distrito Federal sem que haja uma contrapartida desses. Importante registrar que esses segmentos representam cerca de 45% dos gastos da União com aposentadorias e pensões[3], o que não justifica qualquer desequilíbrio previdenciário imputado aos servidores civis da União.

Após a reforma da previdência, implementada pela Emenda Constitucional 41/03, a arrecadação previdenciária dos servidores civis federais tem crescido anualmente, diminuindo, consequentemente, o aporte de recursos do Tesouro, demonstrando que já há uma estabilidade no regime em debate. De outro lado, os gastos da União com o pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores do Distrito Federal tem crescido anualmente, o que, mais uma vez, refuta o argumento de que a Previdência dos servidores públicos civis federais acarretaria “sangrias” nas contas da União.

A grosso modo, e a título exemplificativo, se pegarmos a remuneração de um servidor público federal que ganha R$ 5.000,00 mensais, e calcularmos os valores que deveriam ser revertidos para seu regime próprio, considerando uma alíquota de 11% do servidor (R$ 550,00) e de 22% do empregador público (R$ 1.100,00) – para aqueles que entram no serviço público antes da entrada em vigor do regime da previdência complementar – teríamos o total de R$ 1.650,00 mensais. Dessa forma, se houvesse essa contribuição fixa por 30 anos, rentabilizando pelo CDB, o servidor somaria um total de R$  5.786.822,00, o que possibilitaria 360 retiradas mensais de R$ 59.524,00[4]. Fazendo o mesmo cálculo só com as contribuições do servidor (R$ 550,00), chegaríamos ao montante final de R$ 1.928.941,00, o que determinaria 360 retiradas mensais de R$ 19.841,00. Observa-se que em qualquer das hipóteses a rentabilização após sua hipotética aposentadoria seria muito maior que sua remuneração. Isso sem levar em conta que após a EC 41/2003 os servidores públicos ainda continuam pagando a Previdência após a sua aposentadoria no regime próprio.

Ante ao exposto, seja considerando o regime geral da Previdência ou o regime próprio, somente se o governo fizer malabarismos financeiros é que encontrará algum déficit.

 

 

 

 

Autor: Allan Titonelli é procurador da Fazenda Nacional, membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública do CFOAB, ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz.


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