Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, aspectos políticos e jurídicos

Silvia Resmini Grantham
advogada especializada em Direito Público

I -INTRODUÇÃO

O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte é uma nação bastante complexa pelo fato de sua formação compreender quatro países, sendo eles Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, todos com semelhanças e diferenças entre si.

No presente trabalho serão analisados os aspectos políticos da Grã-Bretanha como monarquia parlamentarista, fazendo uma retrospectiva histórica do governo dos principais primeiros-ministros britânicos, e após, abordando a política atual.

Em um segundo momento, o sistema jurídico inglês será estudado, também sob os pontos de vista histórico e atual, e serão expostas as fontes principais de direito inglês, quais sejam, jurisprudência, costume e lei.

Com o presente trabalho, baseado em pesquisa bibliográfica, objetiva-se contribuir, mesmo que modestamente, para o pequeno acervo de obras já existentes sobre o tema.

II. FORMAÇÃO POLÍTICA BRITÂNICA

O sistema de governo do Reino Unido é chamado monarquia parlamentarista e é composto por um chefe de Estado, que é a Rainha Elisabeth II, representando a monarquia, e um chefe de governo, o primeiro-ministro Tony Blair, representando o parlamentarismo.

A monarquia é a mais velha instituição do governo. A Rainha Elisabeth II é descendente do Rei Egbert, que uniu a Inglaterra através de um regulamento no ano de 829. A única interrupção na história da monarquia foi a república, a qual vigorou de 1649 a 1660.

Hoje, a Rainha não é somente a Head of State (“Cabeça do Estado”), mas também um importante símbolo de união nacional. A Rainha personifica o Estado, e é também o chefe do Executivo, uma parte integral do Legislativo e ainda chefe do Judiciário. É também o comandante de todas as forças armadas da Coroa e o Supreme Governor (“Governador Supremo”) da Igreja da Inglaterra. Mas, como resultado de um longo processo de evolução, o poder da Monarquia tem sido aos poucos reduzido.

O Primeiro Ministro, por sua vez, é considerado, por tradição, o Primeiro Lorde da Fazenda e Ministro do Serviço Civil. A única posição deste governante deriva de um suporte majoritário na Câmara dos Comuns, lugar onde, pela convenção moderna, o Primeiro Ministro sempre senta. As outras responsabilidades do Primeiro Ministro incluem um grande número de compromissos com a Rainha.

Três elementos formam o Parlamento: A Câmara dos Comuns, a Rainha e a Câmara dos Lordes, todos constituídos de princípios diferentes. Os membros do Parlamento são eleitos, e possuem mandatos de no máximo cinco anos, enquanto que os Lordes têm cargo vitalício e hereditário.

O sistema britânico de democracia parlamentar fundamenta-se no sistema partidário no qual partidos políticos organizados, capazes de formar e organizar um sistema estável, estão representados. O próprio sistema parlamentar baseia-se na suposição de que há, no mínimo, dois partidos na Câmara dos Comuns (“House of Common”), cada qual sendo unido o bastante em relação a assuntos de política e princípios, de modo a poder formar um governo a qualquer momento.

Os dois principais partidos na Grã-Bretanha são o Trabalhista e Conservador. O último primeiro-ministro britânico, John Major, pertencia ao Partido Conservador. No entanto, em 1997 o Parlamento recebeu como chefe um governante do Partido Trabalhista.

2.1- BREVE HISTÓRICO

Retomar aspectos históricos é sempre de fundamental importância para entender o presente. Desse modo, seria impossível dissertar a respeito da política britânica sem mencionar a formação dos partidos e nomes importantes como Wiston Churchill e Margareth Thatcher.

2.1.1. A HISTÓRIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS BRITÂNICOS

“A representação por meio de partidos políticos, pelo menos até o momento inexpressiva e fictícia em nosso país representou bons resultados na Inglaterra, porque aí eles sempre estiveram identificados a classes sociais , em perfeita integração com os organismos vivos da nação. Assim, o Partido Conservador sempre esteve ligado aos grandes proprietários; partido representante, portanto da aristocracia; o Trabalhista, identificado com a classe operária e as agremiações sindicais (trade unions); e, finalmente, o Liberal representando a classe média burguesa” (VICENTINO, 1994, p.123)

Por mais de 150 anos, a democracia parlamentar britânica tem se baseado em um sistema de predominância bipartidária: primeiramente, os Whigs e os Tories , depois os Liberais e Conservadores e, mais recentemente, como já foi dito, Trabalhadores e Conservadores alternando-se no poder.

“As associações de pessoas com idéias similares ocorrem inevitavelmente em qualquer sociedade organizada, quando os princípios e práticas do governo são abertos a discussão e debate públicos. Na Inglaterra existe, de uma forma ou de outra, desde a era medieval. Entretanto durante séculos e até muito tempo após a passagem do poder Estatal da Coroa ao Parlamento, tais associações eram pouco consolidadas e tinham curta duração. Eram geralmente formadas para atingir um objetivo em particular, sendo extintas pouco tempo depois, talvez reorganizando-se para lutar por outra causa. As origens dos partidos políticos organizados no Reino Unido são recentes,comparativamente.” (EMBAIXADA BRITÂNICA. ORGANIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS, pp. 1-2)

O motivo dessa histórica falta de organização dos partidos políticos deve-se em grande parte ao fato de apenas uma minoria elitizada poder eleger os futuros membros do Parlamento. Por outro lado, a influência pessoal de um candidato contava muito mais do que a política do partido. O crescimento do sistema partidário moderno foi causado pela reforma parlamentar e a extensão gradual do direito ao voto a toda população adulta.

2.1.2. O GOVERNO DE WISTON CHURCHILL

Wiston Churchill assumiu o governo do Reino Unido durante o período da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1940. Conforme já foi dito em capítulo anterior (1.3. A Segunda Guerra Mundial), ao país Churchill ofereceu “sangue, suor e lágrimas” e “a vitória a qualquer preço”.

A guerra terminou com uma Grã-Bretanha destruída e recrudesceu no país a luta entre os partidos políticos. Churchill pretendeu conservar o governo de coalizão até o fim da guerra com o Japão, mas o Partido Trabalhista venceu as eleições, fazendo com que o até então governante fosse obrigado a retirar-se do poder.

Clement Richard Attlee assumiu o Parlamento em lugar de Churchill, em um dos piores períodos britânicos, que foi o pós-guerra. Como já se analisou, a economia do país nesta época era precária e devedora. Attlee procurou levar ao país um extenso programa de reformas, estatizando as indústrias. Mas, a tensão internacional era grande, e em 1951 realizaram-se novas eleições, nas quais Churchill retomou o poder.

O novamente chefe do Parlamento conseguiu aliviar as tensões internacionais através da reunião de uma conferência de cúpula, com a presença soviética. O governo também reconheceu a República Popular da China e contribuiu para os acordos de Genebra de 1954, sobre a crise da Indochina.

Wiston Churchill retirou-se definitivamente do poder aos 80 anos de idade, passando o governo a Anthony Eden. Foi um bom governante, e seu funeral representou um dos maiores de todo o Reino Unido, com extrema adesão popular.

2.1.3. O GOVERNO DE MARGARETH THATCHER

O ano de 1979 foi marcado pela vitória do Partido Conservador, assumindo o poder do Parlamento a primeira-ministra Margareth Thatcher. Thatcher era líder do partido desde 1975. Nascida em Grantham, Lincolshire, em 1925, foi a primeira mulher a exercer cargo na Inglaterra.

Apelidada de “The iron lady” (A dama de ferro), sua gestão priorizava a redução da inflação e a reconquista da competitividade. A maior parte das indústrias foram privatizadas nos anos 80 e os sindicatos enfraquecidos. Também foi descoberto petróleo no Mar Negro, mas o desemprego era crescente. Em 1982, o Reino Unido vence a Guerra das Malvinas (Falklands) contra a Argentina, e Thatcher se reelege.

O fortalecimento da imagem da governante, que enfrentou uma grave crise de mineiros nos anos de 1984 e 1985 sem fazer concessões, a elegem novamente em 1987. No entanto a economia entra em recessão, o que aumenta as críticas à Dama de Ferro tanto por parte do povo, quanto por parte do partido.

Em junho de 1990 a primeira-ministra renuncia ao poder. “Sua decisão refletiu o agravamento da crise econômica, o repúdio generalizado à introdução do imposto per capita (poll tax) e as crescentes cisões dentro do partido”. ( MIRADOR, 1994, p. 9701)

No lugar de Thatcher assumiu o primeiro-ministro John Major.

2.1.4. O GOVERNO DE JOHN MAJOR

John Major nasceu no dia 29 de março de 1943, em Merton, Surrey. Foi eleito primeiro-ministro britânico no ano de 1990, tendo sido o mais impopular governante da Inglaterra.

Sempre foi um político pragmático e mais cauteloso que seu predecessor, chegando a fazer afirmações como esta, dita em 1991 para um jornal britânico: “A consensus politician is somenone who does something that he doesn’ believe is right because it keeps people quiet when he does it.”.* (DAILY MAIL, 1991, p.23)

Também quanto aos políticos disse certa vez, em entrevista para a Rádio BBC 4 da Grã-Bretanha, no dia 25 de novembro de 1990: “The politician who never made a mistake never made a decision” *. (THE COLUMBIA DICTIONARY OF QUOTATIONS, 1993, p. 125)

Em 1997, concorreu novamente às eleições contra Tony Blair. Apesar de este último ter sido considerado superior em assuntos como Educação, Impostos, Serviço de Saúde e Combate ao Crime, os especialistas acreditam não existir um Primeiro Ministro tão competente em relação à Economia como Major.

2.2. O ESTADO ATUAL

O governo britânico atual, desde 1° de maio de 1997, conta com um primeiro-ministro do Partido Trabalhista, além de 179 cadeiras no Parlamento pertencentes ao mesmo partido. Este número é maior do que toda a bancada conservadora e resultou em uma guinada espetacular nos rumos da política da Inglaterra.

O novo Parlamento inglês, que contava com 321 deputados do partido Conservador, 272 deputados do partido Trabalhista e 58 deputados de outros partidos, conta hoje respectivamente com 165, 418 e 76 deputados.

O primeiro-ministro chama-se Tony Blair, e é extremamente jovem, com apenas 43 anos de idade. Junto com sua jovialidade e irreverência trouxe um grupo de ministros bem diferente do que a Inglaterra estava acostumada. Dentre eles, o ministro da Educação, David Blunkett, é cego e anda com uma cadela guia, além do significativo número de mulheres no governo. São cinco, mais do que no mandato de Margareth Thatcher.

“De acordo com as pesquisas de boca-de-urna realizadas pelas redes BBC e ITV, os trabalhistas obtiveram 47% dos votos contra 29% para os conservadores e 18% para o Partido Liberal Democrata.” (ZERO HORA, 2-5-1997, p.28)

O novo primeiro-ministro bate recorde de popularidade na Inglaterra, e exibe a imagem de político pós-moderno. Blair, em poucos meses de governo, tem conseguido reativar as conversas de paz na Irlanda do Norte; promovido referendos para criar parlamentos regionais na Escócia e no País de Gales e deu partido a amplas reformas na educação e no Judiciário.

O novo líder do governo britânico traz uma postura de reformista radical, pretendendo modernizar a economia e a burocracia. Uma das táticas utilizadas por Blair é reativar o welfare state , criado pós-Segunda Guerra, por Clement Attlle, uma importante personalidade do trabalhismo inglês. O welfare state prevê a qualquer cidadão a assistência do Estado do nascimento à morte. O problema maior deste programa é o custo do sistema, que pesa no caixa do Tesouro e cria encargos pesados para as empresas que perdem a competitividade.

Mas o primeiro-ministro britânico já encarregou um de seus ministros, Frank Field, para “pensar o impensável”. Segundo Blair, em artigo publicado no Jornal Daily Mirror, citado pela Revista VEJA de 8 de outubro de 1997, p.41: “O estado do bem-estar do ano 2000 não pode ser igual ao de 1945”.

Os críticos de economia e política já teceram observações às idéias do líder britânico, chegando a afirmar ser a política de Blair nada mais que um novo Thatcherismo. No entanto, ainda é cedo para afirmar, visto que se passaram apenas alguns meses de mandato. O que se sabe é que Tony Blair pretende apostar em um sistema político de bem-estar que, em vez de premiar a incompetência e a vadiagem, funcione como uma espécie de seguro social que permita às pessoas assumir riscos e reconquistar sua capacidade empreendedora.

O atual governante realizou uma grande reforma nas ideologias de seu partido, chegando a alterar a célebre cláusula IV do partido que tinha servido de base para a estatização maciça da economia britânica a partir de 1945. A cláusula IV esteve gravada no verso da carteirinha dos militantes partidários até meados desta década, e possuía grande semelhança com as ideologias marxistas. No entanto, em 1995, Tony Blair simplesmente a retirou da carta trabalhista.

Segundo a Revista VEJA de 7 de maio de 1997, p.42, :

“Blair não dá a menor indicação de ter qualquer sentimento de culpa em relação ao serviço que fez. Acusado de desfigurar a história de um dos mais tradicionais partidos de trabalhadores de todo o mundo, costuma responder que se deve respeitar princípios, mas não se pode viver no passado. Diz ainda que o Labour é um movimento intocável. Alguns de seus pares chegaram a dizer que se havia convertido ao thatcherismo, a nêmesis mais cruel do trabalhismo. Ele retrucou: ‘Poder sem princípios é estéril, mas ter princípios sem poder é inútil. Nosso partido foi feito para governar, e pretendo levá-lo ao governo.”

Ao que tudo indica, as propostas do novo governante britânico são bem mais populares e interessantes que as do governo anterior. Blair promete resgatar o salário mínimo (abolido por Thatcher), cortar o número de bolsas de estudo nas escolas privadas e melhorar o ensino das escolas públicas, e dentre outras metas, abolir as propagandas de cigarro no país.

2.3. OS CONFLITOS NA IRLANDA DO NORTE

“A Irlanda do Norte procura desesperadamente uma porta qualquer para abandonar de vez, após sete séculos, o Reino Unido. O Exército Republicano Irlandês, o IRA, usa o terror, dinamite, bombas, em busca deste caminho. (…) Bota fogo nos ingleses. Este é o problema mais violento, mais sangrento. É o pior.” (PIRES, Luiz Zini in: ZERO HORA, 2-05-1997,p.29)

A Irlanda do Norte é o menor dos quatro países da Grã-Bretanha, com apenas 14.120 km2, sendo menor que o estado do Sergipe, no Brasil. Sua capital chama-se Belfast, e a Irlanda do Norte é também conhecida por Ulster. Ulster era o nome de uma grande província da Irlanda até 1920, quando a Irlanda do Norte se separou da Irlanda.

Até 1972 a Irlanda do Norte era o único país britânico com seus próprios governador, parlamento, primeiro-ministro e gabinete. O governador servia como chefe de Estado oficial, mas o primeiro-ministro e o gabinete detinham na verdade a maior parte do poder administrativo. O parlamento da Irlanda do Norte, bicameral, controlava assuntos como a manutenção da lei e da ordem e a administração do sistema educacional. A arrecadação de impostos e a manutenção das Forças Armadas eram reservadas ao Parlamento Britânico, que também exercia outras funções no país irlandês.

Durante toda a história da Irlanda do Norte, o Partido Unionista, uma organização protestante, controlou o governo. Mas, no final da década de 1960 e o início da de 1970, divergências entre católicos e protestantes irromperam em violentas desordens e ocasionaram a instabilidade do governo. Os católicos exigiram diversas reformas, incluindo maior poder político.

Assim, em março de 1972, o governo da Grã-Bretanha suspendeu o governo da Irlanda do Norte e nomeou um secretário de Estado para assumir os poderes executivo e legislativo. No ano seguinte foi alçado um entendimento no qual católicos e protestantes dividiriam o poder. Entretanto, grupos extremistas das duas religiões opuseram-se contra esse tipo de decisão em que o poder seria dividido e a violência entre as duas facções continuou.

Os católicos da Irlanda do Norte alegaram por muito tempo que os protestantes haviam violado seus direitos civis e que os haviam discriminado em empregos, habitação e outras áreas. Em 1967 se tentou criar uma Associação de Direitos Civis da Irlanda do Norte a fim de instituir direitos iguais para todos os cidadãos. Mas os conflitos persistiam. As tropas britânicas permaneceram no país, e no entanto não puderam impedir os tumultos que ocorreram no final da década de 70. O Exército Republicano Irlandês, o IRA, lançava bombas e praticava atos terroristas.

Infelizmente, às vésperas do novo milênio, estes atos terroristas ainda não cessaram, e uma das maiores preocupações do governo britânico diz respeito aos conflitos na Irlanda do Norte. Permanece o Partido Unionista protestante e o Partido Sinn Fein como as duas principais forças políticas do país. Os católicos querem a unificação com República da Irlanda e a maioria protestante deseja continuar na Grã-Bretanha.

O atual primeiro-ministro britânico tem procurado resgatar a paz entre protestantes e católicos norte-irlandeses, levando-as para mesas de negociação. Antes mesmo da eleição de Tony Blair, em outubro de 1994, foi decretado um cessar-fogo, apesar de depois desta data terem existido vários assassinatos de católicos e tentativas de atentado contra o Sinn Fein, braço político do IRA.

Em setembro de 1997, o Sinn Fein incorporou-se oficialmente às negociações de paz na Irlanda do Norte, comprometendo-se a não usar de violência. O líder Garry Adams assinou um documento que prevê o desarme das milícias paramilitares. O acordo permitirá que uma delegação do Sinn Fein sente-se à mesa das negociações para a paz.

2.4. QUESTÕES ESCOCESAS

“Outros dois vizinhos fiéis à coroa britânica também desejam descer do barco, cair na água e usar os próprios braços para encontrar outra praia. Lugar onde o futuro esteja ao alcance das mãos. A Escócia dos vales e dos lagos e o País de Gales dos planaltos e das colinas querem mudar suas relações com Londres.

Os escoceses pensam em implantar um parlamento livre e o País de Gales sonha dia e noite com uma assembléia com plenos poderes. Todos gritam pelos ‘seus direitos’, querem seguir ‘suas tradições’ e lutar pelos ‘seus interesses’.

Na Escócia, 45% dos seus habitantes desejam escolher este parlamento e passear por cima de um tratado pensado e assinado em 1707 com a Inglaterra. Outros 30% pedem independência. Pura e simples.

Quem fez 50 anos na Escócia ou passou deles tem uma profunda identificação com os ingleses. Lutaram junto na II Guerra Mundial e mandaram Hitler para a tumba. Quem tem menos, esqueceu da aliança contra o nazistas (sic). Consideram-se profundamente escoceses. Só. Talvez não lembrem que os generais ingleses na época do império, onde o sol nunca se punha, inventaram uma frase inesquecível para acalmar seus comandados nos momentos de maior perigo. ‘Lutaremos até o último escocês’, diziam rindo, entre goles de gim.” (Ibid, p.29)

A poderosa monarquia inglesa ameaçou a independência da Escócia na Idade Média, particularmente sob o reinado de Edward I, e era freqüente a ocorrência de guerras entre os dois reinos. Mas, diversos nobres escoceses tinham terras e títulos na Inglaterra, e diversos casamentos entre ingleses e escoceses também ocorriam na época medieval, o que agravava cada vez mais a dependência entre os dois países.

As duas coroas uniram-se finalmente, quando Elizabeth I da Inglaterra foi sucedida, em 1603, por James VI da Escócia, o qual era seu herdeiro mais próximo. Mesmo assim, a Inglaterra e a Escócia mantiveram entidades políticas separadas durante o século XVII. As religiões dos dois reinos também tinham-se desenvolvido em direções diferentes, com a Inglaterra mantendo uma Igreja episcopal (governada por bispos) e a Escócia adotando um sistema presbiteriano.

Em 1707, os dois países, percebendo os benefícios de uma união política e econômica mais próxima, concordaram em ter um único parlamento para a Grã-Bretanha. A Escócia, no entanto, manteve seu próprio sistema de legislação e estabelecimento da igreja.

A administração escocesa é responsabilidade da Secretaria de Estado da Escócia, um membro do gabinete do Primeiro Ministro, trabalhando através do Ministério da Escócia, o qual tem sua sede em Edimburgo e um escritório em Londres.

Em 1993, o Governo publicou um White Paper , a Escócia na União, uma Parceria para Sempre, seguindo uma abrangente análise do lugar do país no Reino Unido e o papel do Parlamento britânico em questões escocesas. Desse modo, estão sendo implementadas mudanças para melhorar as providências parlamentares a fim de lidar com assuntos da Escócia.

O atual Primeiro Ministro britânico Tony Blair, logo que foi eleito tratou de realizar uma de suas promessas de campanha promovendo um referendo para o dia 11 de setembro de 1997, no qual os escoceses deveriam votar se queriam ou não a instituição de um parlamento em seu país. De acordo com o jornal ZERO HORA de 11 de setembro de 1997, p.38: “Pela primeira vez em quase três séculos, Londres está disposta a conceder um pouco de liberdade à Escócia.”

Quase quatro milhões de pessoas foram às urnas para decidir a respeito de duas perguntas, uma sobre a autonomia do parlamento escocês, e outra sobre a capacidade deste parlamento de baixar ou subir os impostos no máximo 3% em relação às taxas britânicas.

Os dois principais partidos britânicos, o Partido Trabalhista e o Partido Conservador, dividiram as opiniões sendo o primeiro a favor do duplo “sim”, e o segundo a favor do duplo “não”. Venceu o Partido Trabalhista e a autonomia do parlamento foi aprovada pelos escoceses.

O futuro parlamento escocês terá autonomias plenas em educação, saúde (que colocará fim ao sistema nacional de seguridade social britânico) e transportes. Mas Londres se reserva para relações exteriores, a defesa e as mudanças políticas constitucionais. Questões éticas como o aborto também serão transferidas para o parlamento escocês.

O novo parlamento controlará 14 bilhões de libras, atualmente gastos pelo governo inglês na Escócia, e terá um Primeiro Ministro. Segundo o Jornal ZERO HORA de 11 de setembro de 1997, p.38, é previsto que em 2005 o número de deputados escoceses em Westminster, Parlamento Britânico, se reduza de 72 para 55 e 60 deputados.

A autonomia da Escócia é um dos pilares da autonomia constitucional aberta na Grã-Bretanha por Tony Blair. A Escócia votou maciçamente no Partido Trabalhista movida por esta esperança, visto que em 18 anos de Partido Conservador no governo a Escócia foi, de uma certa forma, prejudicada, especialmente para a sua área industrial da costa leste.

Foi na Escócia que Margareth Thatcher aplicou pela primeira vez a polêmica poll tax (novo imposto) e onde seu sucessor, John Major, impôs a centralização de todos os serviços públicos.

III. SISTEMA JURÍDICO BRITÂNICO

O sistema jurídico britânico é bastante dividido. Isto porque Inglaterra e País de Gales têm um tipo de jurisdição diferente da Irlanda do Norte e Escócia. Por isso, neste tópico se analisarão os diferentes tipos de sistemas jurídicos, começando pelo estudo mais complexo que é o do direito inglês.

3.1. A HISTÓRIA DO DIREITO INGLÊS

O sistema jurídico inglês, ao contrário da maior parte das jurisdições, não sofreu influência direta do direito romano, com suas compilações escritas. O direito inglês desenvolveu-se de forma autônoma, baseando-se na common law. ” Mais ainda do que para o direito francês, o conhecimento histórico é indispensável quando se considera o direito inglês. Este não conheceu a renovação pelo direito romano, nem a renovação pela codificação, que são características do direito francês e dos outros direitos da família romano-germânica.” ( DAVID, 1993, p.283)

Os ingleses sempre mantiveram o caráter da continuidade de seu direito, procurando cultivar as tradições. Já o restante do continente europeu, em especial os franceses, primaram pelo pensamento racional e por isso para eles era mais simples e prático redigir compilações escritas.

A história do direito inglês passa por quatro períodos principais da história. O primeiro período é o chamado anglo-saxônico, anterior à conquista dos normandos de 1066. O segundo vai da conquista normanda à dinastia dos Tudors (1485), e é o da formação da common law, ou seja, um sistema de direito novo, comum a todo o reino. Já no terceiro período, que vai de 1485 a 1832, é marcado pelo surgimento da Equity, ou seja, “regras de eqüidade” que rivalizavam com a common law. Finalmente o último período vai de 1832 até os dias atuais. É o período moderno que se baseia na jurisprudência, ou seja, na regra do precedente.

O primeiro período da história do direito inglês marca o fim da era tribal e a instalação do feudalismo. Antes da invasão normanda não existia um direito comum a toda Inglaterra, vigorando um direito estritamente local.

Mas, no segundo período, após a invasão dos normandos na Inglaterra, este direito territorial é substituído por um direito comum a todo o país que é a common law. “A conquista normanda constitui, na realidade, um acontecimento capital na história do direito inglês, porque traz para a Inglaterra um poder forte, centralizado, rico de uma experiência administrativa posta à prova no ducado da Normandia.” (Ibid, p.285)

Os Tribunais Reais de Justiça muito contribuíram para a implantação da common law, pois sua competência aos poucos foi alargando-se e os Tribunais Reais passaram a controlar não só causas criminais, restringindo o poder das County Courts (Cortes Locais), bem como o poder das autoridades senhoriais e eclesiásticas.

Assim, a rigidez da common law para absorver todos os casos jurídicos levou ao começo do terceiro período, com o surgimento da Equity, visto que a quantidade de litígios que os Tribunais Reais tinham que absorver não possibilitava a competência de conseguir aplicar sentenças justas a todos eles. Assim, os cidadãos passaram a recorrer ao próprio rei, que, segundo René DAVID, em obra citada, p. 295, era “fonte de toda a justiça e generosidade”. Assim, surgia a Equity como forma de apelo à autoridade maior. O rei por sua vez, nomeou um Chanceler a fim de que este o auxiliasse nas decisões, especialmente nas decisões cíveis.

No entanto, ao longo do tempo, o Chanceler passou a empregar regras próprias e o descontentamento popular contra o crescente arbítrio do “ajudante do rei” fez com que se conciliassem novamente os dois vértices do direito inglês que eram a common law e a Equity. “A má organização da jurisdição do Chanceler, a sua morosidade e a sua venalidade forneceram armas aos seus inimigos. A revolução que teria conduzido a Inglaterra para a família dos direitos romano-germânicos não se realizou; foi concluído um compromisso para que subsistissem, lado a lado, em equilíbrio de forças, os tribunais de common law e a jurisdição do Chanceler.” (Ibid., p.297)

Assim, a partir do século XIX se inicia o quarto e último período histórico do direito inglês, que se estende até os dias atuais. Todavia, antes de se falar das atuais jurisdições é preciso voltar novamente à história a fim de que se possa relatar a única vez em que a Inglaterra teve uma Constituição escrita e o que ela contribuiu para a atual formação não só do direito inglês, mas do direito mundial.

3.1.1. A MAGNA CARTA

“A Magna Carta não foi um simples extravasamento da concepção política de um novo povo que tivesse atingido a maturidade jurídica, culminada por uma metódica e decidida gradação moral.” (ALTAVILA, 1989, p. 147)

Existia na Inglaterra um rei, chamado Henrique II. Henrique II se casou com Leonor de Aquitânia e teve quatro filhos. Dentre esses quatro filhos, havia um, chamado Ricardo que almejava tomar o lugar de seu pai no trono. Para tanto foi o causador de discórdia em sua família, ora pondo seus irmãos contra seu pai, ora pondo seu pai contra seus irmãos. Finalmente quando Ricardo uniu-se a um rei da França, conseguiu derrotar seu pai em uma batalha e assumir o trono em seu lugar. Assim, por sua bravura ficou conhecido por Ricardo Coração-de-Leão.

Anos mais tarde, Ricardo Coração-de-Leão faleceu, e em seu lugar assumiu seu irmão João. João, no entanto, não possuía terras e por isso era chamado João Sem Terra. O novo rei não tinha vocação nenhuma para o cargo, provocando a revolta e indignação de todo o povo. João não era a favor nem dos pobres, nem dos ricos, e tomava atitudes um tanto despóticas e contraditórias.

Mas, o ponto alto da indignação contra o rei João Sem Terra ocorreu quando ele foi contra os bispos e barões ao criticar um sermão do bispo de Canterbury. No ano de 1215 os bispos e barões organizaram o “Exército de Deus e da Santa Igreja”, marchando contra Londres. “Durante quatro dias o inescrupuloso e enraivecido soberano, lutou contra a pretensão dos insurretos; seus protestos morriam, porém, sem eco, dentro dos reposteiros, em face da indiferença cautelosa da guarda real e da famulagem habituada aos seus acessos de cólera impotente.” (Ibid., p. 150)

Assim, venceram os representantes da Igreja, e João Sem Terra viu-se obrigado a ouvir, sentado em seu trono um preâmbulo e 67 cláusulas da primeira e única Constituição da Inglaterra, a Magna Carta. Após um grande silêncio o rei assinou a Carta e mandou que nela fosse posto um selo de autenticidade com a legenda em latim.

A Magna Carta foi um documento de enorme representatividade histórica pois nela foi instituído o Parlamento, que vigora até os dias atuais na Grã-Bretanha, o tribunal do júri, como forma de participação popular nas decisões judiciais, e o Habeas-Corpus, que garantia o direito de ir, vir e ficar de todo o cidadão, bem como limitava o arbítrio das autoridades que não poderiam prender ninguém sem que estivessem dentro dos trâmites legais que o Habeas-Corpus exigia.

O prof. Pinto Ferreira, citado por ALTAVILA, p. 149, assim define a Constituição inglesa: “- a Magna Carta encerra uma época histórica e reabre uma outra, devendo ser entendida como a crisálida ou o modelo imperfeito das constituições posteriores.”

3.2 – O DIREITO INGLÊS ATUAL

O período atual do direito inglês é marcado pelo prestígio crescente da legislação. “Assistiu-se a uma verdadeira revolução, operada pelas reformas radicais introduzidas no processo, especialmente em 1832, 1833 e 1852.(1)” (DAVID,1989)

Como não existe Constituição compilada em um único documento escrito, muitas vezes se nota a incomodidade na hora de encontrar os princípios fundamentais de direito. Mas, por outro lado, a legislação se torna mais flexível visto que nenhuma norma é protegida por um documento maior como a Magna Carta. Por exemplo, cada legislatura britânica tem mandato de no máximo cinco anos, mas algumas modificações já fizeram que alguns governantes perdurassem seus mandatos por até dez anos.

O Judiciário na Inglaterra está dividido em Jurisdições Superiores e Jurisdições Inferiores. As Jurisdições Superiores se subdividem em dois órgãos de cúpula: a Câmara dos Lordes e a Supreme Court of Judicature (Suprema Corte de Justiça). As Jurisdições Inferiores são representadas pelas County Courts (Cortes Locais), na área civil, e pelas Magistrates Courts (Cortes dos Magistrados), na área penal.

A Suprema Corte de Justiça se subdivide em High Court of Justice, Crown Court e Court of Appeal. O High Court of Justice é formada por três seções, Seção do Banco da Rainha, Seção da Chancelaria e Seção da Família. Esta subdivisão é simplesmente de ordem organizacional, pois todas as seções estão aptas a julgar todos os casos. Já o Crown Court é responsável pelos litígios criminais, e o Court of Appeal constitui um segundo grau de jurisdição para onde vão os casos que o High Court não consegue chegar a um consenso.

Aquilo que não é resolvido no Court of Appeal é enviado para a Câmara dos Lordes, através de um Comitê de Apelação. A Câmara dos Lordes se limita a tomar apenas de 30 a 40 decisões por ano. Entre os Lordes, os únicos habilitados a julgar são o Lorde Chanceler, que preside a Câmara, e os Lordes de Direito, os quais são em número de onze.

As County Courts, como já foi dito, constituem jurisdições inferiores. Elas estão aptas a julgar questões em matéria civil, mas sua competência é limitada. Geralmente não analisam questões cujo valor seja superior a 2 mil libras esterlinas. Os litígios de divórcio também são apreciados pelas County Courts, sendo que elas mesmas podem decretar divórcio se a parte citada não apresentar nenhuma defesa. Infrações criminais menores são julgadas pelos magistrates, ou juizes de paz, que o fazem sem, na maior partes das vezes, receber qualquer ajuda financeira.

Ao contrário do Brasil, onde os juizes são escolhidos através de concurso público, na Inglaterra a escolha dos magistrados é feita através de uma seleção de advogados de renome. Todos advogados de reconhecido sucesso profissional recebem a honraria de julgar os litígios nos tribunais.

Quanto aos advogados, ao se formar todos são bacharéis e devem optar por serem solicitors ou barristers. Ser solicitor significa tratar diretamente com os clientes e trabalhar em grandes escritórios de advocacia. Uma curiosidade quanto à essa questão diz respeito à quantidade de advogados que trabalham juntos, visto que em grandes centros uma empresa chega a contar com 2.500 solicitors. Em relação aos barristers, esses, por tradição, são superiores aos solicitors e só entram em contato com o cliente na hora do júri. Um barrister competente tem grande chance de se tornar magistrado.

Uma outra importante curiosidade a respeito do direito inglês diz respeito ao Poder Judiciário, que é independente, ou seja, atua sozinho, independente de outros poderes, como o Legislativo ou Executivo. A independência do Judiciário é uma das mais eficientes maneiras de se conseguir eficiência nas decisões, pois é possível agir sozinho, sem a influência de um Legislativo a todo momento criando e recriando leis, ou de um Executivo que interfira em atos decisivos. Mas, é preciso atentar para o fato de que o Judiciário inglês é muito pouco democrático, visto que os juizes, que são os que elaboram as leis, não são eleitos pelo povo.

Também não existe na Inglaterra o Ministério Público. O que há no país é um órgão chamado de CPS (Crown Prosecution Service), que controla o caso, revê as evidências e decide se o caso deve continuar. O CPS é um órgão mais estritamente ligado à Polícia, e pouco se assemelha ao Ministério Público Brasileiro. Brilhante é, pois, a colocação de DAVID(2), op.cit., que diz que a presença de um representante do Poder Executivo parece aos ingleses inconciliável com a autonomia e com a dignidade do Poder Judiciário. O estatuto reconhecido ao Ministério Público parece-lhes, por outro lado, que destrói a igualdade que é necessário assegurar, em matéria penal, entre a acusação e o acusado. Do mesmo modo, não se encontrará, na Inglaterra, um Ministério da Justiça, embora espíritos brilhantes preconizem a instituição de tal ministério.

Na Inglaterra duas são as fontes de direito principais, a Jurisprudência e a Lei. Ao contrário do que a maior parte dos estudiosos de direito pensam, o costume é fonte terciária de direito inglês.

3.3 – JURISPRUDÊNCIA

A Jurisprudência baseia-se na regra do precedente (rule of precedent), ou seja, considera como fonte de direito principal todos os casos já ocorridos no país. “Contudo, a necessidade de certeza e de segurança não foi sentida sempre no mesmo grau, e só depois da primeira metade do século XIX, é que a regra do precedente (rule of precedent), impondo aos juizes ingleses o recurso às regras criadas pelos seus predecessores, rigorosamente se estabeleceu.(3)”

Todavia, alguns autores discordam da concepção de René David, o qual não difere a jurisprudência do precedente, dentre eles, Walter Nascimento(4), citando Hélio Tornaghi, afirma que uma só decisão é considerada precedente mas não se pode chamar de jurisprudência.

Desse modo, ao expor aqui duas idéias divergentes, não cabe julgar qual a mais acertada. É preciso simplesmente explicitar melhor o significado e alcance da regra do precedente. Segundo DAVID(5) analisa-se a regra do precedente, teoricamente, em três proposições muito simples: 1° – As decisões tomadas pela Câmara dos Lordes constituem precedentes obrigatórios, cuja doutrina deve ser seguida por todas as jurisdições salvo excepcionalmente por ela própria; 2° – As decisões tomadas pelo Court of Appeal constituem precedentes obrigatórios para todas as jurisdições inferiores hierarquicamente a este tribunal e, salvo em matéria criminal, para o próprio Court of Appeal ; 3° – As decisões tomadas pelo High Court of Justice impõem-se às jurisdições inferiores e, sem serem rigorosamente obrigatórias, têm um grande valor de persuasão e são geralmente seguidas pelas diferentes divisões do próprio High Court of Justice e pelo Crown Court.

Porém, nem todas as decisões tomadas pelos tribunais ingleses constituem precedentes. A fim de simplificar a utilização do precedente e diminuir a quantidade dos mesmos, se adota um outro princípio jurisprudencial, no qual constituem precedente apenas 10% dos acórdãos publicados pelo High Court, 25% dos acórdãos da Court of Appeal e 80% dos acórdãos da Câmara dos Lordes.

3.4 – LEI

A lei é, juntamente com a jurisprudência, importante fonte de direito inglês. Existem dois tipos de legislação na Inglaterra: a lei propriamente dita e disposições regulamentares variadas tomadas para a execução da lei, pelas autoridades, e que os autores ingleses agrupam sob o nome genérico de legislação delegada ou de legislação subsidiária.

Como já se viu, somente uma única vez existiu Constituição compilada em um único documento escrito na Inglaterra (ver Magna Carta, 2.1.1.). Atualmente, o que se pode chamar de Constituição é o conjunto de regras de origem legislativa ou jurisprudencial que garantem as liberdades fundamentais e que concorrem para limitar o arbítrio das autoridades. Esses direitos fundamentais estão contidos no direito natural e em alguns atos do parlamento, como a Petição de Direitos e a Bill of Rights.

Para o direito inglês a lei funciona como addenda ou errata, ou seja, serve apenas como corretivo ou adjunção de alguns princípios, trazendo soluções ou retificações que modifiquem a jurisprudência.

Mas, é bom lembrar que mesmo sendo fonte secundária de direito, as leis merecem respeito total e são aplicadas literalmente pelos juizes, sem esquecer de que elas apenas se limitam a estabelecer exceções ao direito comum.

“O essencial é que a lei, na concepção tradicional inglesa, não é considerada como um modo de expressão normal do direito. Ela é sempre uma peça estranha no sistema do direito inglês(6)”. Assim, a lei só será definitivamente aceita como fonte de direito quando tiver sido aplicada e interpretada pelos tribunais.

3.5 – COSTUME

Ao lado da jurisprudência e da lei o costume constitui fonte terceira de direito, visto que o direito inglês não é um direito consuetudinário, como a maioria dos autores modernos costuma consagrar. Veja-se por exemplo uma citação da autora Maria Helena Diniz: ” (…) o direito constitucional norte-americano funda-se numa Constituição rígida, ao contrário do direito inglês, que é costumeiro (grifo nosso), é necessário dizer que neles nenhum costume é obrigatório, enquanto não for consagrado pelos tribunais.(7)”

Na verdade, a common law consistiu em elaborar um direito jurisprudencial fundado sobre a razão, ao contrário do direito da época anglo-saxônica, fundado sobre o costume. E, como já se viu, a jurisprudência é bem diferente do costume.

Para que algum costume seja aceito pelo sistema jurídico britânico é necessário que ele seja imemorial, ou seja, através de uma lei datada de 1265, um costume só seria aceito pela lei se já existisse no ano de 1189, uma data fixada pelo mesmo Ato. Assim, toda a prática consuetudinária que já fosse considerada como tal em 1189 é considerada como fonte de direito nos dias atuais.

Mas, é bom lembrar que a importância do costume é limitada, visto que toda a prática consuetudinária consagrada pela lei ou pela jurisprudência, perde seu caráter de costume para se considerar uma regra jurisprudencial submetida à regra do precedente.

Assim, novamente faz-se necessário citar autores renomeados, como o professor MIGUEL REALE(8), que comete falhas ao se referir ao direito inglês como prática costumeira. Segundo ele, não existem normas constitucionais escritas governando a vida política da Inglaterra, que não possui uma Carta Constitucional, na qual estejam discriminados os poderes dos órgãos essenciais do Estado, nem tampouco existem declarações de princípios que desçam a minúcias, como as que constam, em geral, dos textos constitucionais dos países americanos. Não obstante esta falta de forma legal, o povo inglês vive a substância de seu Direito Público, através de uma adesão de todos os dias, revelada no direito Costumeiro.

Mas, o costume, mesmo sendo considerado fonte terceira de direito, tem uma importância fundamental para o sistema jurídico inglês. ” A importância do costume, a despeito do que acaba de ser dito, não deve ser subestimada. A sociedade inglesa, como qualquer outra sociedade, não é regida exclusivamente pelo direito. O costume, se hoje não tem, num plano estritamente jurídico, uma importância muito grande, desempenha, de fato, uma função determinante na vida inglesa(9)”.

Em matéria constitucional, por exemplo, em diversos pontos permanece na Inglaterra a monarquia absoluta na qual diversos privilégios são concedidos à Rainha. Os ministros, por exemplo, são seus funcionários, podendo ser exonerados por ela a seu bel-prazer. Da mesma forma diversos edifícios e navios de guerra são de propriedade de Sua Majestade. Assim, quem garante a concessão de todos esses privilégios à monarquia é o próprio costume em razão de sua perpetuidade.

IV-CONCLUSÃO

Se poderia resumir o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte como uma pequena nação desenvolvida, tanto em matéria política, quanto em relação a aspectos sociais e jurídicos.

Trata-se de um país formado por povo tradicional, mas empenhado em mudanças, principalmente quando se trata de acabar de vez com as desvantagens existentes entre as minorias étnicas e nacionais.

A economia estável e a política de governo honesta, bem como um povo lúcido e preocupado com o bem-estar do país, fazem com que a Grã-Bretanha e Irlanda do Norte sejam uma nação favorável ao progresso e ao desenvolvimento.

Deve-se, portanto, ter a estrutura política, jurídica e social dos países do Reino Unido como exemplo a ser seguido em todo o mundo, em especial no Brasil, principalmente em relação ao Poder Judiciário, o qual deveria adquirir maior independência, dando à jurisprudência posição de destaque, e não mais a tratando como fonte secundária do direito.

NOTAS

1. DAVID, op.cit., p.300.

2 Op. cit., p.340

3 Ibid., p. 341.

4 Walter NASCIMENTO, 1996, p. 181.

5 DAVID, Op. cit., pp. 341-342.

6 Ibid., p. 346.

7 Maria Helena DINIZ, 1995, p. 259.

8.Miguel REALE, 1996, pp. 160-161.

9. DAVID, op.cit., pp. 348-349.

BIBLIOGRAFIA:

ALTAVILA, Jayme de. Origem do Direito dos Povos. 5ª ed. São Paulo: Ícone, 1989.

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

EMBAIXADA BRITÂNICA. Serviço Britânico de Informação. Organização dos Partidos Políticos. Brasília. s.d.

“Jornal Daily Mail”, Londres: 04-01-1991.

“Jornal Zero Hora”, Porto Alegre: 02-05-1997.

“_____________”, Porto Alegre: 11-09-1997.

NASCIMENTO, Walter. Lições de História do Direito. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

Reino Unido: Em: ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL.

THE COLUMBIA DICTIONARY OF QUOTATIONS. Columbia University, 1993.

Veja. São Paulo: (18), 07-05-1997.

____. São Paulo: (40), 08-10-1997.

VICENTINO, Cláudio. História Memória Viva; Idade Moderna e Contemporânea. 2ª ed. São Paulo: Scipione, 1994.

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