Por Humberto Fernandes de Moura
Todos estão acompanhando pelo noticiário as repercussões da denominada Operação Monte Carlo da Polícia Federal, que resultou na prisão de Carlos Cachoeira e 34 pessoas no final de fevereiro. Inicialmente, o senador foi acusado de receber, em seu casamento, presentes caros de Cachoeira, mas vindo a tona novas gravações, haveria indícios de que o relacionamento do Senador e Carlos Cachoeira envolveria participação em situações criminosas.
Recentemente, veio ao conhecimento a tese da defesa do Senador Demóstenes Torres: a ilicitude da interceptação como meio de prova. Isso porque, em se tratando de Senador da República, o início de sua investigação somente poderia ter sido ser autorizado pelo Supremo Tribunal Federal nos termos do artigo 53 e parágrafos da Constituição Federal[1]. Com isso, os indícios até agora colhidos não serviriam para subsidiar qualquer acusação formal em face do Senador.
Com base nessa alegação, resolveu-se conferir a jurisprudência dos Tribunais Superiores a respeito do tema para se aferir ou ao menos indicar um prognóstico a respeito da possibilidade de sucesso da tese. Vale anotar, inclusive que o STF já autorizou o início da investigação em face do Senador.
Por coincidência, nessa última semana colheu-se do informativo do Superior Tribunal de Justiça excerto de precedente que pode ser utilizado para a análise do caso, veja-se:
“Não há nulidade no julgamento realizado pelo órgão especial do Tribunal de Justiça, composto de vinte e quatro desembargadores, apesar de um deles ter declarado a sua suspeição e, mesmo assim, ter participado da votação. Tendo em vista que apenas dois desembargadores foram contrários ao recebimento da denúncia contra a promotora de justiça, deve-se entender que a efetiva participação do magistrado suspeito não influenciou no resultado do julgamento, circunstância que, nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal, afasta a alegação de nulidade. “Também não pode ser declarada a nulidade da ação penal por ilicitude das escutas telefônicas realizadas em outro processo, que julgava terceira pessoa, sob a alegação da incompetência do magistrado que autorizou a produção da prova, com base na prerrogativa de função da paciente, pois se trata de prova emprestada, resultante do encontro fortuito, submetida ao crivo do contraditório e da ampla defesa no processo em que a paciente figura como denunciada”. Precedente citado: HC 130.990-RJ, DJ 22 de fevereiro de 2010. HC 227.263-RJ, Relator Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 27 de março de 2012.
Da mesma forma, posicionam-se alguns precedentes colhidos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“IV. Interceptação telefônica: exigência de autorização do ‘juiz competente da ação principal’ (Lei. 9296/1996, artigo 1º): inteligência. 1. Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do artigo 1º da Lei 9296/1996: só ao juiz da ação penal condenatória – e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais , a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para a ordem judicial de interceptação – não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia, eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dos procedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz Federal – aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em curso, ao tempo da decisão – que, posteriormente, se haja declarado incompetente , à vista do andamento delas”, (HC 81260, Relator(a): Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 14 de novembro de 2011, DJ 19 de abril de 2002, PP-00048 Ementa Vol. 02065-03 PP-00570).
“2. Legalidade da decretação, pelo magistrado de primeira instância, da quebra de sigilo telefônico do filho do impetrante, considerado peça-chave no esquema de venda de habeas corpus para traficantes de entorpecentes, já que ele não possuía prerrogativa de foro e a quebra de sigilo telefônico ocorreu na fase de inquérito policial, aplicando-se, por conseguinte, o entendimento firmado por esta Corte no julgamento do HC 81.260. 3. A revelação dos fatos relativos ao impetrante deu-se em decorrência de prova licitamente obtida. Inexistente, portanto, qualquer obstáculo jurídico à utilização da prova no procedimento administrativo disciplinar, ainda mais quando cotejada com outras provas, em especial os depoimentos de todos os envolvidos”, (MS 24803, Relator(a): Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 29 de outubro de 2008, DJ-104 divulgado em 4 de junho de 2009, publicado em 5 de junho de 2009, Ementa Vol 02363-02, PP-00285, RTJ Vol 00214, PP-00371).
“IV. Interceptação telefônica: exigência de autorização do ‘juiz competente da ação principal’ (Lei 9296/1996, artigo 1º): inteligência. 1. Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do artigo 1º da Lei 9296/1996: só ao juiz da ação penal condenatória – e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida cautelar incidente. 2. Quando, no entanto, a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes: aí, o ponto de partida à determinação da competência para a ordem judicial de interceptação – não podendo ser o fato imputado, que só a denúncia, eventual e futura, precisará -, haverá de ser o fato suspeitado, objeto dos procedimentos investigatórios em curso. 3. Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz Federal – aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em curso, ao tempo da decisão – que, posteriormente, se haja declarado incompetente , à vista do andamento delas”, (HC 81260, Relator(a): Ministro SEPÚLVEDA Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 14 de novembro de 2001, DJ 19 de abril de 2002, PP-00048, Ementa, Vol 02065-03, PP-00570).
Veja, então, que a situação narrada nos precedentes acima assemelham-se ao caso que será levado ao conhecimento do STF, ou seja, muito provavelmente, a discussão que se instaurará no STF será se os indícios encontrados em prejuízo do Senador decorreram de encontro fortuito ou se a autoridade era desde o início o foco inicial da investigação.
Caso se ateste que os indícios encontrados em desfavor do Senador decorreram de encontro fortuito, provavelmente, as provas serão consideradas válidas a subsidiar a acusação perante o STF. Por outro lado, se o foco da investigação, desde o início era realmente a autoridade, há grandes chances da tese de defesa encontrar ressonância no STF.
Enfim, mais do que fazer um prognóstico preciso a respeito da questão, o intuito dessa pequena reflexão foi colocar de maneira um pouco mais clara a situação jurídica relativa a legalidade ou não das gravações telefônicas feitas no curso da Operação Monte Carlo.
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[1]“ O advogado alega que o Ministério Público Federal e a Justiça Federal deveriam ter pedido autorização ao STF para fazer as gravações telefônicas da Operação Monte Carlo, porque Demóstenes Torres, na condição de parlamentar, tem foro privilegiado. O senador é acusado de tráfico de influência em favor do empresário. A defesa quer que as escutas usadas como provas contra o parlamentar sejam anuladas, que o inquérito aberto para investigar o senador seja suspenso e o processo, que tramita no STF, seja arquivado”.
Humberto Fernandes de Moura é procurador federal e professor do Centro Universitário de Brasília.