Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette (*)
A gravidez, ao lado de outros motivos previstos no artigo 318, I a III, CPP, exsurge na lei como causa para concessão da prisão domiciliar, conforme inciso IV do artigo 318, CPP.
Na redação original do dispositivo, dada pela Lei 12.403/11, não era só o fato de a mulher estar grávida que iria conceder-lhe o direito à prisão domiciliar. Para isso, deveria ocorrer ao menos uma de duas hipóteses previstas:
- A gravidez deveria estar para além do 7º mês;
- A gestação deveria ser de “alto risco”.
Nesse caso, as hipóteses não eram exigíveis concomitantemente. A ocorrência de qualquer delas conferia à gestante o direito à prisão domiciliar. É claro que uma gravidez pode ser de alto risco e estar acima do 7º mês, mas isso não era requisito necessário para o benefício.
Também nesse caso, a prova das condições de admissibilidade da substituição deveria ser elaborada através de perícia médica que atestasse a gravidez no 7º ou posterior mês ou ser esta de “alto risco”.
A gestante até o 7º mês com gravidez saudável não faria jus ao benefício, de modo que somente lhe seriam assegurados os demais direitos de toda gestante presa, tais como assistência médica e atendimento pré-natal. Por outro lado, tratando-se de gravidez de alto risco, não importaria o tempo de gestação, seria possível a concessão da prisão domiciliar a qualquer momento, desde que necessária e adequada à situação.
Também nesses casos, ocorrido o nascimento ou superada a situação de risco, a prisão domiciliar não poderia mais ser mantida em razão dessas motivações que não mais subsistissem. Não havendo mais situação de risco, a gestante deveria retornar à prisão preventiva e, se fosse o caso, ser reconduzida à prisão domiciliar quando completasse 7 meses de gravidez. Se a gestação de alto risco já fosse de sete meses e, por algum motivo, desaparecesse a situação de risco, nada se alteraria, pois a prisão domiciliar poderia sustentar-se tão somente na questão temporal, conforme já consignado.
Porém, quanto à situação em que a gestante dava à luz, não haveria mais como sustentar o benefício no inciso IV do artigo 318, CPP. Nesses casos, deveria o juiz sopesar a situação, verificando agora a imprescindibilidade da mãe para os cuidados da criança (recém-nascido, obviamente menor de 6 anos) ou se a mulher não ficou com sequelas da gestação de risco. Nessas situações, poderia ocorrer a manutenção da prisão domiciliar nos termos dos incisos II ou III do artigo 318, CPP. O mesmo poderia ocorrer se o recém-nascido fosse portador de deficiência que exigisse os cuidados da mãe, não havendo outras opções.
Atente-se para a circunstância em que a mulher dava à luz e a criança era saudável, não sendo imprescindível sua presença para cuidados, já que tinha outros familiares para tratar do recém-nascido. Também considere-se que a mulher não estivesse enferma. Nesse quadro, a prisão preventiva deveria ser restabelecida por aplicação da revogabilidade ou variabilidade (rebus sic stantibus). Mas isso não significa que a detenta não teria mais contato com o filho. Muito pelo contrário.
A Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84) estabelece em seu artigo 42 a equiparação em direitos entre os presos provisórios e condenados no que couber. No seguimento, o artigo 83, parágrafo 2º, do mesmo diploma determina que, nos estabelecimentos penais femininos, deverá haver berçários onde as presas possam cuidar de seus filhos e amamentá-los, no mínimo, até os 6 meses de idade. Também quando trata a Lei de Execuções Penais das Penitenciárias Femininas, determina em seu artigo 89 a existência de seção para gestantes e parturientes e creche para crianças de 6 meses a 7 anos para a assistência de filhos de presas desamparados. Portanto, mesmo às presas provisórias deverão ser assegurados esses direitos de contato com o filho e amamentação, inclusive por força do disposto no artigo 5º, L, da CF.
Observe-se, porém, que essas exigências quanto ao tempo de gestação e/ou alto risco da gravidez foram superadas pela nova redação dada ao inciso IV do artigo 318, CPP pela Lei 13.257/16. Atualmente, somente exige a legislação a condição de gestante para a concessão do benefício da substituição da preventiva pela domiciliar. Não há mais os requisitos de que a gravidez seja a partir do 7º mês ou que seja de alto risco.
Importa destacar que o STF, no julgamento pela 2ª Turma do HC coletivo 143.641, impetrado pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e pela Defensoria Pública e relatado pelo ministro Lewandowski, concedeu ordem para conversão de prisões preventivas em domiciliares para todas as gestantes e mulheres com filhos até 12 anos de idade incompletos, impondo o cumprimento da nova redação, bem menos exigente dada pela Lei 13.257/16 ao artigo 318, incisos IV e V, CPP.
Somente foram excetuadas pelo STF situações em que a mulher tenha perpetrado crime com violência ou grave ameça contra seus próprios descendentes ou outras circunstâncias excepcionalíssimas, a serem objeto de devida fundamentação judicial no caso de denegação da conversão pelos juízes, com pronta comunicação do Supremo. E mais, a ordem foi concedida de ofício, estendendo a determinação às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças, assim como às adolescentes sob aplicação de medidas socioeducativas em iguais circunstâncias em todo o território nacional.
Como já mencionado, também a Lei 13.257/16 acrescentou um inciso V, concedendo a conversão de prisão preventiva em domiciliar a toda mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos. E nesse caso também deixa de exigir a comprovação de que seja a única pessoa imprescindível aos cuidados da criança. Para os homens, também é incluído um inciso VI pela mesma Lei 13.257/16, relativo àquele responsável por filho menor de 12 anos. Mas, no caso dos homens, exige a lei que ele seja o único responsável pelos cuidados do filho. Obviamente a lei não fala em “homem gestante”, o que seria absurdo. No entanto, sinceramente, não se vê razão para discriminar o pai negativamente em relação à mãe, de forma que esta obtém o benefício somente tendo o filho menor de 12 anos, e aquele, na mesma condição, somente garante a benesse legal se for o único responsável pela criança.
Sendo também a gestação e a questão etária passageiras, tais alterações merecem as mesmas observações já feitas acima, sendo fato que a prisão preventiva poderá ser recomposta acaso cesse a motivação para a conversão em domiciliar, ou esta poderá ser mantida por nova motivação. Por exemplo, a mulher que dá à luz e está em domiciliar com fulcro no artigo 318, IV, CPP, continuará na mesma condição, apenas agora com sustento no artigo 318, III e V, CPP. O homem, porém, completando o filho 12 anos, não mais fará jus ao benefício, podendo ser recomposta a prisão preventiva, desde que a medida se mostre ainda necessária.
Tal qual os demais casos, nos termos do artigo 318, parágrafo único, CPP, será necessária prova idônea dos requisitos para o benefício. No caso da gestante, o atestado médico e exames respectivos. No caso das crianças, a comprovação documental da idade e da filiação.
Há, no seio da sociedade brasileira, uma justa preocupação no sentido de que os criminosos(as) passem a se valer dessas circunstâncias para obtenção de uma espécie de “salvo-conduto” com relação à prisão preventiva, o que pode, inclusive, ser aproveitado pelo crime organizado, usando pessoas nas condições do artigo 318, IV, V e VI, CPP como “pontas de lança” nas suas atividades. É que a possibilidade de obtenção dos benefícios, até mesmo com relação aos casos do inciso III do mesmo dispositivo, se amplia sobremaneira. Observe-se situações que, na verdade, tais “pais” e “mães” sequer merecerão tais nomes e estarão instrumentalizando a gravidez ou o fato de terem um filho nas condições legalmente previstas para se locupletarem de forma torpe com a legislação.
Necessário, nesses casos, lembrar da lição de Bello Filho:
“A interpretação do Direito deve partir sempre da premissa de que a Constituição e os Direitos Fundamentais, têm de ser interpretados tomando em conta a conjuntura de sua aplicação, ou seja, a partir da fusão do texto com a realidade”.
Entende-se que, em se tratando de casos desse jaez, devidamente comprovada a instrumentalização da gravidez pela mulher ou dos filhos crianças pelo homem ou pela mulher, será possível denegar o benefício mediante a devida fundamentação na seara processual penal, tal qual já indica a decisão reitora do STF acima mencionada. Além disso, será o caso, certamente, de tomada de providências na seara cível pelo Ministério Público, no interesse do menor ou nascituro para destituição do poder familiar do pai ou da mãe por prática de “atos contrários à moral e aos bons costumes” (artigo 1638, III, do Código Civil brasileiro). Sem o poder familiar, não subsistirá ao preso(a) motivação para gozar de qualquer benefício ligado à criança ou nascituro.
É preciso lembrar sempre que o Direito Penal e o Direito Processual Penal não estão sozinhos na missão da tutela dos interesses sociais e, especialmente, dos nascituros e crianças. Outros ramos do Direito pátrio podem ofertar instrumentos úteis à defesa desses relevantes interesses.
Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette é delegado de polícia, mestre em Direito Social, especialista em Direito Penal e Criminologia, professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na Unisal e membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.