Autor: Lucas Noura Guimarães (*)
Consumidores de eletricidade residenciais — incluídos os “prosumidores”, que geram eletricidade em suas residências — pagam pela eletricidade que consomem (tarifa monômia). Já pequenas indústrias, prédios comerciais, shopping centers, pagam não apenas a eletricidade consumida, mas também o uso da rede da distribuidora (tarifa binômia). O cálculo da tarifa binômia é feito segundo o princípio “quem usa mais o fio, paga mais por ele”.
Os prosumidores demandam mais da rede de distribuição, pois além de tomar energia da rede, também injetam energia na rede. Atualmente, tanto consumidores como prosumidores pagam a tarifa monômia. Tal fato gera um subsídio cruzado, onde o uso do fio pelos prosumidores é pago por toda a classe residencial.
A Consulta Pública 33 do Ministério de Minas e Energia busca, dentre outras medidas, eliminar esse subsídio cruzado, estabelecendo a tarifa binômia também para a classe consumidora residencial. Prosumidores, por usarem mais o fio, deverão pagar mais em suas contas de eletricidade.
Subsídios cruzados não são, por si só, indesejáveis. A depender da justificativa, seu uso é legítimo, como medida de incentivo aos prosumidores, tornando-os menos dependentes das distribuidoras. Além disso, retarda-se a necessidade de investimentos em geração e de reforços das linhas de transmissão.
Afirmar a necessidade de eliminação de um subsídio cruzado não basta para justificar a implantação da tarifa binômia aos prosumidores. Mas, assumindo a necessidade de eliminação desse subsídio cruzado, pergunta-se a partir de quando a tarifa binômia passaria a valer.
Inúmeros prosumidores decidiram investir na instalação de painéis solares, calculando um preço médio da eletricidade e um prazo de retorno do investimento mais curto que o prazo com a tarifa binômia. Há desincentivo aos prosumidores, em prejuízo da democracia energética, com a implantação da tarifa binômia.
Sob o ponto de vista jurídico, duas teses se contrapõem. Por um lado, não há direito adquirido a regime jurídico. Em outras palavras, prosumidores não teriam direito à manutenção da tarifa monômia.
Por outro lado, importantes ao Direito são as noções de estabilidade regulatória e proteção da confiança, traduzidos no princípio da segurança jurídica. O órgão regulador deve sinalizar aos agentes do setor elétrico quanto à existência de um arcabouço regulatório estável, digno de confiança, e de um setor da economia merecedor de investimentos, com respeito aos contratos.
Determinada alteração legislativa pode produzir efeitos apenas após certa data, dando tempo aos impactados pela alteração se adaptarem ao novo cenário. Porém, ao sugerir 2021 para implantação da tarifa binômia, o Ministério impacta prosumidores que ainda estarão recuperando seu investimento e desestimula sobremaneira a instalação de painéis solares em novas residências.
Mais que uma data futura qualquer, é preciso o estabelecimento de um marco — a data da aprovação do financiamento ou a data do registro como prosumidor junto à distribuidora — antes do qual permaneceria vigente a tarifa monômia para os prosumidores. Assim, leva-se em conta não apenas a confiança depositada pelos novos prosumidores no cenário regulatório vigente, mas também o risco assumido na implantação de uma tecnologia disruptiva e ainda incipiente no país.
É fundamental que eventual mudança para a tarifa binômia venha acompanhada de outras medidas para o estímulo à auto-geração de eletricidade. É preciso que o governo abrace a causa do empoderamento do consumidor, estruturando incentivos adequados e claros para o desenvolvimento dos prosumidores.
Autor: Lucas Noura Guimarães é doutor em Direito pela Universidade Livre de Berlim. Advogado no Vieira Rezende Advogados.