Somos aproximadamente 1 bilhão de usuários de internet no mundo! O amadurecimento da rede tem trazido a oferta de diversos serviços diferenciados, que facilitam a vida dos usuários. Mas também tem trazido consigo o desafio de se conseguir criar um padrão de qualidade no ambiente virtual. Como saber se o serviço atendeu ou não ao padrão de qualidade? Se não atendeu, então seria o dinheiro de volta, abatimento do preço, substituição ou nova prestação, conforme diz a lei.
Neste nosso maravilhoso mundo digital, na maioria das vezes, as relações ocorrem através de interfaces gráficas, de forma remota, não presencial, em que há uma promessa feita e se tem que literalmente pagar para ver. Isso envolve desde o serviço de provimento de acesso de internet, ao de caixa postal de email, de voip, de messenger, até as lojas virtuais, o internet banking, o e-government, a receita federal com as diversas consultas e especialmente as declarações de imposto de renda, o INSS com seu moderno balcão virtual, entre outros.
O que temos acompanhado, como advogados, curiosamente, é que ninguém na verdade se responsabiliza por nada, não há garantia nem padrão de qualidade. E é preciso fazer uma notificação extrajudicial e ajuizar ações na Justiça, para fazer valer no mínimo o que está na lei. Pois tudo é bug da tecnologia. É curioso verificar que em nenhuma outra indústria, a não ser em TI se tem este cenário, em que o serviço ou o bem já tem naturalmente um defeito intrínseco que o usuário-consumidor não tem como saber antes, e que o fornecedor do mesmo ou o fabricante se compromete no máximo a tentar resolver quando o problema ocorrer, e não garante que não vá dar o mesmo problema de novo. Isso no ambiente de software então é uma loucura, e na parte de hardware também é muito comum, especialmente com notebooks.
Ou seja, não há um padrão de qualidade. Se você contrata um serviço de acesso à internet, não importa de qual empresa, o que é mais certo de ocorrer é o mesmo cair, periodicamente, e ficar metade de dia ou dia inteiro fora do ar. Mas não é diferente com a tv paga, que no final de semana fica fora do ar. Tanto em um como no outro ninguém lhe devolve o dinheiro dos dias sem cumprimento do serviço e que o consumidor paga uma assinatura mensal que deveria lhe garantir um padrão de qualidade, a entrega do que foi prometido, ou seu dinheiro de volta, como reza o Código de Defesa do Consumidor. E nem tente ligar no SAC, pois após digitar por alguns minutos as teclas com o operador eletrônico, em geral, a ligação cai. O pior é ler nas revistas, no mês do consumidor, que estas empresas se preocupam em cuidar do cliente. Com qual padrão de qualidade? Qual nível de serviço? Qual tempo de resposta?
Quanto a e-mails, a mesmíssima coisa. Se o serviço ficar indisponível, ninguém garante nada, nem sabe dizer quando volta. E se isso ainda estiver amarrado em um software de gerencialmente corporativo de caixas postais, normalmente complexo, que quando algo sai errado é preciso chamar uma empresa especializada, certificada, que cobra por hora, que tem hora para começar mas não tem hora para acabar, muito menos lhe dá uma garantia se o problema ocorrer de novo em um curto espaço de tempo. Qual a recomendação? Prepare o espírito e o bolso.
O lava rápido dá mais garantia de qualidade que TI! Se chover, lavamos seu carro de novo! Adoraria ver algo como, se der bug, consertamos de novo, de graça. Só para dar mais um exemplo, enquanto eu escrevia minha coluna, o Word deu erro e teve que ser fechado. Perdi alguns parágrafos abaixo. O pior é a mensagem que pergunta se quero enviar o relatório de erros para a Microsoft? Sempre envio, até hoje não tive uma resposta. E muito menos uma garantia de que se eu adquirir o novo Windows Vista não haverá bugs. Sendo assim, acabamos preferindo ficar com os bugs conhecidos, do que com os novos bugs.
No e-commerce apesar de muitas lojas já terem evoluído muito no atendimento de clientes, ainda é extremamente frustrante realizar uma compra online baseada nas fotos e dados publicados no site, e depois de tudo concluído, cartão de crédito passado, receber um email de contato dizendo que o produto que estava anunciado não está disponível em tempo hábil para entrega conforme acordado no contrato de compra-e-venda eletrônico celebrado em clicks e interfaces coloridas, e que será enviado um “similar”.
E quando o produto entregue pela Loja, ainda novo em folha, dá problema! Para ilustrar, vou contar um caso próprio. Recentemente adquirimos um notebook de uma grande marca na Americanas.com. A loja é excepcional, o atendimento também, e foi quem resolveu meu problema. Já o fabricante foi uma triste decepção, a assistência técnica entende no máximo de impressoras, e como fabricante, é uma irresponsabilidade vender um produto como sendo top de linha que já vem com um super bug de fábrica! O que fazer como consumidor: no mínimo não comprar mais desta marca. É o direito de escolha um dos direitos mais fortes que os consumidores possuem. E com concorrentes disputando a cada click, fica ainda mais fácil.
Portanto, é preciso denunciar, reclamar! O consumidor brasileiro precisa ser mais consciente de seus direitos, e apenas assim as empresas irão se ajustar para atender a lei, que está em vigor desde o dia 15 de março de 1990: que é o Código de Defesa do Consumidor.
E isso também abrange as empresas, quando estas são também consumidoras como pessoas jurídicas, principalmente de serviços de TI. É comum nos contratos de tecnologia se prometer diversas atividades, especificações, cronogramas, mas cumprir mesmo, só quem cumpre é quem paga a conta, o cliente. A obrigação principal do contratante é pagar, e do contratado é entregar. Mas o que? Com que padrão de qualidade?
Quantos casos já acompanhamos de clientes em que a empresa desenvolvedora contratada não entregou o que prometeu e ainda enviou uma fatura de horas de trabalho extra que foram gastas para ela tentar resolver seus próprios bugs! O que fazer? Não pagar, rescindir o contrato, executar a multa, e se necessário, pedir ressarcimento do valor já pago, isso sem falar em perdas e danos e lucros cessantes. Para isso, é sempre bom ter um pensamento preventivo, e fazer a blindagem jurídica dos contratos antes, para evitar a dor de cabeça depois.
Para encerrar, é claro que há o lado bom da tecnologia sim, especialmente de serviços que tem se passado como vilões da internet por culpa única e exclusiva de seus próprios usuários, que acabam indo além do limite do bom senso, da ética e da legalidade. Para esfriar a cabeça, nada melhor como achar 4 vídeos raros do Chet Baker no Youtube, que jamais seriam ofertados por qualquer gravadora, já que duram mais de 4 minutos cada um. O modelo de negócios mudou, pois como fã, eu pagaria, mas o único lugar que encontrei foi no Youtube, de graça. Não posso tê-los, não vou baixar, pois sua origem é duvidosa. Mas assisti online aos 16 minutos maravilhosos.
O Youtube tem seu lado bom, mas tem também uma série de vídeos completamente ilegais, de pessoas ofendendo outras pessoas e empresas, usando de modo não autorizado marcas, entre outros. E o Youtube pode ser responsabilizado por isso. É risco do seu próprio negócio e cabe a ele atender as solicitações das autoridades, da justiça, e diminuir o dano causado às diversas vítimas, tirando do ar o conteúdo indevido quando solicitado. O mesmo ocorre com o Orkut e agora com o Second Life. Tecnologias que vieram para ficar, mas que precisamos aprender a utilizá-las de modo adequado. E ensinar a nova geração, nossos filhos, os alunos da era digital.
Não podemos continuar a viver em uma incerteza. O Direito Digital deve sim trazer proteção jurídica para as relações dos indivíduos com as novas tecnologias, com a Internet, com os diversos serviços de TI. As leis existem e precisam ser cumpridas por todos, do fabricante, ao prestador de serviço, a loja, ao usuário.
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Patricia Peck Pinheiro, advogada especialista em Direito Digital, sócia da PPP Advogados, autora do livro “Direito Digital” pela Editora Saraiva