Por Arthur Rollo
Adotado pelo mundo afora e, segundo seus defensores, fundamentado em regras atuariais rígidas, o seguro perfil é muito utilizado no Brasil. A partir de diversos questionamentos sobre os hábitos de vida do proponente é traçado um perfil de risco segundo o qual é calculado o prêmio, que a importância que o segurado terá que pagar para proteger seu bem.
Existem questionamentos que são formulados pelas seguradoras, em relação ao seguro de automóveis, absolutamente impertinentes, como, por exemplo, se o segurado reside com adolescentes. A utilização do veículo segurado por pessoa inabilitada e incapaz exime a seguradora do pagamento da indenização, por configurar culpa exclusiva do segurado.
O grande problema do perfil é que, a partir dele, são encontradas justificativas diversas por parte das seguradoras para o não pagamento da indenização. Por exemplo, se o segurado afirma que possui garagem na sua residência e, por uma noite apenas, pernoita em casa de amigo e deixa o carro na rua, tal circunstância já é suficiente para o não pagamento da indenização, caso o sinistro aconteça justamente nesse dia.
Da mesma forma, aquele consumidor que sempre deixa o carro em estacionamento quando vai à faculdade e, em uma situação isolada, estaciona na rua por não encontrar vaga, perde direito à indenização segundo as seguradoras caso o sinistro aconteça nessas circunstâncias.
Qualquer mudança pontual no comportamento do consumidor, decorrente até mesmo de razões circunstanciais, é vista como má-fé ou declaração inexata do consumidor para eximir a seguradora, nos termos do artigo 766 do Código Civil, do pagamento da indenização.
O risco securitário deve levar em conta aspectos objetivos e previstos em lei e não regras atuariais fundadas em bancos de dados alimentados pelas próprias seguradoras que, muitas vezes, divergem até mesmo das estatísticas oficiais. É um absurdo, por exemplo, mulher pagar menos do que homem, a partir de uma afirmação constitucional de que homens e mulheres devem ser tratados da mesma forma. A justificativa para isso está nas estatísticas de que homens são mais imprudentes do que as mulheres no trânsito. Isso, por óbvio, não é uma verdade absoluta e leva a inúmeras injustiças.
A par das injustiças de ordem prática, não há dúvida acerca da inconstitucionalidade da medida, porque, conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello “o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto”.
As distinções de tratamento devem ter base na lei ou decorrer de um conjunto harmônico de leis. Se o objetivo de desigualar não consta inequivocamente da lei, ainda que de maneira implícita, a distinção atenta contra a isonomia. Homens e mulheres podem receber tratamento distinto quando a lei assim prevê, como, por exemplo, em relação à licença pelo nascimento de filho e ao tempo de aposentadoria. Não existe lei que permita essa distinção no caso de seguro de automóveis.
A nosso ver, o seguro perfil de automóveis acaba sendo uma forma da seguradora estipular o prêmio que bem entende, de acordo com a “cara do freguês”. Isso porque não são incomuns os casos de diferentes valores de prêmios orçados para uma mesma pessoa, nas mesmas circunstâncias, para a mesma seguradora, no mesmo dia. O que justifica essa variação de preço? O seguro perfil também acaba prejudicando a comparação dos preços entre as seguradoras, dificultando o exercício da liberdade de escolha pelo consumidor.
A definição do grau de risco é da essência do contrato de seguro mas deve levar em conta fatores objetivos e previstos em lei. Os critérios que vêm sendo adotados hoje pelas seguradoras, que levam em conta o sexo e a idade dos proponentes por exemplo, são inconstitucionais, porque não têm respaldo na lei e porque o fator de distinção não tem relação lógica com a cobrança maior ou menor no valor do prêmio. O perfil até pode ser utilizado mas levando em consideração fatores objetivos, como o preço do veículo e local de circulação, e outros previstos em lei.
De qualquer forma, as seguradoras não podem, pura e simplesmente, deixar de pagar as indenizações, alegando declarações falsas ou inexatas nos perfis. A culpa e as declarações inexatas por parte dos consumidores dependem de provas que devem ser feitas pelas seguradoras em sede de processos judiciais. Primeiro a indenização deve ser paga e depois a questão deve ser discutida na Justiça. Não é como acontece hoje que a seguradora deixa de pagar, para jogar o ônus da demanda judicial para o segurado.