Autor: Nicola Manna Piraino (*)
Não é exagero repetir que o artigo 133 da Constituição Federal, promulgada há exatamente 28 anos, estabeleceu de maneira categórica que os advogados são indispensáveis à administração da Justiça.
O saudoso jurista da advocacia trabalhista fluminense, Dr. Benedito Calheiros Bomfim, ao dissertar sobre este relevante assunto, declarou: “Depois que a CF/88 estabeleceu ser ‘o Advogado indispensável à administração da Justiça’, sem excluir dessa regra a Justiça do Trabalho, não há mais como admitir possa a parte postular e defender-se pessoalmente. Se a Carta Magna não excetuou a Justiça do Trabalho da regra geral que prescreve ser o advogado indispensável à atuação da Justiça, não é mais possível restringir nem, muito menos, criar exceção a esse princípio.”
Todavia, na Justiça do Trabalho, mesmo depois da vigência da citada Carta Política da República, firmou-se entendimento, quanto a faculdade da parte praticar atos processuais sem a presença do advogado, e com isto foi afastada a possibilidade de serem devidos os honorários judiciais de sucumbência, de forma geral aos advogados.
Além de manifesta a incoerência, é visível a injustiça praticada contra o advogado militante na Justiça do Trabalho.
É certo, pois, que a Justiça do Trabalho, ao longo de décadas, se tornou cada vez mais complexa na discussão de matérias jurídicas, sendo corriqueiras, nos processos, ações de pré-executividade, ações de atentado, de antecipação de tutela, ações monitórias, sequestro, intervenções de terceiros, habeas corpus, dentre outras e não apenas de simples casos de pedidos de horas extras, férias ou mesmo de verbas rescisórias.
Mais, a presença da parte processual sem a presença do advogado na Justiça do Trabalho, mesmo que praticamente inexistente, na prática, inclusive nos mais distantes rincões brasileiros, significa, sem qualquer margem de dúvida, uma claríssima ofensa aos festejados princípios constitucionais do devido processo legal e da isonomia, seja em relação ao empregado, seja em relação ao empregador.
É aceitável, por exemplo, que um ex empregado possa conhecer do direito e da legislação, para propor uma ação trabalhista, interpor um recurso ordinário ou um ajuizar uma medida preventiva de arresto? Por outro lado, poderia, a parte ré com competência e conhecimento jurídico, oferecer contestação, ajuizar embargos à execução, ou mesmo manejar um conflito de competência, sem a assistência de advogado?
Extreme de dúvida, que os exemplos acima elencados são cabais, quanto à real impossibilidade de aplicação do jus postulandi no judiciário trabalhista, que está inserto no art. 791 da CLT, pois os prejuízos processuais são concretos e inegáveis, para as partes.
Outra garantia constitucional afrontada, pela ausência obrigatória do advogado no processo trabalhista, é o descumprimento do princípio da “duração razoável do processo”, fato que resulta, também, em obstar ou dificultar o acesso do cidadão à Justiça.
Sem advogado, com certeza, o processo se torna mais moroso, trazendo prejuízo ao Judiciário, ao trabalhador e até mesmo ao empregador. Esse cenário em diversas oportunidades acarreta a desistência de alguns autores que deixam de ajuizar suas ações na Justiça, ou outros que firmam acordos, muitos deles, bastante lesivos a seus interesses e seus sagrados direitos.
Também os cofres públicos, pela continua e duradoura utilização do aparelho estatal, são onerados em demasia, pela lenta tramitação processual, na esfera trabalhista.
Reconhecer honorários sucumbenciais ao advogado, quando pleiteia e vence uma causa, na Justiça comum, e não o fazer na Justiça do Trabalho, também é de inaceitável discriminação, inclusive porque a verba honorária tem natureza alimentícia, como o próprio STF já pacificou, através da Súmula Vinculante 85.
Por uma construção jurisprudencial, restou assentado, segundo a ótica do Tribunal Superior do Trabalho, pelas Súmulas 219 e 329 daquela Corte, que apenas são devidos os honorários de sucumbência, quando o autor estiver assistido pelo seu Sindicato, e tiver recebido salário mensal igual ou menor a dois salários mínimos, ao longo de seu contrato de trabalho.
Cabe destacar que a inexistência de vedação em qualquer norma legal para o indeferimento da verba de sucumbência, na Justiça do Trabalho, sob o argumento de prevalência das Súmulas 219 e 329 do TST, não tem como prosperar, assim como também os artigos 14 e 16 da Lei 5.584/70.
Com a abolição quase integral em todo o país da faculdade da parte processual se fazer presente, na Justiça do Trabalho, sem a assistência de advogado, não restam quaisquer dúvidas de que a legislação atual trabalhista, que trata da gratuidade de justiça, é regida pelo parágrafo 3º, do artigo 790 da CLT, com redação dada pela Lei 10.537/2002, uma vez que restou revogado, expressamente, o parágrafo 10 da Lei 10.288/2001, que obrigava o Sindicato profissional a prestar assistência judiciária gratuita.
Portanto, sob o prisma celetista, inexiste qualquer vinculação da assistência sindical obrigatória da parte, até porque a grande maioria das causas trabalhistas não são patrocinadas por sindicatos, e sob tal ótica, não poderia ser concedida a gratuidade de justiça, latu sensu.
Portanto, à luz do texto consolidado vigente, é patente a revogação do art. 14 da Lei 5584/70, traduzindo em mais um sólido argumento legal, para o deferimento integral da verba honorária, porque a aplicação da gratuidade está, a meu sentir, obrigatoriamente atrelada ao preenchimento ou não dos requisitos da Lei 1.060/50, exclusivamente.
Até mesmo a extinção do juiz classista, com a vigência da Emenda Constitucional 29, de 13 de setembro de 2000, veio colocar mais um forte argumento, quanto a inaplicabilidade do art. 791 da CLT, porque, em tese, os representantes dos empregados e dos empregadores estavam assistindo as duas partes processuais, situação que deixou de existir, há mais de 16 anos.
A partir da vigência da Emenda Constitucional 45 de 8 de dezembro de 2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, os honorários advocatícios de sucumbência passaram a ser deferidos, nas demandas que envolvam relações de trabalho, sendo certo que, através da Instrução Normativa 27/2005, o TST regulamentou tal previsão.
Se isso não bastasse, é válido notar que o jus postulandi, com a edição da Súmula 425 do Tribunal Superior do Trabalho, foi suprimido das demandas que tramitam no TST, restando sua observância na primeira e segunda instâncias dos Tribunais Regionais, excluindo sua aplicação em ações rescisórias e cautelares, além de mandados de segurança e dos recursos de competência do TST, entendimento, este, que resulta numa enorme contradição, pois como explicar sua adoção parcial, na Justiça do Trabalho, do ponto de vista jurídico.
Por outro lado, é possível, face ao que dispõe art. 769 da CLT, como aplicação subsidiária, na seara trabalhista, o acolhimento e adoção dos artigos 389 e 404 do Código Civil vigente, nas ações trabalhistas versando sobre relação de emprego, com a condenação do vencido ao pagamento de indenização por perdas e danos, o que abrange, induvidosamente, os honorários advocatícios laborais.
Ao se aplicar os aludidos dispositivos do Código Civil, no âmbito trabalhista, não há margem de dúvida, quanto a existência de um custo monetário, para a parte processual credora, ao contratar um advogado, visando a propositura de demanda, além de toda prática de atos, no curso do processo, para obter a reparação de lesões praticadas pelo devedor, o ex empregador, no curso da relação de emprego, ao deixar de quitar os direitos do ex empregado.
Com tantos e relevantes argumentos constitucionais, legais e jurídicos, tudo isso já seria suficiente, para decretar a derrocada definitiva do antiquado jus postulandi.
Mais, para dificultar ainda mais a situação do leigo, foi implantado, há poucos anos, o Processo Judicial Eletrônico na Justiça do Trabalho, o que significa uma verdadeira pá de cal, e de maneira definitiva, para aqueles que ainda possam defender a faculdade da parte processual atuar, sem a assistência de advogado, porque, não se tem notícias de petições iniciais, contestações, mandados de segurança, recursos ou quaisquer outras medidas legais e processuais, sendo digitalizadas pelas partes do processo trabalhista, no já famoso PJe.
Alguns Tribunais do Trabalho, estão revendo a jurisprudência específica, notadamente o TRT da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, baseado em relevantes e sólidos argumentos legais, notadamente nos ditames da Lei 1.060/50, o que motivou, inclusive, a instauração do Incidente, no processo nº TST-RR-341-06.2013.5.04.0011, pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, cuja relatoria é do eminente Ministro José Roberto Freire Pimenta, visando a uniformização jurisprudencial da matéria em todas as instâncias trabalhistas.
A OAB Federal, a OAB/RJ, algumas Seccionais, o IAB, a ABRAT, outras entidades classistas, postularam suas admissões no Incidente processual de que acima aludi, que tramita no TST, como amici curiae, pois o assunto é por demais relevante.
É mais do que chegada a hora da mais alta Corte da Justiça do Trabalho rever o seu posicionamento, sobre a matéria, porque os argumentos em prol do deferimento integral dos honorários advocatícios de sucumbência são robustos e jurídicos, e, verdadeiramente, o art. 791 da CLT caducou há muito tempo.
Na Comissão de Defesa dos Honorários de Sucumbência na Justiça do Trabalho da OAB/RJ, continuamos o nosso trabalho, iniciado setembro em 2007, que teve a colaboração efetiva e fundamental de ilustres advogados e juristas, do porte dos saudosos, o ex Ministro Arnaldo Sussekind, um dos elaboradores da CLT, e do símbolo que foi, da defesa e valorização da Justiça do Trabalho, o Dr. Benedito Calheiros Bomfim, para que seja estabelecida a indispensabilidade do advogado, com a revogação do jus postulandi, e a concessão de honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho.
Aguardamos, esperançosos, não só que o TST modifique a sua jurisprudência (Súmulas 219 e 329), para admitir a concessão da verba advocatícia de sucumbência, em todas as demandas trabalhistas, mas também a imperiosa aprovação, em definitivo, do Substitutivo ao Projeto de Lei 3392/2004, em tramitação no Senado Federal, através do PLC 33/2013, inclusive com os novos rumos preconizados pelo novel Código de Processo Civil, que dispõe expressamente sobre honorários, no seu art. 85, e a sua cristalina compatibilidade na aplicação subsidiária ao processo do trabalho, o que resultará no êxito de uma luta histórica e justa da advocacia trabalhista do país.
Autor: Nicola Manna Piraino é advogado trabalhista, presidente da Comissão Especial de Estudos sobre Honorários de Sucumbência na Justiça do Trabalho da OAB-RJ