Honorários de sucumbência, quem tem o direito?

O CPC dizia que os honorários pertenciam à parte, mas a lei n.º 8.906/94 alterou, para dizer taxativamente que os honorários pertencem ao advogado: “Art.23.Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado […]”..

Bastou o ministro Marco Aurélio se manifestar na ADIN n.º 1.194 no sentido de que “os honorários de sucumbência, a teor do disposto no art. 20 do CPC, são devidos à parte vencedora e não ao profissional da Advocacia” (Inf. n.º 338 do STF, p.5), para que, com esse tom, outros fizessem música.

Entretanto, há que se observar que referido voto foi relacionado especificamente ao advogado-empregado, pois tal ADIN é pertinente a tal matéria. Se, em tese, houvesse infringência ao art. 20 do CPC, norma infraconstitucional, não se pode falar em inconstitucionalidade.

A cidadania repousa sobre a dignidade da pessoa (art. 1.º,II CF), e com igual razão sobre a dignidade profissional. Esta deve ser valorizada tanto quanto aquela. Porém outrora não ocorria tal valorização: o advogado lutava nas tertúlias forenses, guerreava, mas, no final, quem tinha direito a receber pelo seu trabalho era o seu constituinte. Este lucrava com o trabalho de outrem.

Continuava a exploração do capital em relação ao trabalho. Um trabalhava, outro ganhava. Havia visível locupletamento, que repugna o sentimento de justiça. Daí a alteração legislativa.

A correção da lei n.º 8.906/94 ocorreu exatamente para permitir ao advogado uma justa retribuição ao seu dignificante trabalho, tanto que na fixação o juiz deve levar em consideração o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação de serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 3.º do CPC). Se devesse ser da parte a sucumbência, não existiriam tais postulados.

Quem paga a sucumbência do advogado não é o seu cliente, mas o ex-adverso, ou seja, aquele que litigou contra o seu cliente e perdeu a causa. O cliente paga apenas os honorários contratuais. Esse é o sentido do princípio da sucumbência adotado pelo CPC. Pretende-se até que o cliente não tenha nenhum encargo financeiro ao buscar a tutela do Poder Judiciário, como acontecia na Roma antiga, em que eram feitas defesas gratuitamente, por isso que honorários têm origem na palavra honorarium, de honorífico.

Observa Faleiros Diniz: “Por conta disso, nos dias de hoje, muitos ainda enxergam nos honorários uma espécie de verba compensatória, honorífica, como se fosse vexatório assumir que honorários são, verdadeiramente, a remuneração do advogado.” (Síntese de Dir. Civ. e Proc. Civil, n.º 28/25).

Assim, nada mais justo que a pessoa que contrata um advogado arque com os honorários, e que a verba sucumbencial seja do advogado. Por isso que na prática, de maneira geral, permite-se fixar honorários módicos com o constituinte, porque há uma perspectiva da sucumbência. Constata-se que qualquer pessoa que contrata qualquer serviço, por mais simples que seja, deve pagar pela prestação efetuada, mesmo porque é princípio constitucional assente que não pode existir trabalho gratuito, pois todo labor deve ser remunerado, senão seria trabalho escravo. Por que razão o advogado deveria ser monge franciscano ?

Invocam-se, ainda, outros argumentos, usando palavras-talismãs, como “justa reparação”, “cidadania”, “ideal de justiça”, conclamando a atenção dos juízes e dos órgãos de proteção do consumidor e dos direitos individuais homogêneos, como se vivêssemos na velha Roma, a fim de que os honorários de sucumbência do advogado sejam revertidos à parte. Sabe-se, entretanto, que o “direito autônomo consagrado no caput do art. 99 da OAB nasce do contrato de honorários e não da condenação” (RT 719/163).

Cidadania não se coaduna com a desvalorização do trabalho profissional, nem pode ser sinônimo de locupletamento, quando o advogado é quem trabalha e outro é quem recebe. Ideal de justiça é o que Cícero já ressaltava: unicuique suum (a cada um o seu), exatamente o que ocorre com a verba sucumbencial: pelo trabalho desenvolvido unicamente pelo advogado é que não pode jamais ser repassada ao seu cliente.

Os órgãos de consumidor não têm interferência no trabalho advocatício, que é prestação de serviço público independente, uma vez que “o advogado é indispensável à administração da justiça” (art.133, CF), tanto que o STJ assevera: “as prerrogativas e obrigações impostas aos advogados […] evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo” (Resp n. º 532.377-RJ).

Também não há que se falar em direitos individuais homogêneos, porque não há a mesma origem comum, pois cada lide é individualizada e distinta da outra, tanto que se “recomenda a defesa de todos a um só tempo” (Resp. n.º 105.215/DF). Mais: no seu “ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”, além do que, hierarquicamente, está ao lado do juiz e do Ministério Público, pelo que não há que se falar em direitos individuais homogêneos. (cf. lei 8.906/94). Dessa forma, somente aqueles que forem vencidos no litígio deverão arcar com a sucumbência.

Aos advogados vencedores, em vez de reconhecer essa verba, indiscutivelmente merecida e justa, querem impor o menosprezo da dignidade profissional, o que nos lembra o Quincas Borba: “ao vencedor, as batatas.”

(*) E-mail: esa@oabpr.org.br

Direitos autorais (Lei federal nº 9.610/98) – Quando da utilização do material supra em publicações jornalísticas, saites, trabalhos acadêmicos, petições judiciais e afins, deve ser feita a seguinte referência:
“Extraído de www.espacovital.com.br” .

Autor: Manoel A. de Oliveira Franco presidente da OAB-PR

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