Autor: Luís Carlos Martins Alves Jr. (*)
Neste[1] último dia 13 de setembro do corrente ano de 2016, na qualidade de Advogado-Geral da União substituto e no exercício interino do elevado cargo de AGU, tive a honra de empossar os oito conselheiros representantes das quatro carreiras da Advocacia-Geral da União (quais sejam: advogados da União, procuradores da Fazenda, procuradores federais e procuradores do Banco Central) no Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA), órgão vinculado à AGU, nos termos do artigo 33 da Lei 13.327, de 29 de julho de 2016.
Com efeito, entre os artigos 27 e 40 do mencionado diploma legal, encontram-se diversos preceitos normativos que visam fortalecer a institucionalidade da AGU e criar parâmetros mais sólidos para a atuação de seus membros (os advogados públicos federais), criando um ambiente corporativo mais estimulante e mais apropriado para uma Função Essencial à Justiça, nos termos do artigo 131, CF.
Essas prerrogativas foram conquistas obtidas graças ao empenho de quase todos os advogados públicos, de suas respectivas entidades associativas, de vários membros dos órgãos de cúpula da AGU e contou, também, com o apoio de parlamentares de diversos partidos políticos, obtendo do senhor presidente da República a especial chancela, visto que ele é advogado público estadual aposentado (PGE/SP).
No ponto específico dos honorários advocatícios, os respectivos preceitos da mencionada Lei 13.327/2016 acolhem o comando normativo do § 19 do artigo 85 do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015) que dispõe que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.
E, como todos nós sabemos, no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906, de 4 de julho de 1994) os honorários pertencem ao advogado. E os advogados públicos também estamos subordinados ao Estatuto da OAB. De sorte que, no caso específico dos advogados públicos federais, a recente Lei 13.327/2016 viabiliza a concretização de um direito adormecido há 22 anos.
Registre-se, por oportuno e necessário, que essa citada conquista decorreu de um “Acordo” entabulado entre o Governo federal e as entidades associativas. Uma parte desse “Acordo” restou cumprida. A outra parte diz respeito à prerrogativa do exercício da advocacia, pelos advogados públicos federais, nos termos do Estatuto da OAB.
Nessa parte ainda inconclusa, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.531/2016[2], que dispõe sobre o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais para os titulares das agitadas carreiras jurídicas da AGU, cuja matriz constitucional é o artigo 131. Como é de sobejo conhecimento, esse artigo 131 compõe o Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça) do Título IV (Da Organização dos Poderes), e deve ser compreendido em harmonia com os demais preceitos que regulam o Ministério Público (artigos 127 a 130-A, CF) e a Defensoria Pública (artigos 134 e 135), que são as duas outras “Funções estatais Essenciais à Justiça”.
Nessa linha, no tocante ao exercício da advocacia, está disposto, no artigo 128, § 5º, II, “c”, que é vedado ao membro do Ministério Público o exercício da advocacia. No artigo 134, § 1º, veda-se, para os membros da Defensoria Pública, o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. Registre-se, por oportuno e necessário, que não há vedação constitucional ao exercício da advocacia para os membros da Advocacia Pública (seja a federal ou a estadual/distrital), diferentemente do que sucede com os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública.
A vedação normativa ao exercício da advocacia, fora das suas atribuições institucionais, para os membros da Advocacia-Geral da União está disposta no artigo 28, I, da Lei Complementar 73/1993. Isso consiste em relevante “detalhe”: a vedação não é de caráter constitucional, mas legal. Surge a seguinte questão prévia: essa vedação é matéria de lei complementar ou é matéria de lei ordinária?
Segundo o aludido artigo 131, CF, compete à lei complementar dispor sobre a organização e o funcionamento da Advocacia-Geral da União. Pois bem, essa vedação ao exercício da advocacia, fora das atribuições institucionais, estaria dentro do âmbito normativo “organização” ou “funcionamento” da AGU? Ou poderia “Lei ordinária” dispor sobre o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais?
À luz do que decidido nos autos da ADI 2.713, é razoável a interpretação que autoriza a edição de lei ordinária para cuidar do “regime jurídico de pessoal (membros) da Advocacia-Geral da União”. Segundo o STF não estaria dentro da competência reservada e excepcional da lei complementar a regulação do “regime jurídico do pessoal”. Essa linha de entendimento foi corroborada no julgamento do RE 539.370. O voto-condutor partiu da premissa de que a “Constituição Federal não prevê expressamente a necessidade de lei complementar para regência das relações funcionais dos servidores públicos federais, daí que é correto concluir que tais situações podem ser reguladas mediante lei ordinária” (ministro Gilmar Mendes).
Admitida, portanto, a ausência de reserva exclusiva e excepcional da lei complementar para regular esse tema (exercício da advocacia fora das atribuições institucionais), qual o estatuto normativo-legislativo se aplica aos advogados públicos federais? Nos autos da ADI 2.652, o STF entendeu que os advogados públicos estão alcançados pelo “Estatuto da OAB” (Lei 8.906/1994). Segundo o mencionado “Estatuto da OAB”, (artigos 3º, § 1º, e 30, I), a vedação institucional da advocacia consiste em não poder patrocinar causa contra a respectiva “Fazenda Pública” que o remunera.
Nessa perspectiva, o PL 5.531 está em perfeita harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro, ao proibir o exercício da advocacia contra os “interesses da administração pública direta e indireta federal”. Esse preceito é proporcional e razoável, e tem profundo senso de moralidade normativa e de ética profissional. E, segundo precedentes do STF, o tema regime jurídico do pessoal da AGU não é matéria reservada à lei complementar. Em reforço argumentativo, tenha-se a Portaria 758/2009, do Advogado-Geral da União, que regula a advocacia pro bono por ocupantes dos cargos da advocacia pública federal, e acolheu o entendimento segundo o qual a vedação contida no artigo 28, I, LC 73/93, não se aplica ao exercício da advocacia pro bono. Aberta, portanto, a senda para a explícita autorização da advocacia privada para os advogados públicos federais, no rastro do Estatuto da OAB.
Cuide-se que o deputado federal Efraim Filho, relator da matéria, emitiu voto no sentido da aprovação integral do aludido PL 5.531/2016, por entendê-lo juridicamente válido e socialmente conveniente. Com efeito, a AGU, com o PL 5.531, terá a oportunidade de fazer um experimento institucional: a liberação da advocacia privada para os seus membros. Se esse experimento não for bem-sucedido (o que é improvável ante o êxito de outras experiências institucionais), a solução não será normativa nem politicamente problemática: a edição de emenda constitucional exigindo a exclusividade advocatícia para o advogado público federal. Recorde-se que tramita a PEC 26/2014, que veda a advocacia privada para advogado público.
Ou seja, se o experimento institucional que se propõe aos membros da AGU resultar mal sucedido, o amargo remédio político-normativo encontra-se disponível e ao alcance da “mão” do legislador constituinte derivado. Essa aludida PEC 26, em vez de enfraquecer o PL 5.531, reforça a sua validade constitucional, pois somente uma modificação do texto da Constituição teria força normativa suficiente para obstar o exercício da advocacia privada para todos os “advogados ou procuradores públicos” federais, estaduais, distritais ou municipais. Ademais, tenha-se que a eventual aprovação da aludida PEC 26 poderá conduzir a possível aprovação das Propostas de Emendas Constitucionais 82/2007 e 442/2009.
A aprovação das citadas PECs 82 e 443 colocaria, de uma vez por todas, a Advocacia-Geral da União no mesmo patamar destinado ao Ministério Público da União e à Defensoria Pública da União, sepultando quaisquer dúvidas quanto à indiscutível similitude político-normativa dessas três “Funções Essenciais à Justiça”. Ocorre que a eventual aprovação do multicitado PL 5.531, que faculta a possibilidade da advocacia privada, fora das atribuições institucionais, aliada a edição da Lei 13.327/2016, que acolhe o comando normativo do novo CPC (artigo 85, § 19), no que autoriza a percepção de honorários pelos advogados públicos, aproxima o regime jurídico dos advogados públicos federais aos advogados em geral, regidos que são pelo “Estatuto da OAB”.
Aonde se pretende chegar? Ao aprovar a “percepção de honorários” e a “liberação da advocacia privada”, o ordenamento jurídico aproxima o advogado público de seu congênere advogado particular. Ao repelir essas faculdades, e, eventualmente, ao aprovar as citadas PECs 82/2007 e 443/2009, o ordenamento jurídico equipara de modo cabal e insofismável os membros da AGU aos demais membros do MPU e da DPU.
Há o justo receio de que o advogado público federal que possa advogar irá negligenciar suas atividades estatais, em favor das atividades particulares. E que pode haver conflito de interesses, na medida em que o advogado não poderia servir adequadamente bem a “dois senhores” ao mesmo tempo. Nesse particular, o PL 5.531 toma as cautelas necessárias para que abusos sejam evitados. E se eventualmente cometidos, sejam punidos com os rigores da Lei, mediante atuação preventiva e repressiva da Corregedoria-Geral da AGU. Quanto à eventual negligência, a experiência das procuradorias públicas revela que os poucos que advogam, menos de 20%, são tão zelosos quanto os que não advogam, pois atraem uma acurada atenção sobre as suas atividades profissionais, tanto como advogado público quanto como advogado particular.
Avançando um pouco além da análise estritamente jurídico-normativa, a aprovação do PL 5.531, como assinalado, será um interessante experimento institucional que poderá tornar mais atrativa a Advocacia-Geral da União. A AGU tem sofrido substanciais evasões de bons quadros para outras instituições (magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e Procuradorias Estaduais e Municipais), bem como irá induzir a uma mudança de perfil do seu membro: mais advocacia, menos burocracia, aqui no sentido weberiano.
Mas, se o soberano Congresso Nacional julgar por bem rejeitar o aludido PL 5.531, a consequência política poderá ser a aprovação das citadas PECs 82 e 443, o que aproximará o regime jurídico dos membros da AGU aos regimes jurídicos dos membros do MPU e da DPU. Essa eventual opção político-legislativa conduzirá a um modelo mais “burocrático”, no sentido weberiano reitera-se. Essa é uma opção política legítima do Estado brasileiro, e que tem funcionado com o MPU e com a DPU. No entanto, se o Congresso Nacional julgar por bem aprovar esse mencionado PL 5531/2016, reitero: estaremos diante de um experimento institucional que tende a tornar os advogados públicos federais, mormente os que atuam no contencioso, mais advogados, com as características típicas desses militantes profissionais.
A AGU foi criada pelo constituinte de 1988, instituída pela Lei Complementar 73/1993. Os seus membros têm prestado relevantes serviços ao Estado brasileiro. Tem sido uma instituição essencial à Justiça, e indispensável à Nação. Os advogados públicos federais temos procurado nos pautar pela defesa intransigente da legalidade e da validade normativa das decisões políticas emanadas das legítimas autoridades constitucionalmente instituídas. Somos, antes de tudo, advogados da legalidade. Somos defensores da Lei. Creio que fizemos por merecer esse voto de confiança. AGU pode fazer esse experimento institucional.
Autor: Luís Carlos Martins Alves Jr. é doutor em Direito Constitucional (UFMG). Professor de Direito Constitucional no UniCeub. Procurador da Fazenda Nacional e advogado-geral da União substituto.