Não quero entrar no mérito que levou a Polícia Federal a solicitar prisões em Rondônia porque me pronunciarei em outra oportunidade, apesar de entender, que, com base apenas em gravações telefônicas, não se poderia fazer o grandioso juízo de valor que os delegados fizeram. E mais: se todos os deputados, desembargadores, juízes, promotores e conselheiros lerem a peça processual encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) sairão em defesa pública de Carlão de Oliveira, Sebastião Teixeira Chaves, Edílson Silva e do juiz José Jorge entre outros presos.
Mas por enquanto, o assunto é outro, conexo ao principal e mais preocupante porque diz respeito a dignidade do cidadão, a princípios constitucionais que a Polícia Federal faz questão de descumprir: a humilhação e condenação pública de pessoas até então íntegras e que somente podem ser consideradas culpadas pelo pronunciamento final da Justiça em última instância e não por palavras de delegados e provas ridículas de poderio bélico e o uso descabido, exagerado e desnecessário de algemas. Delegados e agentes, suspeitos, aliás, por serem eles os executores das prisões e autores das investigações e que com certeza têm o interesse maior em fazer prevalecer o que bem entendem.
Já fizemos o alerta desde quando o ex-senador Ernandes Amorim foi preso há dois anos e o descontentamento com o circo montado pelos agentes federais com o apoio da cúpula maior apenas começara. Fizeram igual com a prisão dos donos da Boutique Daslu, advogados país afora, empresários da Schinchariol, apenas citando os principais. O que aconteceu depois? Nada, exatamente nada. O desenrolar dos procedimentos judiciais até o momento inocentam todos os citados. No caso de Amorim a situação vexatória foi parecida com o que aconteceu na sexta feira em Rondônia. Invadiram literalmente a casa do ex-senador ainda de madrugada. Isso foi feito por um grupo de elite, daqueles básicos que usam granadas e metralhadoras de fazer inveja aos duelos do Oriente Médio. Claro, para apresentar ao país o trabalho desenvolvido por eles, com o apoio de um juiz federal, chamaram a imprensa nacional. Evidente que a nacional, até porque sem as câmeras da Globo, para eles não há operação…Preso, Amorim foi humilhado, levado para o Urso Branco e meses depois ela liberado pelo Tribunal Regional Federal que entendeu que tudo que fizeram contra ele não tinha qualquer valor. E o circo nacional, ah, o circo nacional já estava em outras ações…
E nem mesmo as regras definidas pelo próprio Ministério da Justiça, intituladas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, que trata sobre a Preservação da Vida Privada e da Imagem do preso, são observadas nos shows da PF:
Art. 47 – O preso não será constrangido a participar, ativa ou passivamente, de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social, especialmente no que tange à sua exposição compulsória à fotografia ou filmagem.
Parágrafo único. A autoridade responsável pela custódia do preso providenciará, tanto quanto consinta a lei, para que informações sobre a vida privada e a intimidade do preso sejam mantidas em sigilo, especialmente aquelas que não tenham relação com sua prisão.
Art. 48 – Em caso de deslocamento do preso, por qualquer motivo, deve-se evitar sua exposição ao público, assim como resguardá-lo de insultos e da curiosidade geral.
Mas não somente as determinações do Ministério da Justiça deixam de ser observadas. O STJ tem pacífico entendimento sobre uso de algemas, dessas mesmas utilizadas na sexta feira para verdadeiramente humilhar as autoridades rondonienses. Para os ministros não constitui constrangimento ilegal o uso de algemas, se necessárias para a ordem dos trabalhos e a segurança dos presentes. Disse o ministro relator:
STJ, 2ª Turma, rel. Min. Francisco Rezek, DJU, 4 abr, 1995, p. 22442. Presente um desses motivos, é possível utilizar algema em qualquer pessoa que esteja sendo detida. A jurisprudência já autorizou o emprego de algema até mesmo contra réu, juiz de direito, quando demonstrada a necessidade (STJ, 5ª T, HC n. 35.540, rel. min. José Arnaldo, j. 5.8.2005), mas sempre considerando-a excepcional e nunca admitindo seu emprego com finalidade infamante ou para expor o detido à execração pública (STJ, 6ª T., RHC 5.663/SP, rel. Min. William Patterson, DJU, 23 set. 1996, p. 33157).
Claro que houve execração pública na sexta feira. Tanto é que as imagens dos presidentes dos poderes algemados correram o mundo. A pergunta que fica é sobre a necessidade desse tipo de ação, tão humilhante quanto difícil de coibir. Por quê isso?, há necessidade dessas humilhações?
A opinião de juristas renomados pelo país é uma só e até mesmo a Procuradoria-Geral da República é contra:
Vê-se, assim, que a utilização de algemas deve se restringir a casos excepcionais, quando haja, efetivamente, perigo de fuga ou resistência por parte do preso. Fora daí, o uso desnecessário deste instrumento fere a dignidade da pessoa humana, representando uma ilegítima (e desautorizada) restrição a direito fundamental.
Atente-se que a já referida Lei de Execução Penal impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios (art. 40).
Logo, conclui-se, sem muita dificuldade, que o uso abusivo e sem critério de algemas é conduta ilegal e, como veremos adiante, criminosa. Na verdade, mesmo que nada dispusesse a legislação ordinária, o certo é que o texto constitucional vedaria a utilização deste meio de força, sem que houvesse necessidade e indispensabilidade da medida., Rômulo de Andrade Moreira, promotor de Justiça, assessor especial do procurador-geral de Justiça.
Como se vê o que se questiona nada mais é do que a ausência de tratamento digno com que presos temporários são tratados. No caso de Rondônia as prisões eram temporárias e sem qualquer necessidade do uso abusivo das algemas e o pelotão de elite montado pelos federais.
Quem conhece o mínimo do Direito Penal, do Processo Penal sabe que a função da Polícia é a inicial do processo e muitas vezes pode nem chegar a instrução criminal. É que no Brasil a ação policial não se preocupa com a presunção de inocência, embora que a cautela e bom senso sejam normas de todo servidor e deveriam ser regra aos policiais. E se eles estiverem errados, como no caso de Amorim? Quem vai pagar pelos abusos cometidos na sexta feira, quando Rondônia foi invadida por 300 homens, que bem poderiam estar nos protegendo pelas fronteiras abertas de nosso Estado por onde o narcotráfico passeia e que a Federal as conhece bem. Ah, claro que não. Serviço pesado ninguém quer fazer. Show para as câmeras é muito melhor, ainda mais quando existem gordas diárias do contribuinte para saírem ao final do mês. O Brasil não muda mesmo.
Que fique claro: o que estou defendendo é o respeito à dignidade do cidadão, seja ele quem for. O respeito a nossos direitos deveria começar por uma instituição que tem muito a ser elogiada, mas precipitações e show não ficam bem e nunca ficarão nesses casos.
Autor: Elianio Nascimento (elianio@rondoniagora.com)
Fonte de pesquisa: http://www.rondoniagora.com