Imagem de ministro contrasta com o Teori Zavascki da vida real

Autor: Pedro Canário (*)

 

O ministro Teori Zavascki foi a primeira autoridade de Brasília que entrevistei. Era outubro ou novembro de 2011, e ele era ministro do Superior Tribunal de Justiça. Eu não morava na capital ainda, mas tinha sido convocado pelo jornalista Rodrigo Haidar, então chefe da sucursal de Brasília da ConJur, que exigiu um repórter da Redação paulistana para ajudá-lo nas apurações do Anuário da Justiça Brasil 2012.

A entrevista surpreendeu. O ministro ocupava uma cadeira na 1ª Seção do STJ e só julgava matéria de Direito Público. Lembro bem das críticas que ele fez à pauta que havíamos preparado: fomos acusados de refletir apenas a opinião de advogados tributaristas a respeito da jurisprudência do STJ. Mas também ouvimos duras críticas à postura da Fazenda Nacional, que, segundo ele, tentava mudar as regras do jogo por meio de processos judiciais. Professor, ele falava de assuntos tão técnicos quanto profundos com uma clareza impressionante.

Cerca de dois anos depois, Rodrigo deixou a ConJur e eu fui enviado para ocupar o lugar dele. Teori já estava no Supremo Tribunal Federal — um dos ministros mais festejados da composição. Ainda não tinha deixado a marca de um dos ministros mais respeitados da história do tribunal.

Café sem pauta
Quem é do baixo clero da imprensa em Brasília sabe a importância de ser reconhecido por uma autoridade. E Teori lembrava de mim. Chegou a me receber no gabinete, já no Supremo, para um café. Eu não tinha pauta nenhuma para fazer com ele, e ele não tinha motivos para me receber. Eu apenas queria marcar presença no tribunal mais conhecido do Brasil e mais acompanhado pelos jornalistas. Fui prontamente atendido, e aprendi que café de tribunal costuma ser ruim. “Café de edital…”, ele explicou. Como é preciso abrir licitação para comprar, só chega à corte o mais barato. Conto essa história pra todo mundo que reclama do café do Supremo — que melhorou, é preciso reconhecer.

Naquele momento, eu contava com a vantagem de ser dos poucos jornalistas que o conheciam. Com a experiência do Anuário, participava de um grupo mais seleto ainda de jornalistas que conheciam os posicionamentos do ministro. Sabia, por exemplo, que, ao contrário do que se dizia na época, Teori não era especialista em Direito Tributário, mas em Processo Civil. O STF já era acusado de flutuar com sua jurisprudência. A nomeação de um processualista era bem-vinda.

Ao longo dos contatos com Teori, ouvi outras críticas dele à pauta. Ele costumava reclamar quando eu levava perguntas que ele sabia não serem minhas, mas de advogados. Quando eram de colegas jornalistas, ele ria com o canto da boca, satisfeito por haver entendido perfeitamente qual era a pergunta por trás da pergunta. E pedia para mudar de assunto.

Poucas palavras
Por seu perfil discreto, a imprensa o transformou num homem arredio. Nada mais injusto. Ele fazia questão de comparecer a ocasiões sociais ou cerimoniosas, fossem elas importantes do ponto de vista institucional ou importantes para seus amigos. É o que se diz dele, aliás: era amigo de seus amigos e fazia questão de fazê-los saber disso. Ótimo papo.

Lembro que, num desses coquetéis de Brasília, Teori conversava com amigos e me puxou para a roda. Ele falava da ministra Ellen Gracie, que o convidou para um churrasco e o transformou em churrasqueiro. E ria da ironia de, na casa de uma gaúcha, ele, catarinense, cuidar da carne. Ria mais ainda da churrasqueira, elétrica: “Uma churrasqueira que você aperta um botão e ela acende. Aperta outro, o espeto começa a girar. Vê se pode? Não tem como dar certo”.

Em outra dessas situações, ele reclamava do ministro Nelson Jobim, amigo dele há mais de 40 anos. Teori foi conselheiro do Grêmio por vários anos, e o ministro Jobim se declara torcedor do Internacional. O Grêmio havia acabado de perder, e Jobim enviara uma mensagem para Teori com alguma piada futebolística. “Ele nem liga pra futebol, não sabe de nada. Mas se abrir um site de notícias e ver alguma coisa do Grêmio, me manda. Se for derrota, é o dia inteiro.”

Holofotes
Em Brasília, no intenso convívio entre fontes e jornalistas, não é difícil que se encontrem em eventos ou mesas de bar. E, por razões que suponho sociológicas, a conversa vira entrevista coletiva. Mas o ministro Teori não deixava isso acontecer. Perguntava das pessoas, pedia para contarmos histórias e piadas. Durante o jantar de posse do ministro Luiz Edson Fachin, vi que Teori estava sozinho, no salão, e comentei com ele que Fachin era o terceiro “Luiz” indicado pela presidente Dilma, ao lado de Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. “Agora precisa de outro Teori”, ele respondeu.

Diante das risadas, rapidamente fomos cercados por jornalistas de diversas redações. Teori era também ministro do Tribunal Superior Eleitoral na época, e havia acabado de voltar de uma viagem à Europa. A viagem virou gancho para os colegas puxarem assunto com o relator da “lava jato”. Ele logo reclamou: “Ah, não, vocês só trabalham. Quero ouvir uma piada. Quem tem uma piada boa?”.

Deu no jornal
Ao longo dos anos, o ministro teve de se acostumar a ver o seu nome nos jornais todos os dias. Ele falava sobre como era estranho ser tratado como um personagem. Certa vez, me disse que não sofria assédio de fãs, “não no nível do Joaquim”, disse, citando Barbosa, com quem conviveu por pouco tempo na corte. O lugar que mais costumava ser abordado era o aeroporto de Brasília, disse. “Ali, não tem o que fazer. Tem que esperar a mala chegar, e aí você fica ali parado, dando sopa. Sempre chega alguém para tirar foto”, lembrou, sempre sorrindo.

Teori passou também a conviver com uma imagem distorcida dele mesmo. Por levar a sério o que dizem as regras da magistratura, não comentava casos em andamento e seguia isso à risca. Não apenas com a “lava jato”. Foi o suficiente para espalharem que ele não falava com jornalistas e que era um cara fechado.

Lembro de uma palestra dele em novembro de 2015, num evento de Direito Constitucional organizado pelo ministro Gilmar Mendes. Ele estava visivelmente empolgado com os avanços da jurisprudência do Supremo e constatou que o Brasil caminhava “a passos largos rumo ao common law”. A notícia fez um sucesso danado. Recebi inúmeras mensagens incrédulas, elogiando minha habilidade jornalística de fazer o ministro falar. Quando dizia que fora uma palestra, todos faziam ar de “ah, tá explicado…”.

Mas, como disse, essa imagem é distorcida. Teori falava, sim, com jornalistas, e nos ajudava sempre que podia. Nos últimos dois anos, por causa da “lava jato”, não pôde dar entrevista para o Anuário da Justiça. Mas fez questão de explicar os motivos e de me enviar os votos que ele considerava mais significativos.

Nunca me mandou votos sobre a “lava jato”. Não considerava a operação importante, do ponto de vista jurídico. “É só uma ação penal, e ação penal não tem nada, nem é comigo, é o Ministério Público que toca”, comentava. Eu concordava, com sinceridade, e dizia que o interesse era em falar com ele, saber a opinião de um grande ministro sobre o país, da corte constitucional, como ele interpretava certos resultados ou certas conjecturas. Sem a opinião dele, o mundo ficou mais simples. Sem sua convivência, certamente ficou mais chato.

 

 

 

 

Autor: Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.


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