Impacto da regulação de submassas na apuração do resultado dos planos

Autores: Danilo Ribeiro Miranda Martins e Ana Paula Oriola de Raeffray (*)

 

Há menos de um ano em vigor, a Resolução 24/2016 do Conselho Nacional de Previdência Complementar — que dispõe sobre submassas nos planos de benefícios operados por entidades fechadas — ainda gera dúvidas no setor de previdência complementar.

Até o final do ano passado não havia qualquer referência na legislação de previdência complementar a esse instituto, embora o conceito fosse bastante conhecido pelos profissionais do setor, especialmente os atuários.

Havia, apenas, uma referência no Guia PREVIC Melhores Práticas em Fundos de Pensão (2010) no sentido de recomendar que as entidades multiplanos promovessem a segregação real dos ativos, com a finalidade de evitar a formação de submassas nos planos de benefícios.

Inicialmente, vale registrar que a Lei Complementar 109/2001 determinou, em seu artigo 18, § 3º, que as reservas, provisões e fundos devem atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios.

Para tanto, elabora-se plano de custeio, a partir do qual se estabelece o nível de contribuição necessário para a constituição das reservas garantidoras. Deve-se atentar para as peculiaridades de cada plano de benefício, observadas as premissas fixadas em nota técnica atuarial, na dicção do parágrafo 3º do artigo 18.

Os artigos 20 e 21 da LC 109/2001 definem as medidas que serão adotadas na hipótese de verificação de déficit ou de superávit nos planos de benefícios das entidades fechadas, dispositivos que foram regulados, principalmente, pela Resolução CGPC 26/2008.

Importa observar ainda que a mencionada Lei Complementar impôs que as entidades multiplanos devem administrar cada plano de benefícios com independência patrimonial.

Observa-se, assim, que a lei faz inúmeras referências aos planos de benefícios, não havendo qualquer menção em suas disposições à existência de submassas.

Por essa razão, sempre se considerou que os cálculos atuariais, bem como a verificação de déficit ou de superávit, deveriam levar em consideração o plano de benefícios, que é a unidade juridicamente reconhecida pela lei.

A edição da Resolução CNPC 24/2016, no entanto, impacta substancialmente nessa sistemática.

De acordo com a Resolução, a submassa representa um grupo de participante ou assistidos, vinculados a um plano de benefícios, e que tenha direitos e obrigações homogêneos entre sim, mas heterogêneos em relação aos demais participantes e assistidos do mesmo plano (artigo 2º).

Estipula ainda a regulação que, uma vez reconhecidas, as submassas devem ser controladas de forma segregada. Além disso, estariam sujeitas a tratamento diferenciado nas operações de que tratam o artigo 33, incisos II e IV, da LC 109/2001, bem como na apuração de resultado do plano de benefícios.

A norma, no entanto, não explicita em que consiste o tratamento diferenciado nela mencionado, ensejando a dúvida sobre o regramento jurídico aplicável.

Deve-se lembrar que é usual que um mesmo plano de benefícios ofereça benefícios diversos a seus participantes, alguns com caráter mutualistas e outros sem essa mesma característica.

Observe-se que, caso um plano de benefícios ofereça um benefício definido na hipótese de falecimento de um de seus participantes (um pecúlio, por exemplo), mas seja estruturado como plano de contribuição definida com relação a benefícios programados, de forma semelhante para todos os participantes, isso não implica o reconhecimento da existência de submassa.

Da mesma forma, caso assistidos de um plano que estejam usufruindo benefícios em decorrência de invalidez, e outros assistidos que estejam usufruindo benefícios de aposentadoria por idade, isso também não é suficiente para o reconhecimento de submassa. Mesmo recebendo benefícios diversos, se o risco partilhado é comum e as regras abstratamente previstas são idênticas para todos os participantes e assistidos, é inegável que há identidade de direitos e obrigações homogêneas.

Dessa forma, consideramos equivocada a separação de submassas “por benefícios”, sendo mais apropriada a sua divisão “por grupos” de participantes e assistidos, ainda que estejam usufruindo benefícios de natureza diversa.

É a própria regulação, ressalte-se, que define que a submassa é um “grupo de participantes ou assistidos”. Dessa forma, se determinado participante ou assistido integra um determinado grupo (ou submassa), a princípio não deveria fazer parte, ao mesmo tempo, de outro grupo.

Partindo-se dessa premissa — imposta pela própria regulação, repita-se — pode-se partir então para a análise sobre em que consiste o tratamento diferenciado, na apuração do resultado do plano, referido no artigo 5º, inciso II, da Resolução CNPC 24/2016.

Essa previsão, a nosso ver, apenas se justifica para evitar que um participante ou assistido tenha de arcar com custo de benefício ao qual ele não tenha direito.

Logo, não pode um participante que optou apenas por um benefício de contribuição definida, ofertado por um plano de benefícios, ser obrigado a arcar com custos decorrentes de outros benefícios de caráter mutualista a que ele não faz jus.

Nada impede, porém, que a apuração do resultado do plano considere como um único grupo todos os participantes e assistidos que fizerem opção pelos mesmos benefícios, levando em conta, para tanto, todos os benefícios a que tem direito esse grupo, que possui identidade de direitos e obrigações entre si.

Nesse sentido, caso haja resultado positivo com relação a um benefício, esse valor pode ser utilizado para minorar um resultado negativo com relação a outro benefício, se houver homogeneidade no grupo.

Não se trata, nesse caso, propriamente de destinação de superávit ou de equacionamento de déficit, mas sim de apuração do resultado considerando todos os direitos e obrigações desse grupo.

Na apuração de resultado é possível, ainda, que se considere a parcela da patrocinadora sobre eventual superávit existente nas outras submassas. Nessa situação não há, igualmente, imputação de ônus sobre participantes com direitos heterogêneos. O ônus será imputado exclusivamente à patrocinadora.

Não há qualquer sentido, a nosso ver, em se determinar a reversão desses valores para a empresa patrocinadora, se há a pretensão de manter as reservas vinculadas ao mesmo plano de benefícios, preservando-se o caráter previdenciário dos recursos.

A Resolução CNPC 24/2016 não pode, certamente, ser interpretada de forma a prejudicar os participantes e assistidos, nem tampouco para reduzir a segurança econômico-financeira e atuarial dos planos, em sentido contrário às diretrizes impostas para o Estado pelo artigo 3º, incisos III e IV, da Lei Complementar 109/2001.

Nesse sentido, espera-se que a Instrução complementar a ser editada pela PREVIC dirima essas e outras dúvidas com relação ao tratamento das submassas, sem perder de vista que estas não podem ser simplesmente tratadas como um “subplano”, com tratamento idêntico ao conferido aos planos de benefícios, o que não encontra respaldo na LC 109/2001 e nem tampouco parece ser a intenção da novel legislação.

 

 

 

 

 

Autores: Danilo Ribeiro Miranda Martins é procurador federal da AGU, especialista em direito previdenciário, gestão previdenciária e previdência complementar, MBA em Finanças pelo IBMEC, mestre em direito previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) São Paulo, árbitro, sócio fundador da CAMES Brasil.

 Ana Paula Oriola de Raeffray  é advogada, sócia do Raeffray Brugioni Advogados, mestre e doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC de SP. Professora de prós-graduação da PUC-SP.


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